Chuva de Natal

A cidade estava manchada, como uma velha memória, a única coisa nítida era uma casa na minha frente, e uma mulher.

- Você se lembra dela neste dia? – Me disse a voz de uma mulher.

- Eu não me lembro de ter falado com ela, estava chovendo demais – E assim começou a chover na cidade, e a mulher levemente desapareceu, mas aquele espaço de tempo me pareceu tão longo.

E por muito tempo, fiquei em baixo da chuva, sendo aquela casa a única coisa nítida em toda a cidade, até que ouvi.

- O que aconteceu naquela noite? – E tentei lembrar, aquele foi o meu primeiro verdadeiro natal, na verdade era véspera de natal. E então mais uma vez, eu vi a mulher na minha frente.

- Eu briguei com a minha mãe – Respondi, mas logo fui interrompido.

- Como? - Tentei lembrar tudo o que aconteceu naquele natal, aquele foi o dia em que eu gritei com a minha mãe.

- Eu gritei com ela, disse que não gostava dessas datas inúteis, e que eu não fazia essas coisas de crianças – Eu respondi, por um momento teve um longo silencio, como se ela esperasse algo a mais – E eu também gritei que ela não era a minha mãe.

Aquele me foi o primeiro, e o ultimo natal que eu realmente tive, depois daquele todos os outros choveram, uma chuva que durava desde a véspera até o final do dia 25, sempre do mesmo jeito, sempre na mesma intensidade.

- E o que aconteceu com ela? – A voz me perguntou.

- Ela sumiu desde então, e eu envelheci sem ela, sozinho – Respondi, e olhei para baixo, mal conseguia me ver, sentia apenas culpa ou saudade, ou ambos. Mas era tarde demais para isto.

- Você já se perguntou o porquê chove em todo o natal? – Disse a voz para mim, e então comecei a pensar, eu nunca realmente pensei sobre, mas agora, parecia não me fazer sentido.

- O que você quer de mim? Quem é você? – Perguntei, eu não lembrava há quanto tempo eu estava preso lá, e esperando uma resposta, sem ter, falei na primeira coisa que me veio na cabeça – Que dia é hoje?

- Véspera de natal – Respondeu a voz, e eu não sabia que estava tanto tempo preso assim, mas parecia que todo dia era véspera de natal, e então eu comecei a lembrar do meu primeiro natal, e dos meus gritos, e das minhas burrices. E no meio de tudo isto, mal percebi que começou a chover.

- Chovendo, novamente, como todos os anos – Eu disse.

- Porque chove todos os anos? – A voz perguntou, mas eu não soube o que responder – Porque você nunca fez brincadeiras de crianças? – Mas novamente, não soube o que responder. – Porque você esta chorando?

Mas esta pergunta me fez pensar, coloquei a mão no rosto, e eu realmente estava chorando, tinha me tornado tão comum em toda vésperas de natal. Mas como ela sabia que eu estava chorando? Eu estava sozinho naquele lugar.

- Quem é você? – Gritei, e logo após, eu voltei à cidade, como uma velha memória, com a mesma casa nítida ao todo resto – Porque você está fazendo isso comigo? Eu era apenas uma criança! – Gritei.

- Porque você só lembra-se daquela casa? Porque você não fazia as brincadeiras de crianças?

- Eu não sei!!! – Gritei, e a chuva estava ficando cada vez mais forte, e eu não sabia o que responder, eu não sabia as respostas!

- Faça a brincadeira pela primeira vez, levante a boca para a chuva – E assim, eu o fiz, e logo depois ela disse – Diga-me, o que acha.

- Está chovendo salgado – Respondi, mas entranhei o que eu disse – Está chovendo salgado? – Eu nunca senti a chuva, eu nunca tinha percebido aquilo – Porque está chovendo salgado?

- Não é chuva – Disse a voz.

Mas aquilo não me respondia nada, e também, não respondia nenhuma das perguntas dela.

- Onde eu estou? – Gritei, com todo o meu medo guardado.

- Você está na sua cabeça, não é chuva que cai do céu todos os anos são lágrimas – Disse a voz, mas logo a interrompi.

- Mas co.. – Mas minha voz travou, e continuou num agudo falsete – como assim? – Perguntei, como uma voz aguda e irritante, que não era minha. Era uma voz de criança.

- Você nunca envelheceu, você está vivendo na sua cabeça, na sua culpa. – Me disse a voz.

Então eu paralisei, e a chuva ficava mais forte, e só assim eu percebi que a chuva ficava na mesma intensidade ao quanto eu chorava, e não entendia o porque estava acontecendo tudo aquilo.

- Volte para aquele dia – Disse a voz – Você falou com ela?

- Sim – Eu disse, e então, a mulher que antes estava nítida, voltou a ficar, e então eu a reconheci, era minha mãe.

- E o que você disse para ela? – Perguntou a mulher, aquela memória não existia, mas se eu realmente estava na minha própria cabeça, eu podia criar uma nova memória.

- Eu pedi desculpas – Respondi, e assim, a cidade voltou a ficar nítida, e escura ao mesmo tempo. Estava tudo se desfazendo dentro de mim, além da minha voz. Eu estava perdendo a consciência. Tentei fugir, mas minhas pernas eram curtas demais, olhei para a minha mão, eram mãos de criança. Eu estava voltando à aquele dia, mas eu ainda tinha mais uma duvida.

- Quem é você? – Perguntei, antes de tudo se desfazer.

- Eu sou ela.

Nícolas Lúcio
Enviado por Nícolas Lúcio em 25/12/2013
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