Noite feliz em algum lugar...
Abilio Machado
Entrem... Façam de conta que a casa é de vocês. Estou feliz que chegaram a tempo, sabe como é tem sempre aquele parente que quer causar frisson e chega mais tarde, aí nem dá para confraternizar, colocar a comida na mesa por que senão esfria; aí o arroz à grega fica uma grudadinho à grega, e depois tem de esquentar e fica com gostinho de fundo queimado; e o que dizer da troca de presentes?
Senão chega atraso tudo, e ao invés de ter comentários de prazer em ver, se tem comentários e ansiedade; principalmente dos pequenos, dos pequenos, cadê os pequenos?
Estão todos reunidos, já?
Acho que podemos começar... Tio Z... Veio? Não ainda?
Eu não disse? Vê? Será que o filho da puta não percebe que ferra tudo? Senão ia chegar no horário porque se comprometeu em ser o papai Noel este ano?
Sei é porque está barrigudo, também já perceberam quando senta à mesa? Parece que está privado sem comida como os ratinhos das aulas de AEC, aqueles branquinhos winstar da disciplina de Marilza e Felipe, privados e quando lhe liberam a água, seguram o bico de aço com as duas mãozinhas. Ele é assim, promete e promete e nada...
Tem razão, a ansiedade provoca um aumento na percepção das coisas, parece que tudo é maior, não é? Um grãozinho de arroz parece um panelaço argentino.
Ainda estou preocupado cadê as crianças, por que não veio a B, a N, o P, o V... Costumo dizer que eles são a alegria da casa, quando estão aqui é claro, podiam até ter trazido aquele vira lata que rasgou a ponta da toalha d natal passado lembram? Como eu fiquei furiosa, havia comprado naquela bancada de tanto leve por tanto, eu gosto de comprar assim nos cestões que daí não preciso ficar pechinchando por descontos com aquelas atendentes com cara de que já atingiu a comissão do mês e não estão nem aí para você...
Que é que está havendo... Já fui ao portão uma centena de vezes, e ele não chega...
Mas não fiquem aí me olhando com estas caras de idiotas, venham e sentem, coloquei uma mesinha ali este ano, tem uns petisquinhos, nada exuberante mas espero que notem a toalha, os enfeites, paguei mais caro nos enfeites que nos ingredientes para montar os ratos, quero dizer os pratos...
É, você se superou mãe este ano, este seu vestido está... Você está muito bonita, mas o que é isso? Porque quer fazer isso comigo, sabe que sou atleticano, do caldeirão, não o do Hulk, mas o da Arena, é parece um antigo coliseu onde se digladiam no tapete de grama e também na arquibancada, mas tenho de falar você minha ex mãe, não me olhe assim, é ex mãe querida teve de usar um colar verde na sua roupa? Isso é um ultraje a mim, que serve todos os anos um banquete a vocês... Olha! Um brinco para combinar?
Olha aí está você J. lembrou-me agora esta posição sua o papai e aquela sua barba, hoje sei que daria um bom papai Noel, imaginou papai tão sisudo fazendo ho-ho-ho? É mesmo disse tudo agora, não daria certo ele era muito magro, assim como meu mindinho, e falando em mindinho olha este outro aqui, sabe que quer dizer não? Nada de ficar contando piadas sujas igual faz nos velórios, lembre-se que é natal... Dia de presentes, alegria, felicidade, afeto entre toda a família, não é verdade? Vejo que trouxe sua própria bebida... Olha lá a M. vai pegar o chantili do bolo antes da hora...
M. sua nojentinha, que é que está pensando? Tem de ficar tudo bonitinho para a hora, o que importa é a hora, aquela coisa maravilhosa, acender o pinheirinho este ano coloquei quinhentas luzinhas, aumentei o tamanho da árvore, hahahahahaaha, quase não coube na sala, mesmo a minha sala sendo do tamanho da sua casa, eu bem disse à sua mãe para não se casar com seu pai...Ela não teria futuro com ele e veja só...aí nasceu você e fudeu de vez...Pobre da minha irmã...
Muita água passa no rodaminho... Nada fica onde está... Tudo muda de lugar... Vejo agora ali sentado o mesmo homem que me tomou a adolescência, era ele meu deus, meu mundo, meu tudo e hoje não consigo olhar para a sua cara que tenho vontade de vomitar, regurgito todo este passado ao lado dele, lembrar de suas mãos me tomando o corpo, sua carne rasgando minhas entranhas, ah deus!
Nojento, salafrário, por que não me procura mais?
Tem outra tenho certeza, fica ali sentado me olhando com cara de pena... Pena de mim? Eu sou Filomena, a nena, a única e tudo, sou dona de mim, do meu nariz...
