A INQUILINA DA ESQUINA
O sol nasce bem mais cedo
Naquela rua tranquila,
Onde as vidas são pacatas
E a natureza cintila.
Nessa rua tão pequena,
Com a pulsação serena,
A vida simples desfila.
Enquanto o tempo ventila,
O sol mostra seu semblante,
Logo no surgir da aurora,
No mais bonito horizonte
E as nuvens formando véu
Mostram as plumas do céu
Num amarelo brilhante.
Rosinha toda elegante
Fica olhando do portão,
O padeiro passa cedo
Deixando sacos de pão.
Com lindos corpos faceiros,
Mulheres varrem terreiros
Com vassouras de botão.
Com uma gaiola na mão
Tendo um alçapão de lado,
Querendo outro passarinho,
Passa um menino apressado.
Um homem com uma enxada
Leva mais um camarada
Pra cuidar do seu roçado.
Passa um criador montado
Em seu cavalo alazão,
Vai tangendo seus garrotes
Pra pastar no seu rincão.
Ele sempre faz assim
Também pra apanhar capim
E misturar na ração.
Com a bengala na mão,
Um velho cospe a calçada,
Na cadeira de balanço
E em cada balançada
Vai pensando no passado,
Quando foi endinheirado,
Mas não lembra mais de nada.
Acabando a madrugada,
Um homem passa gritando,
Vendendo seu mungunzá,
Que vem quentinho e cheirando.
Tem muita gente que gosta
E já tá com a mesa posta,
Desde cedo, lhe esperando.
Um pedreiro vai chegando
Para a casa em construção,
Enquanto seu ajudante
Raspa a enxada no chão,
Para preparar a massa,
Olhando a mulher que passa
Exibindo seu corpão.
E Rosinha, do portão,
Botando os óculos na testa,
Fica admirando tudo,
Mas nunca se manifesta.
Só se pergunta contida,
Será que existe uma vida
Mais tranquila do que esta?
Numa casinha modesta
Um rádio tocando um brega,
Uma mulher escutando
Pega a vassoura e se esfrega.
Com um prato de toucinhos,
Um grupo de papudinhos
Bebe cana na bodega.
Um boi de carro carrega
Na carroça dois barris,
Que seu vendedor de água,
Encheu lá no chafariz.
Como já é de idade
Para atender a cidade
Ele leva um aprendiz.
Rosinha sempre feliz
Entrou e foi pra janela,
Mas continuou olhando
Aquela rua singela.
Todos que ali passavam, Sorridentes, acenavam
Quando observavam ela.
Com toda educação dela,
Aos acenos respondia.
E por ser muito simpática
Nesses acenos sorria.
Mas se alguém a paquerasse
Como se ela não notasse
Olhava sem simpatia.
A tarde ficando fria,
O sol começa baixar,
Meninos correm pro campo
Com vontade de jogar.
Muitos têm o ideal
De jogar na capital
E se profissionalizar.
Os caminhões a passar,
Com três carroças ou mais,
Vão pegar cana-de-açúcar
Que por perto tem demais,
Pois naquela região
Predomina a imensidão
Dos grandes canaviais.
Rosinha não quer, jamais,
Sair daquele lugar,
E diz com todas as letras:
Vai ser difícil encontrar
Uma rua tão bonita,
Onde a vida lhe permita
Viver para desfrutar.
Homens vêm se encontrar
Botando a fofoca em dia,
Olhando a vida dos outros
Pra fazer a zombaria.
Rosinha em sua janela,
Sempre agindo com cautela,
Ouve tudo e silencia.
Pra sua grande alegria
Do outro lado da rua
Há umas casas de aluguel
Que se encontram em frente à sua.
São casinhas coloridas
Que têm o cheiro de vidas
De uma gente de alma nua.
Quando a tarde se recua
O crepúsculo esconde o sol,
Com nuvens alaranjadas,
Pintando um lindo arrebol.
No infinito da rua
O ocaso encontra a lua
Brilhando como um farol.
O céu jogou seu lençol
E a noite encobriu o dia,
Quando toda vizinhança
Naquela rua dormia,
Numa casa da esquina,
Onde havia uma inquilina,
Algo estranho acontecia.
Uma mulher que surgia,
Com uma faca na mão,
Entrou pulando a janela
Como se fosse um ladrão.
A inquilina atacada,
Não gritou, não disse nada,
Nem houve uma discussão.
Prestando bem atenção,
Rosinha, ainda chocada,
Fechou a sua janela,
Mas antes deu uma olhada.
Viu a mulher calmamente,
Abrir a porta da frente
E sair séria e calada.
Na rua ninguém viu nada,
Porém, Rosinha ansiosa,
Viu todas luzes acesas
Na casa misteriosa,
Que além de ficar deserta,
Ficou com a porta aberta
E muito silenciosa.
De manhã bem curiosa,
Rosinha viu nas calçadas,
A polícia procurando
Algumas marcas deixadas.
Seu corpo a polícia achou,
Porém jamais encontrou
Quem a matou a facadas.