Espírito Natalino

(Nota: Crônica escrita nos meus dezoito aninhos de vida!)

Avenida Mato Grosso. Campo Grande-MS. 24 de dezembro de 1984. Tinha dezoito anos e saí de casa cedinho naquele dia para trabalhar. Atravessei o pátio com três ou quatro passadas, chegando ao muro alto e abri o portão. Do lado de fora, deparei-me com duas crianças sentadas no chão e encostadas no muro de minha casa. Tinham cerca de sete ou oito anos cada uma. Estavam sujas, maltrapilhas, magras e com fome.

Naquele instante meu primeiro pensamento foi: “- Se eu parar para ajudar essas crianças, perderei minha carona e chegarei atrasada ao serviço.” Assim que saí e fechei o portão da rua, falaram-me:

- Tia, estamos com fome! Tem um dinheirinho aí?

Olhei para aquelas carinhas tristes e respondi penosamente:

- Oi. Não tenho dinheiro para ajudar vocês. Sinto muito. Terá que ficar para outro dia.

Virei às costas e saí andando pela calçada a fim de pegar minha carona. Caminhei até a esquina com uma angústia que apertava meu coração. Não aguentei. Retornei.

- Crianças! Vou abrir o portão. Podem entrar aqui no pátio. Vou preparar um lanche gostoso para vocês.

Enquanto esperavam no pátio, corri até a cozinha e fiz dois sanduíches apetitosos, como se estivesse preparando para mim mesma: abri o pão novinho e crocante que meu pai tinha acabado de comprar na padaria do bairro, coloquei bastante margarina, presunto e queijo prato. Estava radiante. Meus olhos brilhavam de alegria por poder ajudar alguém!

Entreguei os lanches e se dirigiram comigo até o lado de fora do portão. Fui trabalhar muito feliz por ter feito uma boa ação. Fiquei no serviço apenas até às onze horas porque meu chefe dispensou todos para o Natal. Corri para casa a fim de contar ao meu pai o que havia acontecido cedinho.

Quando cheguei em casa, na calçada em frente ao portão, encontrei os pães jogados no chão! Fiquei muito decepcionada! Choro de raiva ou de tristeza?

- Puxa vida! Fiz os lanches com todo carinho e elas fizeram isso comigo! Comeram apenas o presunto e o queijo! – esbravejei.

Meu pai percebendo minha indignação veio conversar:

- Mone, entendo que esteja chateada, mas pensa um pouquinho: você queria fazer uma boa ação? Dar um lanche às crianças? Fazê-las felizes nem que fosse por alguns instantes? Você conseguiu! Então, minha filha, não se aborreça se elas não deram valor a sua boa ação!

- Tudo bem, pai. Entendo e fico mais tranquila. – respondi levantando a cabeça depois de pensar um pouco.

- E tem mais: sugiro que as boas ações não fiquem restritas apenas ao período próximo ao Natal, mas que elas se prolonguem por todos os dias do ano! Que tal? Gostou dessa proposta? – indagou.

Respirei aliviada e sorrindo, pois aprendi que devo doar sem esperar recompensa e agradecimento.

E você? Já fez sua boa ação de hoje?

Simone Possas Fontana

Membro correspondente da

Academia Riograndina de Letras