A SOLIDÃO DOS NOSSOS NATAIS

 

Novembro de 2010. “Tóc, tóc, tóc”... É como se estivéssemos ouvindo o natal bater em nossa porta. Deixá-lo entrar? Depende do que cada um incutiu sobre ele. Não deixá-lo entrar não significa excluí-lo da vida, pois muitas pessoas vivem o natal todo dia e, deste modo, em dezembro seu simbolismo apenas fica mais evidente. Aos que, inconscientemente, “abrem a porta” e deixam-no entrar, pode ter vários significados tanto positivos quanto nem tanto. Deixar o natal entrar pode ser sintoma de uma história de vida meio frustrada, construída em cima das fantasias próprias dessa época, principalmente na lógica dos presentes que papai Noel “distribui” na noite de natal, com direito a chinelinho na janela e tudo mais. Geralmente, nestes casos, os adultos voltam aos seus passados nem sempre cheios de  guloseimas saborosas das ceias familiares de natal; nem sempre regados a presentes sob a árvore tradicional. Por outro lado, deixar o natal “entrar” pode ser um momento de reviver e manter toda uma história familiar de comemoração da maior festa do cristianismo que, desde a infância, manteve, sem traumas, sua liturgia. Quem, quando menino, teve a felicidade de viver natais familiares, dentro dos preceitos cristãos e distante do consumo exacerbado que hoje domina, certamente vai celebrar; vai refletir sobre o aniversariante do mês e a importância da família para o estabelecimento de valores morais sólidos; vai concluir, refletindo, que esses valores foram importantes para nos vacinar contra a homofobia, contra as drogas, contra incêndios de índios, contra corrupção, contra a intolerância e a violência generalizadas. Dito diferente: a favor do AMOR.

Independente do contexto que cada um se enquadre, NATAL será sempre e perenemente um estado de espírito. Contudo, não podemos ignorar aquele para quem esse momento é de tortura, de sofrimento, de solidão. Referimo-nos aos que, no passado, não tiveram família estruturada; àqueles para quem a infância foi maculada pelo abandono, pela pobreza e pela solidão; àqueles que, mesmo abastados financeira e socialmente, a vida lhes negou o amor, o afeto e o carinho necessários para “reprocessar” a vida quando esta lhe quiser ser meio “bandida”. Porque, de fato, a vida fica meio bandida quando as pessoas, por dentro, não conseguem se livrar da solidão. Esta, no período de natal, é quando mais dolorosa fica. As pessoas, nesse momento, mais “escanteadas” se acham, mesmo sem necessariamente estarem.

Poderíamos ousar acerca de um treinamento que as pessoas deprimidas, solitárias, etc., poderiam se permitir pelo menos um mês antes do natal. Algo tipo uma PROFILAXIA emocional. Nada fora do comum, mas que pode ajudar cada um (eu faço isto) a ter um natal consigo mesmo, pois se sendo a imagem e semelhança do “PAI”, tendo Deus dentro de nós  já é o começo da nossa “capacitação profilática”. Seguem as demais etapas:

01 – CHEGUE A SI MESMO – Não crie expectativas específicas para o natal, deixe que ele te leve; o natal não pode te levar se você não souber aonde quer chegar. Portanto, o lugar que você tem que chagar é até você mesmo;

02 – PRESENTE DE NATAL – Dar um presente de natal é de certa forma, imitar os Reis Magos. Eles levaram para o menino Deus incenso, mirra e ouro -  elementos de extrema simbologia espiritual. Portanto, um abraço, um gesto de carinho, um telefonema, uma visita às prisões, uma conversa com passantes ou assemelhados, são ótimos presentes. Nada contra o presente das lojas, mas tudo a favor do não endividamento no comércio para atender apelos do consumo. Se te derem presentes por ocasião das comemorações, não te sintas na obrigação de retribuir. Afinal, não foi pactuado que haveria troca de presentes. Jesus, o homenageado, nada deu em troca aos Reis Magos, exceto a salvação da alma.

