CARTA AO PAPAI NOEL – versão 2006
®Lílian Maial
Querido Papai Noel,
Minha cartinha desse ano vai ser muito egoísta. Ano passado não pedi nada pra mim, mas para você. Agora está na minha vez, OK?
O ano de 2006 foi muito diversificado, um ano meio que de reconstrução, depois de um 2005 cheio de devastações, maremotos, furacões, lembra? Já esse ano foi mais de planejamento, com campanha eleitoral bastante antiética (como de costume), mas muito instrutiva. Aprendemos muito sobre a capacidade de cada candidato, suas plataformas de governo, suas benfeitorias nas cidades por onde governaram, suas vidas imaculadas, suas relações absolutamente isentas com o “lado de lá”.
Eu continuo adorando presentes e ainda gostaria muito também de lhe encontrar, mas ainda temo pela sua segurança, e também pela minha. Afinal, você já está cansado dessa conversa de bom velhinho, e eu sei lá... Depois do vagão cor-de-rosa para as mulheres no metrô, não sei não...
Mas me conta, como estão as coisas aí no Pólo Norte? Por aqui, o clima anda doido e o aquecimento global caminha a passos largos. Em breve você terá companhia, com esse calor e o aumento de vários graus a cada década, só mesmo o ambiente gélido pra vingar. Sabe como é, a famosa “vingança de Gaia”.
Esse ano eu resolvi associar sua roupa ao PT, e penso que você deveria acrescentar uma fivela em formato de estrela. Ah! Falando em roupa, o mais novo deputado costureiro bem que poderia desenhar um "modelito" mais tropical para suas vestes, hein?
Falando em moda, estamos, aqui no Rio de Janeiro, às voltas com os Jogos Pan-Americanos, que acontecerão em julho do ano que vem, deixando a cidade num verdadeiro PANdemônio.
A verba da cidade foi basicamente toda destinada às obras, deixando a Saúde e a Educação uma PANacéia (que não chega a ser desvairada), tornando verdadeira a afirmação de que, nesse país, “se dá a vida pelo esporte” (isso porque se morre nas filas dos postos de saúde sem atendimento, já que a verba para contratação de equipe médica e de aquisição de aparelhos e insumos foi toda para a Secretaria do PAN 2007).
Deste modo, Papai Noel, você teria de vir com PANfletos, PANdeiros, PANtufas, abrir essa caixa de PANdora, e esperar o Brasil chegar ao PANteão, com medalhas e investimentos estrangeiros, torcendo como qualquer outro fanático torcedor PANcada, comemorando as vitórias com PANquecas, cuidando para não ficar muito emPANzinado.
Bem, o governo anda fazendo uma limpeza, não só no bolso do contribuinte, mas também na violência. Agora não há quase mais confrontos de polícia e ladrão, uma vez que os chefes da polícia estão fazendo acordos com os chefões do outro lado, para que a paz e a harmonia reinem na terra abençoada por Deus.
Aquela mesma terra que em se plantando tudo dá. Aqui tudo dá. Dá samba, dá pizza, dá mole, dá pé. Desde que haja pão e circo, tudo bem.
Além disso, a bandidagem agora não assalta mais bancos ou bate carteira. Não há mais trombadinha. Há guerrilheiro. Coisa de gente fina. Revólver? Que obsoleto! Bandido chique joga granada e arranca logo o membro, o tórax, a metade do cara. E os médicos nos hospitais de grandes emergências são processados por não terem como recompor o que a granada arrancou. Coisa de incompetência, negligência, imprudência. Quem mandou estudar e ser doutor, não é, Papai Noel?
Bem fez você, que fez acordo com a Sociedade Protetora dos Animais, vacinou as renas e pagou em dia o Renavam e o IPVA do seu trenó. Não infringe leis e não dá mole por aí. Usa disfarce, não tem conta em banco e nem telefone para ser molestado. Aliás, não compre celular, porque é capaz de ligarem pra você chorando, dizendo ser seu filho que acaba de ser seqüestrado por bandidos, e você só vai se dar conta de que nem filho tem, depois de muita taquicardia e pânico. Tolinho!
