O Natal perdeu a essência

Há muito que o Natal deixou de ser Natal para mim, hoje, tudo me parece demasiado mecanizado, forçado, não sei... Algo se passa com ele, talvez se tenha tornado refém de um consumismo exacerbado. Ou por outro lado, nós humanos o tornamos numa espécie de magazine, uma cópia rasca de uma história de Charles Dickens. Um mundo onde os sentimentos se viram ameaçados pelos presentes em forma de coração. As luzes da árvore de Natal já não piscam como antigamente, o presépio se tornou obsoleto, onde figuras surreais coabitam com o menino Jesus, a ceia de Natal virou um momento de solidão, onde marido e mulher se afagam e põem em pratos limpos a sua vida conjugal. As crianças abrem os presentes antes do tempo.

Enfim, tudo mudou... Não me reconheço neste Natal.

Sinto falta do Natal em casa de meus avós, onde a família se reunia uma vez por ano para conversar, rir, e contar todas as peripécias de suas vidas. O ambiente era agradável, os risos eram baixos e altos, dependendo da pessoa que os proferia, a lareira aquecia nossos esqueletos, meu avô narrava histórias virtuosas, minha avó abria pacotes de bombons fora da validade – nunca percebi porque é que ela dava sempre os bombons ruins, talvez quisesse despachar a mercadoria antiga, não sei... lembro-me que criava sempre um frenesim nos nossos estômagos. Ainda assim, naquele momento o que importava não eram os presentes, não eram os bombons, mas sim, a união daquela família, a amizade, o amor que pairava no ar, tudo girando em volta de meu querido avô paterno.

Ele era o rei, o cristo, o maestro, o homem que com sua bondade conseguia juntar toda a família em prol da mensagem do Natal. Após sua morte tudo mudou, a família nunca mais se juntou, nossos corações se encheram de mágoa, raiva, inveja e medo. Meu avô, apesar da sua fama de mulherengo, a qual eu perdoei desde criança, tinha um dom, mantinha as quizílias da família amordaçadas. Mal ele viajou, essas diferenças vieram à tona, corroeram nossas cabeças, e nos viraram uns contra os outros. Desde a morte de meu avô Clemente (Faleceu há 10 anos), nunca mais o Natal foi o mesmo. Praticamente deixei de festejar o Natal, e vivo este dia como se fosse mais um.

Depois desta viagem intemporal, me vejo entrando na modernidade do Natal, estou juntamente com minha mãe ás portas do Shopping Tijuca, a multidão é assombrosa, as pessoas se atropelam e levam sacos e mais sacos de compras, as crianças tiram melecas do nariz para espantar o tédio, os idosos se assentam em bancos lendo jornais, enquando suas mulheres escolhem uma nova marca de roupa.

Minha mãe se lança no guisado, e eu... espero, espero e volto a esperar por ela; como ela se derrete toda por roupa! Mas até que é bem equilibrada – as horas passam e eu continuo assentado, tal e qual um ancião, num desses bancos do shopping, lendo o jornal Globo que de tão grande se torna incomodativo. Ele escorrega-me pelas mãos e acaba por cair ao chão, uma senhora de meia idade, com umas tranças longas e belas a fazer lembrar uma daquelas princesas de Gales, apanha-o e entrega-mo com uma subtileza de mexer com os meus sentimentos. Mas não passa disso mesmo... um flache... um moment.

A espera continua, e o desespero começa a puxar pelos meus pés, estava ficando cansado de toda aquela paródia natalina, só faltava o pai Natal me entregar um presente... que coisa, onde já se viu um pai natal fazer uma viagem da Lapónia até minha casa, apenas para me dar um presente, nunca vi tanta gentileza junta. E que trabalheira a dele em descer pela chaminé... Sempre poderia bater na porta, evitava uma série de acrobacias.

Mas não, a coisa tem que ser perfeita, só falta entrar pela cozinha e encontrar um Rottweiler esfomeado... ia ser muito giro.

- Minha mãe acaba de chegar, carregada se sacos de roupa com sotaque francês, vinha estafada, até parece que vinha do trabalho. Santa paciência – disse eu em voz baixa – minha mãezinha também você?

- Ela me responde - “meu filhinho eu te adoro, mas não gosto da tua impaciência”.

- Sim mãe, eu não suporto a espera, ela me entorpece a alma, me torna mais nervoso e menos simpático. Meu Humor se altera, eu respondo em tom agressivo à minha mãe, mas ela sabe que minhas palavras são ditas apenas da boca para fora, pois eu a amo todos os dias, talvez eu não saiba me manifestar. Não sou daquelas pessoas melosas, que passam o dia inteiro a dizer: eu te amo, eu te adoro, eu não posso viver sem você... naaa... esse não sou eu. Gosto, mas não sei gostar, será isto mais ao menos, aquilo que eu sou.

As horas passam, e a noite rompe por entre um sol envergonhado. À noite - me parece sempre sombria e misteriosa, eu gosto da noite, ela me inspira - sou mais noite do que dia.

Jvcsilva
Enviado por Jvcsilva em 15/02/2010
Código do texto: T2088641
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