UM SONHO DE NATAL

Meu pai chegara de viagem naquela tarde. Ainda não havíamos saído da minha terra, Bom Sucesso. Era Agente de Coleta do IBGE e fora a Ribeirão Vermelho, a serviço. Voltou trazendo na bagagem uma lata de manteiga. Naquele tempo, não existia margarina, ou, pelo menos, não conhecia. E a manteiga vinha em latas ou se adquiria a granel. Até aí, nada demais, a não ser quando nos contou quem lhe presenteara com aquele mimo... Era início de dezembro, voltava de trem por São João Del Rei. Contou-nos que encontrara com, nada menos que Papai Noel! Falara de suas crianças e o velho, não tendo o que oferecer naquele momento, antecipara aquele presente.

Hoje, acredito que meu pai não tivera tempo ou mesmo condição no momento de trazer algum brinquedo, (éramos seis filhos), assim criou essa fantástica estória para nos alegrar. Aquela revelação foi uma mágica maravilhosa naquele instante de nossa vida. Eu, particularmente, achei incrível, o bom velhinho no trem, não no trenó conduzido por renas.

Percebi não só em mim, como nos meus irmãos, o gosto com que apreciaram aquela manteiga, qualquer pedaço de pão se tornou um verdadeiro petisco! O autêntico sabor do sonho!

Fui criada num ambiente de muita fantasia, povoado por seres imaginários que amenizaram as dificuldades naturais da vida. Mas essa do papai Noel... Sentia-me privilegiada e não cansava de contar para os amigos e colegas que morriam de inveja ou de curiosidade.

Naquele ano, o natal pareceu diferente. A expectativa crescia a cada dia.

Eu, sempre tão indecisa pra escolher presentes, dessa vez decidira mais cedo o que gostaria de ganhar. Seria uma grande bola colorida, tal qual minha felicidade multicor.

Também naquele ano, decidi que me encontraria pessoalmente com papai Noel. Desenvolveria um plano certeiro. Resolvi que me manteria acordada até a hora do velhinho chegar e o surpreenderia no momento em que colocasse os presentes. Deveria, também, escolher um local bem estratégico para pôr os sapatos. Coloquei-o no chão, no vão entre duas portas.

Naquela noite, não pregaria os olhos, depois que todos se recolhessem. Ficaria à espreita de algum barulho que me avisaria a chegada do bom amigo.

Dito e feito. De repente, ouvi passos. Uma conversa em tom de confidência. Apareci na porta do quarto, sem fazer véspera. O que vi foi minha mãe abaixada, justamente junto ao meu sapato, colocando o meu presente. Escondeu imediatamente o embrulho atrás de si e energicamente me disse que fosse dormir que não chegara a hora. Tarde demais...

Voltei para a cama dissimulando, esfregando os olhos, como se não tivesse visto para não decepcionar meus pais, mas a real decepcionada era mesmo eu. Terminei a noite num choro convulsivo, como quem perde a inocência num golpe brutal. Foi como se um mundo de ilusões tivesse desabado sobre minha cabecinha de oito anos de vida.

Decidi que não contaria aos irmãos para que não vivenciassem o que eu estava experimentando.

Passado algum tempo, meu pai resolveu contar pessoalmente a verdade do Natal, o seu real significado e o sentido cristão da data. Percebi que, pela maneira delicada como expôs suas idéias, ficou mais fácil para eles encararem aquela realidade. Fiquei calada ouvindo e observando. O fato é que morreram meus pais sem ter tido a certeza do que aconteceu comigo naquela noite de desilusão.