Papai Noel no Banheiro Feminino
Talvez por conta de incidentes trágicos estas palavras não tenham mais tanto clima. Talvez pelo todo mais sofrido que se passa estas palavras tenham menos importância. Talvez finalmente tenhamos percebido que estas palavras tenham um sentido diferente para cada um, e ponderamos a forma de dizê-las. No entanto é de completa, é imprescindível que estas palavras sejam ditas. E neste intuito, deixe contar uma história...
Faz alguns meses que tive o prazer de colaborar com o colégio cenecista de Tijucas, e embora já soubesse disso, lá é um lugar onde em pouco tempo se aprende não somente os fatos didáticos essenciais a nossa existência, mas também o valor da vida, dos seres humanos e sobre tudo a viver! É um lugar, um espaço físico mais do que vivo, vibrante, onde se tem o prazer de doar gotas de sabedoria ao futuro do mundo. E as pessoas que conheci lá dentro são indescritíveis, como não me canso de repetir á elas: “Vocês são mara!”
E lá dentro tive a oportunidade de aprender muita coisa, tive a oportunidade de dar muitas gargalhadas, e como quase não gosto de fazer isso, aproveitei ao máximo todas as coisas. Tive a oportunidade de cuidar de uma carochinha em uma noite do soninho, de conhecer alunos talentosos, ou no mínimo bem esforçados, oportunidade de várias vezes por dia ouvir e ver a risada sincera de uma criança, tomar o lanche maravilhoso da escola, e na referida noite do soninho, tive a oportunidade de ver o papai noel mais feio do mundo, uma coisa assim sem descrição de tão horrível, mas sem mais comentários, afinal metade do estrago devia-se a uma temporária drag queen. Mas não esperava eu dias depois passar pela mesma situação, a deliciosa sensação de viver Papai Noel, de fazer existi-lo por algumas prazerosas horas. Era uma tarde tranqüila em meu trabalho quando o telefone toca, era uma pessoa do colégio, merecedora de muitas “palmas”, perguntou-me se eu não conhecia ninguém que pudesse vestir-se de papai noel para o Natal Luz, evento da escola de cunho natalino cujo aconteceu na noite seguinte a este telefonema. Bem, conhecer alguém que pudesse vestir-se eu até conhecia, mas dei a resposta que ela esperava ouvir: “Eu faço, pode deixar que eu faço.” E assim aconteceu.
O traje chegou na última hora, lindo, brilhoso, no tamanho certo, mas vou lhes contar um segredo: aquela roupa, gelada e levinha é extremamente confortável, parece que você está completamente nu!
Mas enfim, pelado á parte, tenho a dizer que vestir-se de papai noel, foi praticamente a assinatura de meu atestado de “artista multifacetado”, de bom bril: 1001 utilidades, pois ser Papai Noel jamais tinha me passado pela cabeça, já fui Deus, Santo, Padre, Diabo, entre outras muitas coisas, mas Papai Noel definitivamente encarnar o bom velhinho estrela do natal foi uma surpresa.
Eis que chegou o grande dia, quarta-feira, 3 de dezembro, e a tarde ajudei Letícia e Josi na decoração do anfiteatro, e a noite apresentação vai, apresentação vem, crianças lindas cantando e dançando no palco, quando estou perto de um camarim, e a Letícia me cochicha de dentes cerrados, um sorriso: - Está na hora de você se vestir, vai Papai Noel!... E eu fui, já havia separado tudo, todas as tralhas e esperava a Leia, promovida temporariamente de professora a ajudante de Papai Noel. No simples ato de tirar a roupa do saco, algumas pessoas já notaram o que se passava, já usava as partes fundamentais da roupa, e precisávamos ficar num local reservado, onde o banheiro, no entanto banheiro masculino quem freqüenta sabe o que é possível, e por obrigatoriedade, eu e minha ajudante fomos para o banheiro feminino... Adentrava eu naquele universo peculiar, cenário de tantas fofocas, onde os batons em retoques detalhistas ficavam sabendo de tanta coisa. Era um particular universo com uma aura carregada de mistérios. Aparentemente é igual a um banheiro masculino, mas sem mictórios, e até o momento freqüentado somente por mulheres. Era isso aí, uma rotina efêmera e esquisita: coloca barba, coloca luva, prende o cinto, calça as botas... Entra uma mulher no recinto, se espanta, ri, não faz perguntas, pede bala, eu faço brincadeiras, piadas, danço no banheiro junto da Rosi e da Carol, a Léia fica doida comigo porque não paro quieto... Estou pronto, e agora? Vem vindo uma criança no banheiro, tenho de me esconder para não perder a magia, porém outras entram e me descobrem, e assim chamam as amigas para comprovar, conhecer nos bastidores o bom velhinho: umas tem medo, outras ficam estáticas (emoção?), outras contentes, porém uma olhou bem nos meus olhos, me conferiu dos pés a cabeça e disse: - Ah, eu sabia mesmo! - E saiu no salto, carrancuda, brava. Papai Noel por mais esforçado que seja não tem uma ruga, muito menos cabelos brancos, o jeito é pintá-los, de leve, com o mesmo material que noites anteriores causou vitiligo em outro Papai Noel. Sombra pra deixar a bochecha mais rosa, e dali uma legião de mulheres sai maquiada. Léia e seus truques mágicos... Me pintou até os cílios! E dá-lhe roubar bala Frutibello, também pudera, é Frutibello. Chega o momento, depois de esperar duas eternidades e meia, “ele”, quer dizer, eu sou chamado, com um detalhe de um severo regime, pois a barriga havia sumido, essa tecnologia e a cosmetologia moderna conquistaram até mesmo o bom velhinho, lhe fazendo milagres! Enquanto descíamos na rampa. A ajudante sussurrava: - devagar, vai devagar! E eu entendi só quase na chegada. Fizemos um combinado, eu não falaria nada, porque a meu timbre passa longe do de alguém que passa a noite do dia 24 entregando presentes, mas eu mesmo quebrei o protocolo e fiz um “ho-ho-ho” básico, sentei e as palavra “fila” foi ignorada, estava rodeado pelo que me parecia toda a população do mundo versão infantil de uma única vez. Pirei e o que teve de mãozinha que pegou bala mais de mil vezes não foi pouco. Algo que me encantou foi uma aluna, a Aninha, que depois de ter pego bala, voltou, a notei novamente, e enchi a mão de bala para lhe dar outra vez, mas ela me disse que não queria mais bala, e apenas ficou me olhando, admirando papai noel de perto... As crianças acabaram e vieram as professoras, mereço mesmo! E cada sorriso, cada mão estendida, queria mais do que uma bala, mas a eternidade naquele momento mágico que só uma criança consegue resgatar e fazer-nos compreender, foi uma experiência fantástica. E neste momento então sem mais o que dizer, extasiado por despertar a euforia do espírito da data, num gesto sincero, ‘aquelas’ palavras são mais do que cabíveis: Desejo a todos, um natal “mara”! Um feliz natal!