(Chorei muito ao revisa-la) Uma Triste História Verdadeira

(jamais poderei recitar este cordel, as lágrimas não permitem)

UMA TRISTE HISTÓRIA VERDADEIRA

Numa viagem a negócios

que para Belém fazia ,

num barco superlotado ,

desde os conveses ao porão ,

entre os passageiros havia

uma mulher bem franzina ,

frágil , magra e pequenina ,

com um jeito de menina

que me chamou a atenção ;

pois eu havia notado

que a todo lado que ia ,

com seus olhos me seguia

e se notava que eu via ,

cravava o olhar no chão .

Eu não sabia a razão

daquele seu proceder ,

não era por me querer ,

e nem por má intenção ,

seus olhos azuis e tristonhos ,

revelavam que seus sonhos

sempre haviam sido vãos .

assim o barco seguia ,

e ali , dia após dia ,

sempre que por mim passava ,

ou de longe quando olhava

minha movimentação ,

seu olhar me perseguia

parecendo que fazia

uma investigação .

Não sou jovem ou atraente ,

até que sou diferente

do que os homens comuns são ,

cabelos e barba compridos ,

todos já embranquecidos ,

pêlos anos que se vão

.bem estranho , eu o sabia .

por isto não entendia aquela fixação .

por este motivo então

achei que me parecia

com alguém a quem conhecia ,

gerando-lhe confusão .

Com os dias se passando ,

eu fui me acostumando

com aquela situação ,

por isto já nem ligava

quanto mais ela me olhava ,

menos lhe dava atenção .

isto aparentemente

pois sentia intimamente

vontade de perguntar ,

mas vendo-a triste em seu canto

nunca criei no entanto

coragem de lá chegar .

A viagem terminava ,

pois pouco tempo faltava

para chegar em Belém ,

encostado a balaustrada

com o olhar fixo no nada

olhando do rio além ,

estava a pensar sonhando ,

de como o rio passando

eternamente a correr ,

difere da nossa vida

que escorre e é consumida

até por fim fenecer .

Estava nos meus cismares

esquecido dos olhares

que eram a mim dirigidos

absorto , recostado ,

alguém se chegou ao meu lado

e uma voz aos meus ouvidos ;

era uma voz maviosa ,

macia e melodiosa

que jamais suspeitaria ,

da moça magra e calada

parecendo tão cansada

que com o olhar me seguia .

Foi verdadeira a surpresa

que ao virar-me com presteza ,

ante ela demonstrei ,

fiquei um tanto confuso

com olhares de obtuso

seus tristes olhos fitei .

só de perto eu percebi

na beleza que não vi ,

ao vê-la ao longe , tão calma,

que revelava na luz

daqueles olhos azuis

as tempestades da alma .

Ela pediu-me desculpas

quando a MIM se dirigiu ,

disse , desde que me viu

embarcando em Manaus ,

esquecera os sonhos maus

e lhe voltara à lembrança

dos seus tempos de criança , .

Segundo ela , um amor ,

um sonho que acalentara ,

na sua infância, e o perdera ,

por isto me elegera

para ser seu confessor .

Contou-me que sua vida

estava sendo esvaída

por uma doença fatal ,

e que fora adquirida

por viver prostituída

na “zona” da capital .

Contou que fora casada

com um homem que a iludira ,

em Belém e que fugira

com ele nesta empreitada ,

e após ser por ele usada

fora à outra , preterida .

Por não estar preparada ,

para tal situação ,

sem meios sequer p’ro pão ,

assim ao mundo jogada

ao relento das calçadas ,

dormiu por noites seguidas

no relento das avenidas

com fome e desesperança ,

perdeu assim a criança

que se achava concebida

e quase que a própria vida ,

por não entender de nada .

No hospital conhecera ,

na figura da enfermeira ,

aquela que a assistiu ,

um anjo do céu descido

que ao ver restabelecido

seu bom estado insistiu ,

que fosse morar com ela ,

foi , e lá na casa dela

sua vida ressurgiu

pois outra mãe conseguiu ,

deus a tinha concedido .

Arranjara um novo lar ,

voltara até a estudar ,

insistiram os novos pais,

porém aos pais que a geraram

por remorsos que ficaram

não contatara jamais .

