FOLHAS DE DEZEMBRO - CRÔNICA DE JOSÉ

Sentia o esgotamento físico. A fome era só um detalhe. Mas, olhar para ela e seu rosto contorcido de dor, de certa forma me fazia continuar. A cada cinco metros, parava o burrico e molhava os lábios de Maria com água. O ventre, marcado pela gravidez, denunciava que o tempo não esperaria. Eu, no meu silencio, pensava no motivo de estarmos ali, além do recenseamento: Quem era aquele ser? O que eu vivia até aquele momento? Por que eu? E por que ela?

Depois de uma destas paradas, tentei continuar. Ela olhou-me e fez um "não" com a cabeça. Já não agüentava mais.

Olhei-a com firmeza e concordei. Foi quando reparei o céu. Estrelado. Estranhamente vi que pássaros continuavam a cantar. Nas arvores, um vento agitava as copas numa sinfonia da natureza.

Ajudei-a a se acomodar e disse que buscaria ajuda.

Bati na primeira porta. A resposta foi "Não". Corri para uma segunda porta e de novo "Não". Uma ponta de desespero surgiu. O que fazer? Senti um mal estar esquisito. Tentei uma terceira que nem me atendeu. Até que numa quarta um moço falou sobre uma gruta onde seus animais passam a noite. Pensei em recusar, mas pensei melhor, já que não havia outra alternativa.

Voltei ao encontro de Maria. Ao me ver, ela estendeu as mãos como se pedisse socorro. Tomei-a nos braços e seguimos a trilha da tal gruta.

Ao chegar,afastei alguns animais. Fiz uma pequena limpeza. Acomodei-a e esperei o momento.

O rapaz trouxe-me uma talha de água.

Estranhamente, notei que os animais se curvaram em silencio. Voltei minha atenção para Maria que fez um sinal que as dores estavam mais intensa. Pedi que fizesse força. Mais força. Ela contorcia o rosto. Pedi mais uma vez "Força", Ela obedeceu... Até que... vi um rosto de menino. Miudinho. Neste momento, ouvi o cantar dos pássaros como vozes em Louvor Com calma retirei o corpo. Limpei-o com panos molhados e coloquei-o com carinho no colo da mãe. Senti as lágrimas de Maria como uma canção.

O vento, o cantar dos pássaros e a reverencia nos animais, denunciavam o momento que vivi.

Aquele menino, aquele frágil bebê, mudaria a história de todos nós.