Ainda é tempo?
Sunny Lóra
Nesta época de Natal, tão cheia de luzes e cores, buscamos sempre reciclar nossos pensamentos e nos focar em coisas boas, colocando de lado os problemas que nos afligem e a grande falta de fraternidade que engole as pessoas. Mentira? Não... Pura verdade. De nada nos vale fingir não enxergar que este mundo não esteja cheio de coisas (boas) e ruins.
Não tenho a intenção de ser canonizada e gosto muito de ser normal, rir e brincar, cantar e chorar, comer delícias...doces feitos de chocolates são uma tentação... Gosto de abraçar, sorrir para velhos e crianças, namorar bem agarradinho, de todas as formas de beijos, dizer baixinho aquele “eu te amo” e ouvir de volta um “eu também” bem gostoso. Se não vivemos de sonhos e não nos entregamos aos sentimentos que este tal de amor nos proporciona, que haveria de ser de nós, né?
Ficar dentro de casa com tantos brilhos oferecidos aos nossos olhos é um desperdício! Eu adoro aquele Papai Noel que canta e dança. Fico parada olhando, como se fosse uma garotinha esperando o presente de Natal bem cedinho. Os enfeites são espetáculo à parte e as lâmpadas que envolvem as árvores de minha ilha trazem-me emoção e enlevo. Se eu já gosto de abraçar árvores, imagine a vontade que eu tenho de ir lá dar um aperto no vestido novo dela, cheio de pisca-piscas!
Nada, nenhuma luz ou enfeite substitui o cheiro de Natal de minha infância.Lembrei-me que a primeira árvore de Natal que tivemos em casa já era mocinha e devo isso à minha irmã número dois. Um dia ela pegou um pinheirinho que cultivamos o ano inteiro e que cresceu quase um metro, pendurou seis bolinhas com algumas fitinhas vermelhas e o colocou na mesinha de canto de nossa pequena sala, encerada com óleo de peroba para esta ocasião! Ficou lindo demais! Eu passava, no mínimo umas cinqüenta vezes pelo local, só pra sentir o cheiro do pinheirinho...A pequena árvore da minha irmã tinha um cheiro tão especial que eu o sinto até hoje.
No dia 13 de dezembro, dia de Santa Luzia, era o dia de ganhar doce. Minha irmã dizia que se eu colocasse um pratinho vazio perto da plantinha, quando eu acordasse, no dia 13, ia encontrar balinhas bem gostosas. E como as encontrei! Cada uma delas tinha um gosto maravilhoso...mesmo sabendo que, no outro dia, as encontraria nos enormes vidros de balas do comércio da pequena Santa Teresa, no alto das montanhas do Espírito Santo.
Éramos pobres- como a maioria dos descendentes de imigrantes italianos, mas nunca faltou sopa nas noites de frio, quando usávamos pijamas de flanela, todos do mesmo tecido. Cinco filhos, cinco pijamas! Eu gritava, da pequena cama, encolhida no meu pijama: “ Bença, Mãe, Bença, Pai” ... às vezes demorava um pouco e eu tinha que insistir, mas logo vinha a resposta – “Deus te abençoe!”
Mamãe não colocava menos emoção em tudo que o nosso pequeno (enorme) pai, e foi dele que herdei essa capacidade de olhar as pessoas por dentro, com um amor que nem sei mais o que é!
Os anos passaram e a abundância chegou em nossas vidas. Das sopas das noites frias surgiram macarronadas, frangos assados, maionese, saladas deliciosas e guaraná aos domingos.
Papai era um sonhador e vivia esperando a véspera de Natal, onde inventamos um tal de “Amigo X” - um ritual lindíssimo que nos acompanha há anos e anos. Antes de começarmos a trocar os presentinhos, nós nos dávamos as mãos e rezávamos pelo aniversariante, o Menino Jesus.
Nosso pai repetia as mesmas palavras, todos os anos :
- Estamos aqui reunidos para desejar um feliz aniversário ao Menino Jesus e convido vocês a rezar um Pai-Nosso, e que Ele proteja a nossa família... e a de todos.
Ele nunca se esquecia de mencionar “ a de todos”. Pena que este ano papai não estará presente, mas nós faremos o ritual, sim...
Bom domingo!
(parte deste relato é a estorinha contada para Karine, uma garotinha de cinco anos e seus irmãozinhos em um Natal que já está longe).
Ilha de Vitória – ES, 14 de dezembro de 2008
Ilustração: pesquisa na Net