Visão de luz no infinito
A nossa casa é bem grande,
Muito bonita e antiga,
Uma herança do meu pai,
Numa divisão sem briga.
Minha mãe mora comigo,
Seu carinho é meu abrigo
E ela minha grande amiga.
Essa casa nos abriga,
Mas muitos moravam nela,
Cada um seguiu seu rumo
E foram saindo dela.
Mamãe vive com saudade,
Porque na nossa cidade
Só ficamos eu e ela.
Sua cuidadora zela
Lhe ajudando todo dia,
Porém há uma diarista
Que também lhe auxilia.
Enquanto eu tô trabalhando,
Deixo elas duas cuidando
Da minha mãe, que é meu guia.
Eu cursando engenharia
Passo dia e noite fora,
Mas procuro saber dela,
Quase que de hora em hora.
Ela que já fez demais,
Faz trabalhos manuais,
Mas só faz porque adora.
Nossa bela casa, agora.
É bem pouco visitada,
Porque mamãe sempre teve
Uma vida recatada.
Não é de muitos amigos,
Porém, não tem inimigos,
É só muito reservada.
Ela fica preocupada
Se me vir chegar cansado,
Me trata como criança
Mesmo eu já velho e barbado,
E, para eu trabalhar,
Vem bem cedo me acordar
Pra não sair atrasado.
Em um dia ensolarado,
Eu vi algo diferente,
Nossa casa que é tranquila,
Se mostrava efervescente.
Antes que alguém me explicasse,
Ou ao menos, me avisasse,
Começou se encher de gente.
Eu só sei que, de repente,
Vi gente de muitos clãs.
Vi chegar na nossa casa
Cidadãos e cidadãs,
Inclusive vi chegar,
Sem nada nos avisar,
Os meus irmãos e irmãs.
Mulheres muito cristãs
Por ali, passaram o dia,
Vi parentes e amigos,
Que há muitos anos não via.
Dessas coisas esquisitas,
Por que vir tantas visitas?
Era o que eu não entendia.
Quem a todos recebia,
Com a mesma gentileza,
Era sempre a minha mãe,
Com seu gesto de nobreza.
Os convidando a sentar,
Sempre achava bom um lugar
Em sofás perto da mesa.
Uma amiga, com presteza,
Pela casa circulava,
Com café, água e biscoitos
Pra quem por lá se encontrava.
Com a sua prontidão,
Na limpeza e arrumação
Ela também ajudava.
Muito surpreso, eu estava,
Com as pessoas que chegavam,
Porque passavam por mim
E não me cumprimentavam,
Procurei me aproximar
Até tentei conversar,
Mas todos me ignoravam.
Porque todos me evitavam
Não consegui entender,
Pensei perguntar, porém,
Achei melhor não saber.
Fui por todos desprezado,
Mas se fiz algo de errado,
Ninguém veio me dizer.
Mais supresa eu pude ter,
Pra abalar meu coração,
Quando um carro funerário
Chegou em frente ao portão.
Minha mãe olhou, sem fala
E, lá no centro da sala,
Foi colocado um caixão.
Naquele momento, então,
Que mamãe lacrimejava,
Com a chegada do caixão,
Ela somente chorava.
Eu tentei me aproximar
Pra também lhe confortar,
Mas ela não me olhava.
O meu coração estava
A tempo de explodir,
Olhando os que me cercavam
Sem poder interagir,
Ninguém me dava atenção,
Nem para apertar a mão
Quando ia se despedir.
Para o velório seguir
Com os traços do passado,
Muitas coroas de flores
Há tempo havia chegado.
Na casa cheia de vida,
O cheiro da despedida
Já estava impregnado.
Nem padre havia chegado
Pra consolar os parentes,
Mas as devotas da igreja
Já rezavam com os presentes,
E alguém mandou avisar
Para o velório esperar
Por alguns ainda ausentes.
Vi muitos impacientes
Pra ver abrir o caixão,
Mamãe que olhou primeiro
Aumentou sua emoção.
Eu também tentei olhar,
Mas resolvi esperar
Por causa da multidão.
Na minha incompreensão,
Comecei a me lembrar
Que eu estava na UTI,
Sem ninguém me visitar.
Nessa memória recente
Vi aos poucos minha mente
Começar a clarear.
Lembrei da falta de ar
Que não tem quem a suporte,
De uma profunda fraqueza
E de uma dor muito forte.
Senti meu corpo em falência
E perdi a consciência,
Como se fosse minha morte.
Eu me vi perdendo o norte,
E me senti flutuando,
Me afastando do meu corpo
E eu de fora observando.
Mas, enquanto enfraquecia,
Uma paz e a calmaria
Foram me tranquilizando.
Como se fosse sonhando,
Mesmo sob a luz do dia,
Eu tive uma visão de luz
Que aos pouco me conduzia
Para um lugar do infinito
Sereno e muito bonito,
Onde a dor não existia.
Aquela paz que eu sentia
Era como se eu voasse,
Entrando por um caminho
Onde o fim nunca chegasse.
A minha mãe com emoção,
Segurando a minha mão,
Me deu um beijo na face.