1 - PRESENTE DE NATAL

Véspera do Natal de 1976 a noite já avançara, rodávamos lentamente pelas ruas da cidade, as casas iluminadas, pessoas chegando, outras saindo, típica correria da confraternização natalina. O rádio quebra o silêncio e interrompe a monotonia, ocorrera uma agressão no Beco Neves, pela avenida Tronco (hoje avenida Moab Caldas) logo na entrada próximo de um enorme eucalipto. O beco se foi e veio a Rua Neves, com ela o asfalto escondendo a terra vermelha, o eucalipto e a casinha deram lugar ao alargamento da rua.

Bem em frente da casa de madeira de um único cômodo, um corpo jazia, de bruços, rosto sobre uma poça de sangue onde perecera ao ser atingido violentamente na fronte, cabeça de lado, olhos abertos fixos no nada pareciam inconformados pelo golpe certeiro do agressor desproporcionalmente menor que o morto. O homem que de vítima passara a homicida aguardava calado próximo a imensa árvore. A arma do crime um pé de cabra, que abrira uma fenda na cabeça do já sem vida, permanecia atirada próximo a porta. O infeliz assassino nada disse simplesmente ofereceu-se à revista e foi algemado, não havia estas coisas de dizer que você está preso em nome da lei, tem direito a um telefonema e solicitar um advogado.

A viúva chorava sacudindo insistentemente o nenê que dormia no seu colo. Ela nervosamente repetia sem parar o acontecido, contando que o infeliz assassino estava separado e trouxera um presentinho para o filho, afinal era a véspera de natal. O valente defunto chegou da rua e foi logo agredindo o assassino, que ao ser jogado para fora deu de mão na arma do crime e num único golpe fez tombar aquele que tinha tomado seu lugar. Esta era a história, que a viúva contava inocentado o antigo companheiro.

Junto a porta da pequena casinha metade de um garotinho negro, de cabelos encaracolados, choroso observava o movimento agarrado firmemente ao marco, a outra metade se escondia.

Não havia testemunhas. As casinhas da vizinhança permaneciam fechadas.

O silêncio era quebrado pelo distante som dos fogos e buzinas das pessoas confraternizando. Tínhamos certeza que naquelas pequenas frestas olhos nos observavam. A lâmpada da iluminação pública parecia uma vela tentando clarear o pequeno pátio, mesmo embaralhada pela sombra de um arbusto.

Dentro da casinha a chama de um lampião lutava contra o sopro da leve brisa que batia no local.

Alguns veículos da polícia e da imprensa estacionados apontavam os faróis à cena do crime, que permanecia estática aguardando os peritos. Os dois peritos chegaram bem depois do menino Jesus e se foram levando o morto, a cena do crime registrada em fotos, o pedaço de ferro, que havia atingido a vida de todos que estavam ali.

A viúva bateu insistentemente na vizinha conseguindo convencê-la a ficar com os pequenos, para que pudesse acompanhar o andamento da ocorrência no plantão policial.

Todos partiram sem ter o que confraternizar.

Este é o lado que sempre nos passa despercebido nas desgraças humanas, mas que carregamos para sempre.

Mais de quarenta anos depois, passei na esquina da Rua Neves e arrisquei uma espiada, não há nem sinal das casinhas, então me pergunto por onde andarão aquelas crianças?

Do livro: Pelos natais - 2013 - 2020

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 25/06/2013
Reeditado em 30/11/2019
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