Não quisera também mais

partilhar sua emoção ,

pois grande decepção

seu grande amor lhe deixara;

a si pois determinara ,

não dar mais seu coração .

o tempo que tudo apaga

sua dor apagou também ,

um dia surgiu-lhe alguém ,

e tomada de paixão

esqueceu a decisão ,

que tomara ao se ferir

para com ele partir

sem ter qualquer direção .

Não existe explicação

para o ato praticado

por alguém apaixonado ,

que jamais usa a razão .

Uns tempos após a partida ,

viu-se de pronto envolvida

numa vida aventureira ,

pois não era verdadeira

a imagem que transmitira

o homem que a iludira .

Não era nem parecida ;

levava uma vida bandida

de ladrão e assaltante ,

puxador e traficante ,

desviando sua vida ,

então se sentiu perdida .

No começo da união

ele a levava aos motéis ,

se hospedavam em bons hotéis ,

viajavam de avião .

Ela naquela ilusão

de viagens de negócios ,

conheceu muitos dos “sócios”

que só em milhões falavam ,

juntos , daquilo gozavam

como num conto de fadas ,

sem saber que já traçadas

suas linhas de vida estavam .

Viajou junto , e andava

pelas grandes capitais ,

sem desconfiar jamais

de onde se originava ,

os recursos de dinheiro

que durante o ano inteiro

seu homem dilapidava .

nas ausências repentinas ,

que eram como rotinas

e ela as tinha como tais ,

sempre via nos jornais ,

assalto e mortes se davam .

Foi no rio de janeiro ,

quando ele não regressou ,

que a noite inteira passou

preocupada com o parceiro ;

aquele era o primeiro

dia em que não voltava ,

e inconsolável chorava

sem saber onde estaria ,

passava grande agonia

chegando a vê-lo no asfalto,

onde vítima de um assalto ,

varado a balas morria .

Passou a noite em agonia ,

porém cedo no outro dia ,

procurou-a um conhecido

amigo do seu marido

que um recado lhe trazia :

que fosse , ele a esperava,

ao lugar que se encontrava

o amigo a levaria.

Ela notou que havia

ali algo de anormal ,

mas foi contente afinal

encontrar a quem amava .

Lá em baixo lhe esperava

o transporte que se achava

a sua disposição ,

já com um homem ao volante,

um carro novo e possante ,

ao qual pôs logo em ação .

Rápido qual um avião

mal embarcaram partiu ,

cruzando as ruas do rio

em busca do seu destino ,

e ela dentro fremindo ,

sem pedir explicação .

Foi levada a uma favela ,

entrando em uma viela ,

em um barraco encontrou ,

o seu homem malferido ,

sendo ali atendido

por quem nem era doutor .

Chorando na sua dor

recebeu a explicação

daquela situação ,

pois mesmo passando mal ,

não iriam ao hospital ,

seu marido era um ladrão .

Fora ao dia anterior ,

em um assalto frustrado

que ele fora baleado .

Na reação , por furor ,

mataram um segurança ,

balearam um criança

num acidente fatal ,

lá fora com um arsenal

a policia os esperara ,

quase a todos liquidara ,

e aproveitando o clamor

mesmo ferido escapara

Seu choque foi violento ,

pensou naquele momento

sair dali a correr

mas o amor a impedira ,

e na hora decidira.

fazer seu homem viver .

Tratou logo de trazer

tudo que lhe pertencia ,

e fez ali moradia ,

e trabalhou sem canseira

servindo de enfermeira

dando plantão noite e dia .

O homem que o tratava

chegara a ser quintanista .

mas devido a ser “artista” ,

como nas provas fraudara

a faculdade o expulsara ,

e ali criminosamente

tratava daquela gente ,

usava os conhecimentos

para auferir os proventos

que lhe sanava os suplícios ,

pois de COCA e outros vícios ,

também era dependente .

Apesar de abatido,

ela viu o seu marido

em dois meses levantar,

com boa alimentação

voltou ligeiro à ação,

começou a assaltar .

Ela por participar ,

daquele seu tratamento ,

tomando conhecimento

de tudo que se passava ,

agora o ajudava

não tinha como escapar .

.....E o tempo transcorreu ;

e assim roubando e assaltando,

ou com drogas traficando

ele alguns anos viveu ,

sempre a seu lado ela estava,

e ali mesmo se encontrava

no dia que ele morreu .

