DA FAMÍLIA

Para aqueles que se casam conforme os rituais da Igreja Católica, existe o curso de noivos. Meu marido é católico, e, como houvéssemos acordado a cerimônia na Igreja de São Francisco de Assis, forçoso era que cumpríssemos esta formalidade.

Havia entre os instrutores um casal muito interessante. Casal já não jovem, com todo um histórico conjugal que lhes autorizava a falar com propriedade sobre a empreitada que ali todos nós iniciávamos - a maioria dos participantes sendo casais excessivamente jovens, diferentemente de nós e de alguns poucos que resolviam unir-se já depois dos trinta anos. Disseram coisas importantes para quem principia a vida em comum imerso naquele tipo de ingenuidade incômoda e perigosa, embora perdoável, que leva a crer ser a vida a dois um eterno mar de rosas.

Lembro, portanto, de uma única frase enunciada por aquele respeitável senhor, que certamente calou fundo em todos ali reunidos, provavelmente gerando em cada um impressões diferentes: "Vocês estão pensando que é fácil?" - começou, de modo até certo ponto rude - "Pois não é! Sugiro a quem dentre vocês que assim pense que desistam logo antes de fazer a besteira! Porque não é fácil, nem um mar de rosas! Desistam a tempo! Porque haverá certos momentos em que terão vontade de mandar um ao outro para o inferno!..."

O modo como ele falava, com a aquiescência plácida e gentil da esposa a seu lado, fora certamente chocante - mas compreensível, intencional, e, sobretudo, necessária àquelas mentalidades inexperientes que se reuniam talvez iludidas pelo pensamento de que apenas o amor, naquela usual conotação romântica, basta ao sucesso do casamento; porque ele aludia à necessidade imperativa da tolerância nos relacionamentos conjugais - atributo sem o qual nenhuma união - de nenhum tipo! - vai muito longe...

Sim, meus queridos! Nenhuma! Mesmo entre as chamadas almas gêmeas é certo que - em se tratando de seres únicos na sua individualidade, e não de clones - n'algum momento, um haverá de discordar do outro ou pensar diferente, ainda mesmo que em relação a alguma trivialidade; e então chegará o instante de se saber contemporizar opiniões distintas, para a solução dos desafios inéditos do dia-a-dia.

Não é mesmo um mar de rosas! E disso, mesmo eu, naquele tempo, já sabia, casando-me aos trinta e três anos, com um pouco mais de visão da vida do que dispunha aos dezenove ou vinte e poucos da média daqueles casais ali reunidos. O que aquele senhor severo ressaltava era verdade pura, conselho sábio: há desavenças; há discordâncias; há brigas, sim senhor! Horríveis, eventualmente! Há momentos em que se pensa que nada mais vale a pena!...

Mas passam-se os anos; passa-se o tempo, vêm as bençãos de Deus, nossos filhos; e passam também as horas após as desavenças, que nos proporcionam, mais das vezes, a sensação de que aquele motivo grave que provocara, nos dias anteriores, todo aquele inferno, estranhamente perdera a importância que, naqueles instantes convulsionados pela emoção descontrolada, quase pusera a casa abaixo! E - estranhamente também! - você percebe que não tem já tanta vontade de brigar assim, por um pão dormido!...

Porque os dias já se passaram, e aconteceu um turbilhão de fatos novos; notícias importantes de ordem familiar que nos absorvem a atenção, sem que disso nos apercebamos; notícias espantosas nos jornais diários que provocam comentários acalorados; brincadeiras, alegrias e preocupações imediatas, relativas à vida escolar dos nossos filhos...

E então nos apercebemos também do significado importante da chamada tolerância; de uma chance a mais para a passagem das horas; do entendimento de que também, às vezes, nós mesmos esgotamos a paciência alheia, e sem razão, embora sempre convictos de que somos dela senhores absolutos...Compreendemos a importância de uma chance a mais a algo sério e valioso chamado família, antes de dar a ela um desastrado basta!...

Não pensem que ignoro os casos críticos; os casos em que a relação se torna auto-destrutiva para ambos, em decorrência da mais absoluta incompatibilidade, e da impossibilidade irrecorrível de se dilatar uma convivência perniciosa, em primeiro lugar, para a saúde mental e emocional das crianças...Há casos e casos...

Refiro-me, contudo, à média comum das uniões, que não diferem umas das outras debaixo de um teto e entre quatro paredes. Porque é gostoso, por exemplo, acontecer como ontem no shopping, em época natalina: como de costume, encontrar muitos conhecidos da minha faixa etária, do meu ambiente profissional - onde todos são sérios e responsáveis trabalhadores - imbuídos nas compras de final de ano; pais com os filhinhos pequenos empoleirados nos ombros; bermudas, sacolas, sorrisos, comentários compenetrados a respeito dos acontecimentos que aí vêm, no arremate do ano, ou sobre preços, lojas, presentes para este ou aquele...

É gostoso, numa data como esta, constatar que a instituição familiar, a despeito dos nossos tempos, para muitos, ainda se reveste da importância e do seu significado real nas vidas das pessoas, conduzidas pelos mais variados enredos pela cidade afora, e pelo país...

Penso que é isto o importante para as nossas crianças. Ainda mesmo para aqueles que, no exercício sagrado de seu livre arbítrio, resolveram abdicar da experiência conjugal rumo a outros desafios: entendimento entre si! Isto é o essencial!

Essencial que nossos filhos carreguem para a vida o nosso exemplo de que, com o exercício da tolerância e do entendimento, com base no amor que todo pai e mãe sinceros nutrem a seu respeito - debaixo ou não do mesmo teto! - é possível a convivência tranqüila, o afeto, e o respeito...a união, em nome de um ideal maior, comum e mais elevado do que as nossas próprias individualidades...

Ainda uma vez, um maravilhoso final de ano a todos!

O meu carinho a todos os meus amigos do Recanto.


Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 10/12/2006
Código do texto: T314699
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