AS FALACIAS DE NÍSIA
Do Araripe, Cantareira,
Ipanema, Icapuí,
Barcarena, Bacabal,
Fui da Vale a Brejuí,
Rio Grande, João Pessoa,
Do Seixas ao Rio Môa,
Do Oiapoque ao Chuí.
Viajei o mundo inteiro
Declamando poesia,
Mas só em Nísia Floresta
Meu verso deu alegria.
Nas belezas da cidade
E na curiosidade,
Da minha filosofia.
Eu transformei este enredo
Numa espécie de escória;
Adornei com meus estudos
O complemento da história,
Veja aqui o resultado
Do que eu tenho gravado
Nos disquetes da memória.
Contar em causos e glosas
Do sertão ao Cariri,
Os apelidos de Nísia
Desde o doutor ao Gari.
Fatos e fakes de cama
De recado, telegrama,
Barriguda, Papari.
Zé Munganga, Pedro Pato
O Charapa com Ratinho,
Zagueiro do Cruzador
Boquinha e João Bodinho.
Eu vi uns cabras de marra
Que é o tal de Patarra
E o poeta Zé Fofinho.
De tudo vende no Porto
Por isso que eu dou valor,
Da embreagem para o sapo
Até remédio pra dor,
Anda já pra gafanhoto
E até vinagre Minhoto,
Você encontra em Doutor.
Fui com Torneira e Pradéra
Pra conhecer o Timbó,
Tomei uma com limão
E caldo de mocotó.
Em Tororomba, com Luiz,
Zé Papa Figo, Concriz
Pedro Preso e Curió.
Andei com Pedro da Combi
Nunca arrumei confusão.
Bebi com Xanxo, Macumba
E até com um tal de Charrão.
Vi um boy inteligente
Que me convenceu ser crente,
Chamado de Pedro Cão.
Joguei com Dedé de Dora
Conheci Genipapeiro,
Fui a Morrinhos com Tuta
Fui com Voca, em Oitizeiro,
Onde tem Fla Flu, tem festa
E aqui em Nísia Floresta,
Tem Cruzador e Cruzeiro.
Já dei chapéu em Profeta
Arenguei com Priquitinha,
Já fiz golaço em Zé Cota
Levei saia de Peninha.
Toquei violão na praça
Tomei Potiguar de graça
Com meu amigo Pimbinha.
Vi o povo se exaltar,
Chutar e quebrar cadeiras,
Se as tais das massas se encontram
Começam as bagaceiras.
Não tem essa de fiasco,
Quando a partida é sem asco,
De Cruzador e Palmeiras.
Fui pescar em Arituba
Com Charapa e com Charrão,
Lá encontrei Zé Munganga
Que foi com Pedro Carão.
Pau D'arco foi com Pobito,
Levaram peba, cabrito,
"Fucin" de Porco e Barrão.
Peguei sessenta traíras
Numa tarrafada só,
Cento e vinte cangatis
Cem preás e um mocó.
Noventa curimatãs,
Dez dúzias de arribaçãs,
Dois muçuns e um socó.
O Charapa em pescaria
Era inventador de obra,
Aqui ali se encontrava
Com a fera de uma cobra;
Sempre mexia com ela
Para escapar da novela
Pense naquela manobra.
Ele ia atrás da cobra
E ela voltava atrás dele,
Ele mudava de canto
A bicha de olho nele.
Dava fé o carreirão
Ele entrava no mundão
E ela perseguindo ele.
Também o vi destemido
Lutando com um jacaré,
Maior do que ele mesmo
Dizendo ou é ou não é.
Destruiu o ninho, a cama,
Nas folhas dentro da lama,
Trouxe pra fora no pé.
Fui num forró de Zé Valsa
Lá no bar de Sabaru,
Muculamba e Pé de Quenga
Começaram um sururu.
Chutaram Zé Bonitinho,
Ameaçaram Potinho,
Depois prenderam Timbu.
Tinha uma missa marcada
Padre Rui falou pra mim,
Dê a batina a Delira
Que ele a reza em latim.
Os fiéis tudo animados
Terminaram embriagados,
Lá nas águas do Bomfim.
Pegaram um arranca rabo
Na porta do cabaré,
Chico Camboa e Lorica
Com choque e Mené Bié,
Gritaram: ─ Calma mundiça,
Vamos chamar a políça,
Pra ver o brabo quem é.
Chegou dois policiais,
E o Tenente Baratinha.
Os brabos desconfiaram
Já tinham dado na linha,
Mas o pau falou francês
Porque a bola da vez
Sobrou para Priquitinha.
O pobre se embriagou
Daí falou em voz alta,
Disse: ─ Comigo é assim
Hoje eu brigo na ribalta!
O tenente olhou pra mim
Pinotou achando ruim,
E bofetou o peralta.
O cabra rodopiou
Caiu com toda "mulesta",
Pimbinha se levantou:
Gritou: ─ O senhor não presta!
O praça deu-lhe um tapão,
Os dois rolaram no chão,
Lascando testa com testa.
A puta dele gritou
Na porta do minhoquinha:
─ Socorro que tanto sangue
Arrombaram Priquitinha,
Olhe só esse buraco!
E um veado puxa saco:
Disse: ─ Foi o meu Pimbinha.
Lá se encontrava o prefeito
Por detrás de um balcão,
Somente tendo ciência
Tão grande era a confusão.
Deu logo uma risadinha,
Dizendo: ─ Foi só Pimbinha,
Já viu se fosse Pimbão?
Também vi nessa cidade
A distância de Jesus,
Aproximação das trevas
Nos que estão fora da luz,
Torturando a consciência
Clamando por penitência
Lá nos porões de Alcaçuz.
