Caríssimos,
            Temos um encontro marcado para breve. Nosso encontro será no presépio. É um tanto estranho que o Filho de Deus tenha querido descer à terra para participar da nossa sorte.
            Mas isso é com ele!
            E o mínimo que podemos fazer é estar ali para recebê-lo. Nessa hora única e incomparável. A hora em que ele vem ao encontro da nossa procura. Hora em que a terra se comove por um instante todos os anos. Pelos séculos dos séculos.
            Sim, o importante é estarmos lá para recebê-lo. É estarmos aqui, pois já chegamos. Ao lado desse homem e dessa mulher envoltos em mistério e silêncio. Que nem parecem ouvir o balir das ovelhas, o soprar do boi e do burro e a música das flautas e cantigas dos pastores. Que se mistura ao solfejo dos anjos, com seu canto de Paz aos homens de boa vontade.
            O importante é estarmos aqui, eu e tu. E os nossos amigos e inimigos. Esquecidos, ao menos essa noite, de tudo o que nos separa e distingue. Somos agora a família do menino que vai nascer. E quem não se comove com o nascimento de uma criança?
            Essa criança, já sabemos, já sabemos a história, vai curar os cegos e morrer na cruz. Já sabemos, já sabemos, e isso me comove a aflige. A vocês também, não? Aflige-me porque cruz logo esqueço para só sentir o encanto desta noite. Noite que a poesia abençoou para sempre e a arte transfigurou em luminuras e vitrais.
            O essencial é estarmos presentes. Ainda que um pouco constrangidos e desajeitados. Sem saber exatamente o que fazer ou dizer. Consola-me saber que ninguém vai nos reclamar coisa alguma. Os pais do menino nem parecerão notar-nos, pois estarão embevecidos diante do prometido de Israel, o desejado das nações. Durante nove meses escondeu-se na fenda do rochedo, como a pomba do Cântico dos Cânticos. Não. Não na fenda de um rochedo, mas numa Arca da Aliança... Esse ventre virginal que durante nove meses o abrigou.
            Estaremos todos presentes. E pela primeira vez esqueceremos de nos acusarmos uns aos outros, de nos julgarmos uns aos outros,  porque estaremos todos desarmados. Sem saber o que fazer exatamente com essa criança que vão colocar em nossos braços. E que devemos segurar direito para não cair. E que devemos embalar com uma canção esquecida, desenterrada do fundo da nossa infância.
            Vamos estar todos lá como que num passe de mágica reunidos. Executivos, mães e pais, pródigos e prostitutas, crianças e velhos, artistas e santos, sábios e gente humilde do povo e até, inexplicavelmente, os doentes saídos do leito e os presos que se encontram encarcerados. Ninguém ousa perder esse encontro. Esse espetáculo de um Deus surgindo no meio dos homens, entre um boi e um burro.
            Sim, temos um encontro marcado. Estaremos lá com nossos pecados e omissões, nossas boas obras e nossas queixas, nosso reumatismo e nossos processos, todas essas coisas do nosso dia-a-dia mesquinho, tantas vezes ridículo.
            Que ninguém se atrase, pois já se ouve o canto do galo. Sincronizemos nossos relógios. A hora se aproxima. O momento dos momentos.
            Nosso encontro é no presépio...