(Con) Tradições Natalinas
Todo ano é a mesma coisa. Somos pegos de surpresa pelo aviso encarnado, estampado nas vitrines de todo o lado: outro Natal se aproxima! A princípio, tal aviso nos parece tão sem propósito, inadequado e exageradamente adiantado, como se fossem precisos dois meses de preparação para uma única noite do ano... E seguimos os dias ignorando – ou tentando fazê-lo – todo aquele vermelho e verde que num ano é coberto por prata, noutro por ouro e, sobre eles, as luzes que piscam psicodélicas. É sempre a mesma riqueza... de detalhes, cores e presentes rodeando uma árvore de faz-de-conta.
Semanas passam, até que somos relembrados do aproximar da data pelo “ho ho ho” de um estranho Noel com ar de empalhado, nada convidativo, na recepção de um estabelecimento qualquer. Seria um péssimo trabalho de taxidermia, diga-se de passagem. Péssimo também é o senso publicitário de quem ali o pôs! A menos, é claro, que a intenção fosse intimidar os transeuntes, fazendo-os correr à loja mais próxima em busca de abrigo e, na passada, alguma bugiganga, só para não perder a viagem, afinal, semanas se passaram e, quando se trata de Natal, é preciso economizar tempo – são tantos os presentes a planejar... E outros tantos que ainda surgirão por necessidade de última hora: um amigo secreto, outro que se aconchega, mais um pequeno grupo que se reaproxima. Por isso, sempre que possível, compre um presente extra, um coringa: neutro, sem destinatário prévio, nem qualquer significado incluso. Economize tempo, pois dinheiro... é utopia.
Economia doméstica em tempo de Natal é uma ilusão tão grande quanto o próprio dinheiro o é: um montante – nunca tão grande quando se anseia – de folhas de papel com valores estampados, números que dançam apressados, que sobem e descem num saldo bancário, que mudam de lado perante uma vírgula e que, a toda hora, ganham e perdem sinais – negativo para o seu desespero, positivo para a sua alegria.
Questionar o valor que atribuímos às coisas que nos cercam é, quase sempre, um pensamento bem-vindo, mas não no Natal... Natal é tempo de praticar o desapego x o consumismo. “O que importa é o valor simbólico”, mais uma bela utopia! Experimente presentear as pessoas com uma caixa cheia de simbolismo, e nada mais. Poucas entenderiam o recado – provavelmente aquelas de valor inestimável, quem dão razão a utopias e preferem o cartão ao presente. A grande maioria tende a apegar-se ao simbolismo de uma etiqueta repleta de valores numéricos.
Ah, a contradição... Maior e mais celebrada tradição do Natal! Expressamos sentimentos por meio de mensagens prontas, celebramos a vida com a morte sobre a mesa, compensamos a ausência de todo um ano sob a forma de um presente... Quando o maior presente que se pode dar a alguém é estar presente, se não sempre, ao menos nos momentos mais importantes. Se não em corpo, em mente, em alma, em coração, ou videoconferência – tempos modernos, soluções práticas. A ausência integral torna-se a cada dia mais indesculpável!
Agora, se você nem sequer sabe quais foram os eventos que marcaram o ano daqueles seres tão especiais que compõe a sua lista de presentes... Bem, sugiro que providencie um embrulho bem bonito para o monte de nada que seu pacote irá representar. Uma fita vermelha e verde é bem adequada. E nem adianta esquecer-se de retirar a etiqueta.
[crônica escrita para o caderno Mulher Interativa do jornal Agora - RS]