Diante do Confessionário
Alguns acontecimentos da infância ficam completamente adormecidos em meio às lembranças, até que algum fato presente acontece e desperta instantaneamente o passado. Foi assim que aconteceu quando ela falou aquela frase: “Tia, amanhã depois da prova vou me confessar”.
“Confessar? Este costume ainda acontece entre as crianças?” A pergunta assaltou meu pensamento ao mesmo tempo em que me remeteu à sensação que vivi nos dias que antecederam à minha confissão. Era igualmente véspera de natal. Uma obrigatoriedade que na época eu não contestava, apenas iria obedecer aos ensinamentos religiosos que afirmavam que o padre ouviria os meus pecados, os repassaria a Deus e anunciaria a minha penitência salvando-me das futuras chamas do inferno.
Tremia só em pensar no rosto sério e inquisidor que de dentro do confessionário julgaria os meus delitos. E a parte mais difícil era elencar os meus feitos mais graves, precisava buscá-los na consciência e decorá-los, pois, certamente Deus já deveria saber de tudo, só precisava confirmar se eu era honesta ou mentirosa.
“Xinguei a minha mãe, porque não me deixou terminar o filme que estava vendo para ir comprar pão; menti para o meu pai para poder dar uma saidinha com uma amiga; briguei com o meu irmão na segunda e na terça; falei um palavrão hoje e ontem”... Gravei-o todos por ordem de importância para repeti-los ao “santo” padre. E temia, ao ponto de perder o sono na noite anterior, o castigo que seria enviado do céu.
O fatídico dia chegou. Ajoelhei-me no confessionário e relatei, com a voz embargada pelo nervosismo, pecado por pecado. A sentença chegou. Não lembro precisamente a quantidade, mas sei que precisei rezar alguns Pai Nossos e Ave Marias para ser absolvida. Recordo-me apenas que, ao trocar informações com algumas amigas, descobri que todas ficamos na mesma média de orações. O que devia significar que éramos pecadoras do mesmo nível de gravidade.
Saí da igreja aliviada, com a sensação de missão cumprida e alma lavada. Cheguei em casa faceira contando o grande feito à minha mãe, que terminou de me abençoar com algumas palavras. Havia zerado o placar de maldades, mas não demorou muito para o meu irmão cruzar novamente o meu caminho e me fazer reiniciar a contagem.
De volta ao presente olhei para aquela menina, tão assustada quanto estive um dia, e tive vontade de dizer: “Tu achas realmente que Deus quer saber dos teus pecados? Tenho certeza que Deus só deseja que reencontres a tua família para que possas realmente ser feliz”. No entanto, me calei e a vi partindo, certamente ansiosa para saber se seria digna do perdão divino.
Continuei pensando no que é a absolvição das falhas banais de uma criança, diante do caos emocional em que vive por ter sido abandonada. Quantas orações serão necessárias para que ganhe novamente uma família? Entre lágrimas, me pus a rezar.