Mas o Brasil, caro Papai Noel, não é só Rio de Janeiro. Tem outros estados, cada qual mais pitoresco, você precisa parar e conhecer! Sem falar nos paraísos tropicais ao longo de nossa extensa costa, das reservas naturais, tanto de flora quanto de fauna, das florestas que insistem em sobreviver (apesar das depredações, desmatamentos, queimadas), dos rios e lagoas, e desse nosso povo pacífico e amistoso, que só cisma em dar PANcada nas mulheres e crianças, não sei se para diversão, afirmação ou perversão, mas isso são outros quinhentos... Culpa do vagão cor-de-rosa do metrô!
As crianças carentes, neste Natal, estão em "off". Isso porque o BBB (Big Brother Brasil) vem ocupando o lugar de destaque da propaganda de final de ano, junto com o centenário Roberto Carlos Especial. Até você, Papai Noel, vai ficar secundário, se não se candidatar para a “Casa dos Sonhos” dos voyeurs brasileiros.
Enquanto isso, o programa “bolsa-família” vai cumprindo bem o seu papel, apesar dos apelos em contrário.
Agora, querido Papai Noel, fale um pouco de você, conte de seus planos, seus sonhos, seus desejos.
Já fez a contagem de tempo para aposentadoria? Não adianta estar jurássico, ou ter trabalhado que nem condenado a serviços forçados, tem que ter 35 anos de contribuição e mais de 65 anos de idade!
Ah! E cuidado, que a compulsória deve passar para 75 anos! Afinal, a expectativa de vida, tirando as balas e granadas perdidas, aumentou muito no Brasil, que dirá no Pólo Norte! Lá deve ter "iceberg" perdido...
Depois das eleições, o povo perdeu aquela insuflação toda, aquele ódio todo, aquele rancor guardado durante quatro anos, e não se fala mais em anos extras de trabalho, rombo do INSS, corrupção, mensalão, seleção, brasileirão. Parece que tudo voltou ao normal, como uma “ola”, que passou e todo mundo sentou, porque o leão era manso.
Ficamos sabendo os nomes dos próximos milionários em poucas horas, após o encerramento dos votos! E houve uma renovação por um lado, e uma alienação, por outro. Sabia que Collor voltou? Como diz uma amiga minha, Ângela Bretãs, em seu poetrix “Bumerangue”: eu voto, tu votas, eles voltam...
Muito bem, Papai Noel, sugiro que você volte ao Rio de Janeiro em julho, para o PAN 2007, quando verá a cidade completamente modificada pelo esporte. As novas construções da “cidade olímpica” eliminarão a miséria, a fome, o fumo, o tráfico, a violência... tudo em nome do esporte! Já está tudo bem adiantado, graças a empréstimos milionários, e ao dinheiro da Saúde e da Educação, que fizeram “doações”. Mesmo você não sendo inglês (porque é tudo pra inglês ver), por um bom período não deverá ver crianças malabaristas cheirando, pais desempregados, e até o tráfico concordou em não continuar, nessa época, mandando – já deram até autorização para as obras e eventos).
Bem, Papai Noel, se der para ficar até o "reveillon", compre ingressos para o show do Lulu Santos, na Marina da Glória, a preços populares de R$400,00, e entre em 2007 ao som de “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia...”
Com tudo isso, o que não muda é o povo hospitaleiro, cheio de calor humano, e mesa farta (para os mesmos), com perus, rabanadas, castanhas e toda a sorte de comidas nada típicas da nossa terra. Porque banana, só mesmo a que levamos dos políticos.
Bem, querido Papai Noel, que não esqueçamos dos nossos meninos, na noite de Natal e durante o ano todo, porque “aquele menino” da manjedoura todo mundo lembra.
Venha, Papai Noel, e traga muitos presentes para o meu povo, traga um ano de mudanças de consciência e posicionamento, um ano de igualdade de direitos e oportunidades, sem distinção de credo, de gametas ou pigmentos, traga atitude, traga fé e força de vontade, e traga principalmente a paz na Terra aos homens de boa vontade. Se possível, traga também a vontade.
Por último, Papai Noel (eu disse que estava egoísta), traga amor.
As pessoas estão todas necessitando desesperadamente de amor, essa coisa que todo mundo procura, todo mundo sabe o que é, todo mundo diz que tem, mas que muito poucos distribuem, apesar de se saber que ele só aparece quando nós o passamos adiante, pois guardado dentro de nós ele não nos alimenta, nem nos dá prazer.
Aguardo você, querido, como em todos os anos, com a mesma alegria e a mesma esperança de que tudo pode e vai ficar melhor a cada dia.
Lílian Maial
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