Um pouco sobre mim
Um pouco da minha vida...
Para que fiquem sabendo
Um pouco mais sobre min,
Por achar que é necessário,
Direi tim-tim pôr tim-tim
O que precisam saber,
Eu nada vou esconder
Do princípio até o fim.
Meu nome é Francisco Egídio,
Aires e campos os sobrenomes,
De uma família composta
De uma mulher e oito homens
Dos quais nasci como quinto
E orgulhoso me sinto
Dos meus pais e dos seus nomes.
Meu pai, Chico Aires Lobo,
Cearense, como nós,
Lá seus pais também nasceram
Assim como seus avós,
Que eram em Crato residentes,
E de todos benquerentes
Das cidades aos cafundós.
Dos Ferreira de Meneses
Foi meu velho bisavô,
Ele era o”Pai Aristides”
Chegou a ser senador,
Seu irmão, José Ferreira,
Com “meu Padrim”fez carreira,
Do juazeiro morador.
O meu bisavô Paterno
Era do Crato também,
Foi José Maria Lobo”
e “Meu Padrim”lhe quis bem,
ele foi três vezes a Roma,
carregando grande soma
que deu ao Papa por bem.
Foi junto com Padre Cícero
Quando este fez a viagem,
Por ser tão religioso
E provido de coragem
Fundou dezoito capítulos
De irmandades, tão bonitos,
Congregando a romeiragem.
Meu avô foi da polícia,
Quando "Meu Padrim" morava,
Viveu noventa e seis anos,
E a mim muito contava,
Sobre coisas do passado
Do tempo que era soldado,
José Aires se chamava.
Minha mãe, pernambucana,
Lá em Triunfo nasceu,
Filha do “velho Minú”
Que ali viveu e morreu,
Homem probo e respeitado,
Morreu pobre, mas honrado,
Orgulha-me ser neto seu.
Era um obreiro maçom
E foi um dos que fundaram
A loja do juazeiro,
E muito estes o apoiaram
Na sua extrema velhice,
Era pobre como eu disse,
Mas seus amigos o amavam.
Ladislau de Arruda Campos,
Era assim que se chamava,
Apesar de bem criança
Lembro-me do que falava,
No seu bom filosofar,
Na vida tento aplicar
As coisas que ele explicava.
Foi no quadro de São Vicente
“onde hoje é o memorial”
Nasci em quarenta e cinco
Num dia de carnaval,
Era dia dois de março
Não causei nenhum percalço
Nasci de parto normal.
Aparou-me “Mãe Guidinha”
Que era uma boa parteira
Esposa do legendário
Coronel Antônio Pereira
Que ali todos conhecem
Cujas estórias parecem
Um festival de besteiras.
Bem poucos meses eu tinha
Quando meus pais se mudaram
Para Rua São José ( 576,)
uma casa que alugaram
Eu vivi até dez anos,
Chegaram meus desenganos,
Pois as coisas pioraram.
Aos cinco de maio fiz
A primeira comunhão,
E naquele mesmo ano
Fomos para a rua São João,(601)
Mas pouco tempo moramos
De lá logo nos mudamos,
Não houve mais condição.
Mas minha infância foi boa,
Cacei muito passarinho,
Fugia pr’á tomar banho
Com os amigos , ou sozinho
Armar fojo pr’á preá,
E pescar com landuá
Lá no rio salgadinho.
Fiz compras na feira nova
Pôr muito tempo seguido
Pôr ser um menino esperto,
Era por todos querido
As verdureiras me amavam
E muitas coisas me davam,
E eu com o “trocado” escondido
O dinheiro que sobrava,
Duzentos ou quinhentos réis,
Tomava garapa azeda
Misturada com pastéis
Às vezes me distraia
E passava quase meio dia
Ouvindo lerem “cordéis”
Tinha a banca de filhoses
Da mulher do velho matos,
Que era antigo carcereiro.
Gostavam de min de fato
Filhoses sempre me davam
Carinhosos me chamavam
“Menino do olho de gato.”
No açougue do Ratinho
Era onde carne eu comprava
Gostava muito de mim,
E comigo conversava
Como se eu fosse um adulto
Era um homem pouco culto
Mas como um pai o amava.
(A muitos anos atrás,
Eu fui com um tio meu
Visitar o meu velho amigo,
E ele me reconheceu,
Senti-me gratificado,
Com outros velhos no mercado
O mesmo fato aconteceu.)
Neste tempo o juazeiro
Não tinha iluminação,
O meu pai levava a gente
Para ouvir frei Damião ,
No quadro dos Franciscanos,
Minha mãe e todos os manos
E a petromax na mão.
Foi tempo da construção
Da bela igreja que agora
Existe, e é cartão postal,
Mas não existia outrora,
No sermão ele pedia
E varias bacias enchia
De dinheiro em uma hora.
Para construírem o forro
Fizeram subscrição,
Meu pai entrou nesta lista,
E nossos nomes estão
Gravados em algum lugar
Não sei se posso encontrar
Mas lembro da posição.