Não sou dada a fraquejar, sou forte, agüento todas... Lembrei agora até mesmo da escola, eu fazia com que todos me respeitassem, lá eu era ouvida, senão eu... Vou me acalmar sim, tomei aqueles malditos remédios, ta são benditos, não vou me esquecer... É fui expulsa algumas vezes, quantas? Hahahahahaha, claro que sempre tive orgulho, deixa ver, foram na minha história... Seis expulsões e ‘my god’ se não errei 43 advertências, e diga-se que estas contas são só das educacionais... Pois é bati o recorde foi nas desbravadoras, durei exatos nove minutos, mas a X merecia bem mais que perder aquele dois dentes parecendo a Mônica do Maurício. Não gosto nem de lembrar, quando a vi olhando o instrutor que eu já tinha visto, afinal entrei para as desbravadoras por causa dele, para ficar ali pertinho, próxima, sentindo o seu cheiro de sabonete barato, a barba mal feita, vou mudar de assunto que me deu um calorão...
Há tanto venho planejando este dia, melhor esta noite, ela vai ser única, maravilhosa, meu vestido comprei na melhor loja da cidade, já falei do pisca? Tem mais lâmpadas que as do Silvano monta para a Cocel, minha casa está toda iluminada, para se ver de longe, quero que os outros bairros sintam inveja desta noite que preparei só para nós... Eu, você, você, você...
Os pequenos, neguinho, chica, pérola... Onde estão eles...
Eu queria mesmo é ter minha casa toda cheia de luz, para que a cidade a visse e dissesse: olha lá, é a casa da Nena! Vamos ver, é Natal...
E eu riria muito, din go bel din go bel, acabou o papel...Hahahahahaha...
Ontem e hoje passei em cada lugar para compra o necessário para que tudo fosse perfeito... Até o escroto do meu marido em casa... Que delícia...
A hora está chegando, é Natal, e aquele desgraçado não chega.
Será que eu vou ter que além de fazer tudo para vocês ainda me vestir de papai Noel para distribuir presentes? Eu sempre disse que fui achada na lata de lixo, não combino... Ou melhor, vejam... Você mãe, eu disse que estaria de preto e vermelho e o que você faz? Coloca um colar e brincos verdes na minha casa, será que não percebeu que nem mesmo a árvore é verde?!
J. desde que chegou sentou aí, trouxe esta garrafa na mão e não larga, sendo que eu comprei da melhor champagne, melhor vinho, sou realizada na minha profissão, sou doutora, sou onde sou o funil da disciplina, só quem passa por mim, pelo meu crivo é que consegue se formar, chegar a algum lugar.
E você? Que desde que entrou por aquela porta está aí sem dizer nada... Ah deixa para lá... Minha cabeça gira, minha memória parece que vai e volta não sei o que acontece, estou acho que ficando zonza...
E esta nojentinha, esta aí que fica pegando pedaços de coisas e colocando nos saquinhos, já te disse para parar de passar os dedos aí...
Aquele ‘filha da puta’ não apareceu, meu natal está ruindo, por que estas pessoas entram e saem, o que estão carregando aí, o que são estes sacos pretos grandes, eu cozinhei, mas não fiz tanta sujeira...
Por que está me olhando assim mamãe? E você seu abobado, sempre teve esta cara desde que casei com você, eu sempre que tive de tomar iniciativa, em fazer.
Porque me chamaram de Medéia? Não compreendo...
Medéia é uma... Mulher que fez o possível e o impossível para ter e mostrar o quanto amava seu marido... E eu nem mesmo suporto este... Desg... Amor, não deixe que me toquem, me protege, preciso de proteção, de carinho, só você sabia me conter... Me continha em todos os lugares...só você, os outros não... Eles eram todos passageiros na minha vontade de ir ao limite, como o que sinto por você... As noites que te espero que entre por aquela porta...
Quem são estes homens? O que fazem aqui?
Você convidou essa gente para o meu natal? Hoje a noite é bela vamos à capela...
Hahahaaha... Lembra?
Parem vocês de me chamar de louca, de Medéia... Medeia?
A ‘mon Die’, os pequenos onde estão que não os vejo, desde a hora que preparava a ceia de natal, e você falou que não viria...
Como fiquei brava, ‘Jesus’, fiquei tão fora de mim, que se eu visse alguém eu era capaz de fazer atrocidades...
Aonde vamos?! Me contem porque estou zonza, por que estou com estas algemas na mão? Me contem, não me empurra... Esta a minha casa, este é o meu natal, o melhor natal, é para ser uma Noite feliz...
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__Só se for uma noite feliz em outro lugar, mas não aqui! Abaixa a cabeça, isso, agora se comporta senão damos outro sossega leão. Vamos ‘play’, direto para a décima, esta vai ficar um bom tempo de molho com a gente...
__É sempre assim nestes plantões de natal...Hohoho!