03 – CARTÕES DE NATAL – Abolir o démodé cartão de natal, principalmente aqueles de mensagens chapeadas, ou os aerogramas – faça um de próprio punho e mande pra quem você ama, se você, de fato as amar e apreciar cartões; melhr que dar presente é ser preGENTE durante o ano todo. Neste sentido, o dia das mães é parecido com o dia de natal: há filhos que passam o ano todo sem dar um carinho às mães, mas no dia das mães compram um presente caro sem necessidade. O amor, que seria o mais importante, não custa caro nem barato, simplesmente não tem preço - invade e fim.


04 - CENTRO DO UNIVERSO
- Não queira ser o centro do UIVERSO. Exercite tê-lo dentro de si e jamais se sentirá sobrando, nem faltando diante das pessoas. No natal esse sentimento tem que estar bem definido mais do que os outros dias do ano.

05 – AMIGO OCULTO OU SECRETO – Fica a critério de cada um. Se durante o ano todo você tiver amigos declarados, a brincadeira do secreto vale. Se não...? Mas se não resistir às tentações dos grupos, não leve presentes pra trocar por outro de igual valor financeiro. Prepare-se que você pode dar um presente de cem reais e receber um de R$ 1,99. (Lembre-se do item 01)


06 – DECORAÇÃO DA CASA – Particularmente preferimos apenas um pequeno jarro de flores sobre uma toalha vermelha. Mas se você que ir além, contenha-se um pouco: uma decoração simples é o suficiente. Um  presépio discreto num cantinho da sala sob a árvore cai bem;


07 – CEIA DE NATAL – Não esperem convite de amigos nem de parentes. Se acontecer, você decide, mas cuidado pra não voltar contrariado. Talvez seja mais seguro ficar em casa e jantar consigo mesmo. Talvez convidar um amigo sincero seja uma boa atitude, pois juntos poderão jantar, ouvir uma boa música, ver a missa do galo pela TV e dormir. Se for o caso de dormirem juntos, ótimo. Se não rolar, permanece a amizade.


08 – UM DIA COMO OUTRO QUALQUER – Mesmo litúrgico como é, Natal passa como um dia qualquer. Exercite um pouco disto e, certamente, se houver tristezas não serão das mais fortes.


09 – ROUPAS NOVAS – Melhor um CD de Roupa Nova. Não se preocupem com roupas novas, pois se abrires teu guarda-roupas, vais ver quanta roupa boa e nova dispões. Se endividar pra quê? Afinal, “gaiola bonita não dá de comer a canário”, logo, não mudarás por dentro se por dentro não te permitires a isto. Evitar, um mês antes do natal, envolvimentos com aquelas músicas dolentes tocadas em harpas; “olhar sem ver” as vitrines decoradas quase que fantasiadas; não atrele seu 13º salário a compras;


10 – COMEMORAÇÕES – São muitas neste período. Ir é opção e não vemos por que não ir. Mas também não ir será normal, posto que reflita o nosso exercício de fazermos o que quisermos e de ir a qualquer lugar desde que seja essa nossa vontade. Não valerá não ir e choramingar sentindo-se a ultima das criaturas.

Este “DECÁLOGO” não tem nenhuma outra pretensão senão a de contribuir com quem, por sua história de vida, sofre muito com o Natal, mas não devia. Machado de Assis, um dos nossos maiores poetas, em seu Soneto de Natal nos brinda com esta passagem:

                               E, em vão lutando contra o metro adverso,
                         Só lhe saiu este pequeno verso:
                        "Mudaria o Natal ou mudei eu?”

 A íntegra do poema segue abaixo para completar a reflexão. Portanto, sabendo que ninguém muda ninguém, não nos deve servir de conforto esta certeza e ficar de braços cruzados. Melhor apostar no homem que gosta de pescar. Dar-lhe o anzol será a atitude correta, pois terá sempre peixe pra se alimentar. Contudo, se diante do anzol o homem quiser também a isca, o bornal e o lago para pescar, paciência.

REFLITA:

Quem paga suas contas?

Quem pode ser feliz por você?

Quem sabe de você?

 

 

 Soneto de Natal

Machado de Assis


Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,

Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.

Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"


Texto extraído do livro "
Poesias Completas - Ocidentais", 1901, pág. s/nº.