No ano cinqüenta e oito,
Algo ruim aconteceu
E a vida do meu Pai
De repente enegreceu,
Ele adotou a cachaça,
E sobre nós a desgraça
De repente se abateu.
Para Canindé seguiu
E lá montou a oficina
E assim iniciou
sua vida peregrina
de lá nunca mais voltou
e para nós decretou
uma mudança de sina.
Eu só tinha treze anos
Mas enfrentei o batente,
Pois nosso pai ensinara
A profissão para a gente
Eu tive que trabalhar
Para ajudar sustentar
Nossos irmãos inocentes.
De polidor trabalhei
Mais de um ano seguido,
Entregando a minha mãe
O dinheiro recebido,
Andava com roupas herdadas
Muitas vezes remendadas
E com fundilhos puídos.
Lá no Alfeu Guimarães,
No Expedito seu irmão,
Na aliança de ouro
Com o Anísio e o Dão,
No Luiz Izidio, e além
De mim, lá estava também
O Juarez, meu irmão.
Completei catorze anos,
Sentia-me angustiado,
Não pude mais estudar,
E do meu pai separado,
Eu que o amava tanto
Vivia com desencanto,
Num desalento danado.
Resolvi secretamente
Atrás do meu pai Seguir,
Não disse nada a ninguém
Pra não tentarem impedir,
Do dinheiro que ganhava
Uma parte separava
No intuito de fugir.
Assim passou-se algum tempo
E eu comprei uma mala,
Daquelas de pau, na feira
Mandei um amigo guarda-la,
E muito tempo passou
Até que o dia chegou
Em que enfim fui buscá-la.
Eu juntara cem mil réis
Trabalhando com afinco,
Com os dedos em carne viva
De polir anel e brinco,
Preparei minha bagagem
E fui comprar a passagem
Que custou noventa e cinco.
Fiquei com cinco mil réis
E mais a cara e a coragem
Mas na hora de fugir
Eu senti uma friagem
E para minha mãe falei,
Atrás de pai eu irei,
Ninguém me impede a viagem.
Sai de casa sozinho
A minha mala levando
Naquela noite tristonha
Que continuo lembrando,
Os ventos palhas sopravam
E os meus passos ecoavam
Conforme eu seguia andando.
As ruas estavam desertas
E a madrugada era fria,
Meu peito também gelava
Da angústia que eu sentia,
Vivalma não encontrava,
E quanto mais eu andava
Mais a solidão crescia...
Vão fazer cinqüenta anos
Que estas coisas aconteceram
Muitas coisas se passaram,
Muitos fatos sucederam,
E apesar de tão distantes,
As lembranças são constantes,
Pois em mim jamais morreram.
Sou um homem abençoado,
Pois onze filhos gerei,
Dois destes o bom DEUS levou,
Mas os outros nove criei,
Meu caçula tem vinte e oito,
Nenhum tem vício ou é afoito,
Vintee quato netos ganhei.
Sinto-me realizado,
Embora sem Ter dinheiro,
(embora já o tenha tido.)
Vivo sempre prazenteiro
E se DEUS me conceder,
Eu voltarei para viver
E morrer no juazeiro.
Talvez até haja ali
Quem ainda lembre de min,
E mesmo cinquenta anos
Não é tanto tempo assim,
Só o porvir é distante,
O passado é um instante
Que se foi, mas não tem fim.
Tem um amigo de infância,
Alma pura e altaneira
Filho do velho Aureliano,
É José Gondim Pereira,
Era muito estudioso,
Um amigo valoroso,
Lembro dele a vida inteira.
Ouvi dizer que hoje é médico,
(DEUS queira que assim seja)
Se for deve ser dos bons,
Peço a DEUS que o proteja,
Se o for, inda no porvir,
Suplico a Deus inda ir,
Abraça-lo, caso o veja.
Que DEUS os abençoe, amigos,
E a todos que vos cercarem,
E que se tornem mais férteis
As terras onde pisarem,
E que sejam abençoados
Os rios, serras e lavrados
Cujos ares respirarem.
Que a vocês jamais falte,
Todos os bens salutares,
Que a fortuna acompanhe
Todos seus familiares,
Que vossos estros floresçam,
E mais a mais em vocês cresçam
O Dom santo de poetares.
Que vossas vidas se dilatem,
E que vossos bisnetos venham
A ler as obras deixadas
Por ti, e que eles tenham,
A verve poética que tens
Que a eles passem estes bens,
E vossas verves retenham.
Que sempre superem rindo
As dores que a vida traz,
Que tenham sempre energia,
E a usem como lhes apraz
Que transmitam esperança,
Que habitem na bonança,
Na prosperidade e paz.
São estas bênçãos que quero,
Que leves sempre consigo,
E que meu padrinho Cícero
Os proteja do perigo,
Rezando por vosso sucesso,
Felicidade e progresso,
Mestre Egídio, Vosso amigo.