LEMBRANDO NATAL

Quando eu era criança, a expectativa do natal vinha se formando a partir do primeiro canto das cigarras, ansiosas para soltarem sua voz, anunciando a proximidade do nascimento de Jesus. Outras cigarras foram aderindo e mais outras e assim todos os dias o coral das cantantes cigarras foi aumentando de vozes, produzindo sintonia de efeito alegre, promissor, emotivo... aclamando o natal.

No meu tempo de criança o dia seis de dezembro era dedicado a S.Nicolau. (Acho que ainda é. Nascido no século 3 d.c., ele foi sagrado bispo da diocese de Mira (Ásia Menor) e a ele foi atribuído como sendo pessoa amorosa e caridosa com os mais pobres. Era um privilegiado. Com a fortuna da herança, distribuía presentes e partilhava dinheiro com os mais necessitados. Conta-se que três pobres moças não tinham dotes para o casamento e por conselho do louco pai, caíram na prostituição. S.Nicolau, então, apiedou-se das meninas colocando, na janela, três sacolas com o dinheiro para os dotes. A partir daí o Norte da Europa viu em Nicolau o velhinho de barbas brancas distribuindo alegria e presentes às crianças e necessitados a cada mês de dezembro).

Aqui, na minha cidade, era comum ver meias nas janelas nesse dia dedicado a S.Nicolau. De manhãzinha do dia seguinte, ansiosa ia ver se o Velhinho deixou um presentinho. E, geralmente, tinha algo. Um brinquedinho, balas ou chocolate. Não era assim um grande presente, mas só o fato de ter algo na meia, já animava e alegrava o dia.

Somos três irmãs. Brincávamos, ríamos e obedecíamos, nesta época do ano, com mais alegria aos “mandos e desmandos” de mamãe e papai.

Minha mãe mantinha sempre uma pequena horta de condimentos, verduras e legumes. Até milho de pipoca ela plantava. Isso tinha uma manutenção tipo, desmoitar, afofar a terra,(hum, cheirinho bom de terra... delícia!) Além disso, mantinha um grande e lindo jardim, com canteiros de rosas multicoloridas e demais flores que ela transmutava a, mais ou menos, cada três meses e, igualmente, precisava de conservação.

Nessa época do ano, estávamos em férias escolares, mamãe pedia que eu e minhas irmãs fizéssemos esses serviços dizendo que S.Nicolau atenderia nossos desejos e pedidos caso trabalhássemos com alegria e serviço perfeito. Não gostava de fazer esse trabalho, mas o fazia com a perfeição de criança, só para agradar S.Nicolau. Temia que pudesse esquecer meus brinquedos pedidos.

Outra coisa, tradicional em minha cidade, são os biscoitos feitos em casa e decorados com glacê branco e açúcar granulado de mil cores.(hoje em dia todas as padarias e confeitarias fazem durante o ano todo). Os biscoitos tinham formato de passarinho, estrelas, coração, pinheirinho e outros mais. Para tanto há forminhas cortantes. Mamãe fazia a massa, abria com o rolo de abrir massas e eu cortava e colocava numa fôrma grande(tabuleiro) para ir ao forno. Nós tínhamos forno de lenha e mamãe cuidava muito para que nenhuma fornada queimasse algum biscoito. Depois ela preparava o glacê e eu distribuía por cima de cada biscoito e com o açúcar granulado fazia desenhos de diversas cores. Novamente, ia ao forno para secar o glacê e estava pronto o biscoito. Lembro que só se fazia durante o advento. Eram quilos e mais quilos, apreciados e devorados como se fosse um manjar dos deuses.

A árvore de natal era decorada somente no dia vinte e três de dezembro e esse também era um trabalho meu. Havia uma estrela dourada de metal para a ponta da árvore e bolas de vidro colorido, muito fino. O cuidado para não quebrar e se cortar era constante. Havia cordões prateados e dourados e a iluminação era feita com velas coloridas ou não, aplicadas num suporte especial. Sendo descendentes europeus, criávamos tufos de neve na árvore com algodão branco. A árvore encantava e enchia a sala com ares de grande alegria, expectativa e mal podíamos esperar a véspera de natal. E o pior de tudo, tínhamos que esperar escurecer para entrar na sala e receber os presentes. Ahh... quanta ansiedade! Vez por outra tentava-se espreitar, mas mamãe estava atenta e ameaçava deixar entrar só quem a obedecesse. Aiaiaiai... caretas e risinhos maldosos quando a mãe virava as costas. Não havia horário de verão, mas mesmo assim, escurecia só lá pelas vinte horas. Papai nos provocava, fazendo-nos esperar até às vinte e uma horas. O coração acelerado chegava a doer. Quando enfim, podíamos entrar, ainda não era hora de abrir os presentes. De mãos dadas e em círculo rezávamos um Pai-Nosso em agradecimento pelo bom ano que Jesus-menino nos proporcionou. E cantávamos a mágica NOITE FELIZ, (música de Franz Xaver Gruber e letra de Josef Mohr, austríacos). E só então tínhamos licença para abrir os presentes. Nossa... quanta alegria! Estava tudo aí. Toda a relação do pedido foi atendido. Éramos pobres, mas não o suficiente para não recebermos tudo que queríamos. Havia também, chocolates, maçãs e balas. Comilança não faltava. Apesar de saciados da ceia, (nossa ceia eram sanduíches, caprichosamente, preparados; mamãe fazia almoço especial de natal sempre no dia vinte e cinco) cabiam sempre mais guloseimas e não raras vezes, no dia seguinte, estávamos com dor de barriga de tanta gulosice. Havia vinhos e para nós crianças, havia uma mistura de água com pouquinho de vinho e açúcar. Hummm... delícia... o vinho animava e alegrava a todos nós.

Tenho mais dois irmãos, (um já falecido)mas nasceram quando eu tinha catorze anos e já não participava mais com tanta inocência. Alegrava-me com a expectativa deles, provocava-os para deixa-los bem curiosos, as vezes, até zangados, porque fazia chantagem dizendo-lhes que se não varressem a calçada lá fora ou não guardassem os brinquedos espalhados, S. Nicolau não passaria por aquela bagunça e sujeira. Levaria seus presentes para outras crianças. Quanta maldade com os pequeninhos. Mas eu me divirtia.

No natal de 1955 o presente foi um desejado acordeon, na época, muito na moda. Não me dediquei muito ao aprendizado. Achei que era sentar e tocar, mas não, requeria treino. Tinha onze anos e meu negócio era brincar com as menores. Mas a música ‘Noite feliz’, ‘Vinde adoremos’ e ainda uma no idioma alemão,’O Tannenbaum’, (autor e compositor desconhecidos, só se sabe da sua origem germânica. Mais tarde fez sucesso no idioma inglês, "O Christmas Tree"), aprendi a tocar ligeirinho. E a cada natal tocava enquanto meus irmãos e pais faziam coro.

Para mim, os natais foram e são perfeitos em todos os sentidos. No encantamento, na alegria, na conciliação, na esperança, no amor e, principalmente, na fé. Houve e há incidentes, mas o calor espiritual natalino sobrepuja qualquer episódio.

(Haja harmonia e paz em todos lares. Feliz Natal).

Cedy
Enviado por Cedy em 12/12/2011
Código do texto: T3385625
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