Porque quem faz coisa ruim
Um dia será julgado,
Pela justiça dos homens
E a divina bem de lado.
Mas sedenta de vontade
De conceder liberdade,
Ao réu que foi condenado.
Vou largar o sofrimento
Retornar pra sacanagem,
Vamos fugir de Alcaçuz
Voltar para a fuleragem,
Continuar o moído
Que o leriado é comprido
E tem muita maruagem.
Fui mais Zé Pedro uma vez
Para dar uma caçada,
Peguei um casal de peba,
De preá uma ninhada,
Que tinha pra mais de cem,
Dezoito tejos também
E uma moreia amojada.
Num tiro só acredite
Foi um macaco, um tatu,
Vinte parelhas de rolas,
Duas onças e um nambu,
Um cancão, um guaxinim,
Um tamanduá mirim
Mais dois casais de pacu.
Uma vez no bar de Orácio
Teve um pega pra capar,
Deram choque na batida
E já começou o azar.
Foram pra delegacia
Depois sem diplomacia,
Findaram em dona Yaiá.
Foi num jogo de baralho
Por causa de coisa pouca,
Chico Padeiro surtou
Lhe deu uma fúria louca.
Delira se estresso,
O cabra se levantou
Lhe deu um murro na boca.
De vez em quando passava
Um cabra da padaria,
Com uma vara nas costas
Onde a galinha sumia
Olívia ainda deu parte,
Mas nem aqui nem em Marte
Prender sem provas podia.
Foi numa semana santa
Que um cabra arruaceiro
Preparou um bem bolado
Para comer um carneiro.
Se sabe que ninguém viu,
Mas o doutor descobriu
E o fez pagar o dinheiro.
Contratei o mestre Xanxo
Pra fazer um bangalô,
Na Lagoa Boa Água
Lá nas terras de vovô.
Foi tão caro pra montar,
Mais caro pra desmontar
Que a prefeitura embargou
Seu Raimundinho Ferreira
Prefeito desmantelado,
Gastava as verbas na praça
Com mulher e leriado,
O cerco foi arrochando
Ele findou se lascando
Passou dez anos cassado.
Bombardeio mora só
Inventou de se casar,
A nega boa de cama
Ele pegou se esbaldar.
E tomou dois "azuzim"
Disse: ─ Comigo é assim,
Eu vou botar pra torar.
Começou o reboliço
Cada peiada uma rima,
Mas a nega safadando
E foi entrando no clima,
Bateu tanto no danado
Que findou bombardeado
E por fim morreu em cima.
Também remava a canoa
Quando meu colega achou,
Dentro da lama do mangue
Ouro puro e lá deixou.
E depois se arrependeu
Voltou correndo mais eu
E nunca mais encontrou.
Botija enterram no chão
Sempre dentro de um bom pote,
Em garrafa na parede
Eu nunca vi esse dote.
Só em falar tenho medo
Um Anjo deu o segredo
E Pedro ganhou a sorte.
Até hoje há um mistério
Ocultamente traquino,
Na morte do Velho Índio
E no instinto ferino:
Da ira de Sebastião,
Que não teve compaixão
Quando ceifou Severino.
Se a maruja estava pronta
Para entrar no descampado,
Já terminou a macera
E tome sapateado.
Viva Birico e Mateu
E viva o Galante seu,
Com as damas do seu lado.
Fui brincar um boi de reis
Com Mestre João, aculá,
Picado levou cachaça
Foi o maior bafafá,
Bilaquinho se embriagou,
O Biu se desaprumou,
Derrubou o Jaraguá.
Foi na casa de Getúlio
Que empenaram o bozó,
Começou o tirinete
Alguns arrocharam o nó.
Foi tão grande a confusão
Que o filho de Zé Gangão
Gerou do azar um forró.
A Rita, Pilica e Ana
Foi quem entraram primeiro,
Com o fie de Zé Piaba
E o pau virou candeeiro,
Cabra pegou a correr
E outro para não morrer
Subiu num pé de coqueiro.
O Genário da Mazapa
Também entrou no moído,
Pilica foi a primeira
Que levou no pé duvido.
Só via nego no chão
Os cabras fincando a mão
Findou tudo destruído.
Fui tomar capió em
Palhinha no bar da Bica,
Mas Carcará, Canetinha,
Mimi, Bocista, Pilica,
Coqué, Cu Sujo, Bibiu
E um bate boca surgiu,
Começou o pé de pica.
Zé Piaba no cavaco
Tocando pra quem quiser,
Bambão tocando no banjo
Pegou a chegar mulher,
O finado Rui tringuista
No pandeiro era Gelista,
E começou o rasta pé.
Tava o finado Dudeca
E o famoso Burra Cega,
Zé Fandango acocorado
No oitão de uma bodega.
Tantan trouxe o camarão,
Cupiro, Chico Ração,
E Zé Caeta, outro colega.
Chico Doido quis fiado
E se esqueceu de pagar,
Monacha mais Carro Veio
Já vieram lhe avisar
Venda seus galo com gogo,
Zé Feli não perde jogo
Na certa vem lhe cobrar.
Chegou Curinga e Gobeu,
Baduca veio com Bombo,
Seu irmão Bimbo, melado,
Já chegou levando tombo.
O oficial, Joaquim,
Discursando bem assim
Caiu por cima do lombo.
Quem conhece a região
Concorda com minha lira,
Compreende o que eu falo
Sabe que não é mentira.
Contei a história completa,
Sou eu a voz do poeta,
Eu sou Evaldo de Lira.