Você veio à minha casa para o Natal
-Meia noite.
Olívia tomou da taça, erguendo-a solenimente. Após um instante, baixou-a. Sorveu lentamente um gole. Outro. Pôs a taça sobre a pequena mesa rústica de madeira e foi sentar-se no sofá.
-Minha família não vem. Provavelmente, estão comemorando como os vizinhos. - Lançou um olhar melancólico para a janela, onde se avistava, por meio de outras janelas, o festejar natalino da família vizinha: mulheres e homens se abraçando, cada qual com sua taça na mão. Alguns, com garrafas. Falavam e riam alto, o que levava a crer que certamente havia uma quantidade considerável de álcool no conteúdo das garrafas.
Olívia baixou o olhar. Ainda no sofá, tamborilava com as pontas dos dedos no braço deste.
-Talvez não tenham se lembrado do meu novo endereço. - Debalde, a moça tentava consolar-se pela ausência da família.
Novo silêncio. A chuva começou a cair rala e fria, como por mera obrigação. Olívia levantou-se e, vagarosa, foi fechar a janela por onde finas gotas invadiam a casa. Antes, porém, de completar a tarefa, fitou a aparente alegria dos vizinhos. Dois homens jogavam cartas e bebiam, mulheres trocavam embrulhos e bebiam e casais - visívelmente embriagados - perdiam-se pelos corredores escuros à fora.
-Deprimente... - murmurou a moça ao retornar.
Após três passos incertos, sentou-se na poltrona.
-Eles não eram assim. Nunca haviam sido! - Soluçou. - Minha família jamais agiu dessa forma... foi depois do acidente com o meu irmão, lembra-se? Ele estava fraco, debilitado naquela cama de hospital... mas eu sabia que ficaria tudo bem!
Nesse instante, a chuva, que até então estivera calma, desatou em meio a relâmpagos e trovões.
-Com a sua ajuda eu sei que ficaria tudo bem... Mas eles não quiseram você por perto. Foram pedir ajuda às pessoas que detestavam. Meu irmão está bem hoje, mas a que preço. A que preço!
Escondendo a face sob as mãos, Olívia chorou baixo, soluçando agudamente. Sua voz saía abafada.
-Eles te amavam... quando eu te conheci, eles te aceitaram em nossa casa. Principalmente o meu irmão, vocês estavam sempre tão juntos, tão unidos. Mas ele não acreditou quando eu disse que você estivera com ele durante todo o tempo; preferiu acreditar que o tivesse abandonado...
Olívia ergueu o rosto - estava pálida e banhada em lágrimas. Porém, sorria timidamente, como se desculpando.
-Eles me perdoarão por ter deixado o lar. Hão de compreender. Afinal, - levantou-se indo até a mesa e servindo-se de mais uma taça de vinho - você está aqui, comigo. Sempre disposto a perdoá-los.
Sorria com brandura. Parecia não notar a presença das lágrimas que ainda pendiam de seus olhos. A chuva cessava e novamente ouviu-se o barulho na residência vizinha.
Tomou de uma vez o pouco vinho que servira. Apagou as luzes e deixou a sala.
A noite de Natal já era alta madrugada quando Olívia foi se deitar. Na casa ao lado não havia mais risos e a chuva estava como no início, delicada e fria.
Indubitávelmente, seu Natal havia sido mais especial esse ano. Apesar da ausência da família, compartilhara a noite com o próprio aniversariante.