Presa em flagrante e fichada ,

ela dali foi levada

para a vida carcerária

e na penitenciaria

seus verdes anos perdeu .

Ali era a “faculdade” ,

e ela sem dificuldade

o currículo assimilou ,

saindo de lá “formada”

embora não fosse em nada

usar o que estudou .

E de fato não usou ;

sem roubar ou traficar ,

sem ter onde trabalhar ,

e sem ter outra opção

foi na prostituição

a saída que encontrou .

Batalhou lá na Mauá

e na praça 15 , no Rio ,

em S. Paulo passou frio

dormindo num mafuá ,

conseguiu sair de lá

junto a um caminhoneiro ,

varou o Brasil inteiro

até chegar em Belém ,

ali batalhou também

e passou por dias maus ,

mas para ir a Manaus

conseguiu juntar dinheiro .

Ali em Manaus morava ,

e sua vida ganhava

como uma prostituída ,

e a doença adquirida

era o prêmio que levava .

voltando agora a Belém

só tinha um único bem

que na vida lhe restara ,

porque com ela ficara

uma única lembrança ,

que seria sua herança ,

que levaria ao além .

Contou que aquela lembrança

era quase que um sonho ,

um relembrar tão risonho

do seu tempo de criança ,

onde lembra a loura trança

que aos cabelos trazia ,

lembra a rua ; é olaria ,

o numero não vem ao lume ,

que era perto de um curtume

isto ela lembra também ,

e em sua lembrança vem

a irmã mais velha ; Maria .

em uma casa de madeira ,

pequena e envernizada

um pouco ao chão levantada ,

telhas de barro e cumeeira ,

com um calçada fronteira

um jovem casal morava ,

lá o homem trabalhava ,

eram amigos dos meus pais .

Seus nomes nem lembro mais ,

lembro sim que lá havia

maquina de datilografia ,

onde minha irmã treinava .

Após meu pai acertar ,

toda tarde p’rá treinar

Ela ia , e me levava .

Enquanto ela estudava

eu o olhava a trabalhar ,

e assim , de tanto eu olhar ,

para quem jamais me olhou ,

dentro de mim rebentou

gerando prazer e dor ,

um rebento que cresceu

e de todo me envolveu :

era o meu primeiro amor .

Tinha eu dez anos , inocente ,

e aquilo era diferente

de tudo que eu já sentira ,

algo que me afogueava

se eu sorria ou se cantava

era p’rá ele somente ,

eis que um dia de repente

mudaram-se e para Santarém ,

sumira o homem por quem

eu estava apaixonada ,

chorei de desesperada

ali , tão precocemente .

Nos dias que se seguiram

eu só pensava em morrer ,

passada a dor , ao crescer ,

em partir p’ronde partiram ,

perguntando aos que o viram ,

terminar com a minha dor

declarando-lhe o meu amor,

inocente e verdadeiro ,

fazê-lo ser o primeiro

homem a me possuir ,

fazê-lo de mim sentir

o que outros jamais sentiram

Em tudo que lhe ocorreu

de dor e desilusão ,

até mesmo na prisão

O seu sonho a protegeu ,

o amor infantil que deu

aquele homem casado

deixou-me emocionado ,

pois era o seu “confessor” ,

uma lágrima de dor

em meu peito escorria ,

porque agora eu sabia

que aquele homem ERA EU .

apesar do que me disse ,

e olhando em seus olhos visse ,

a menina revelada ,

que me voltara a lembrança ,

aquela mesma criança

que me olhava na calçada .

Não pude lhe dizer nada ,

a minha dor me impedia ,

porém que bem lhe faria

tomar-lhe o sonho de beleza ,

e condenar a tristeza

uma vida condenada ???

quando lembro ; ...Toda vez ,

desta mulher condenada ,

que foi por MIM encontrada ,

e que ouvi-la me fez,

e ao lembrá-la , ao invés

de vê-la débil e franzina ,

lembro da bela menina

que por MIM apaixonada ,

Olhava-me da calçada

sem ser por MIM percebida ,

quem sabe se em outra vida

Ela me terá ?....... TALVEZ !!!! .

Mestre Egídio
Enviado por Mestre Egídio em 19/02/2008
Reeditado em 19/02/2008
Código do texto: T866468