Maria Aparecida (romance de cordel com 150 estrofes heptasilábicas)

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A Estória de Maria Aparecida

Filha de Mane Vicente

Por

FRANCISCO EGÍDIO AIRES CAMPOS

BV. - RR 1998

1

Lá no sítio Pitangueiras,

Em noventa e um nasceu,

A personagem da história

Que agora conto eu,

A filha de Manoel Vicente,

Que embora diferente

Nunca desgosto lhe deu.

2

Mesmo quando era criança,

Nunca gostou de bonecas

Ganhava na traquinagem

Dos meninos mais sapecas,

Só gostava de caçar,

Jogar bola e campear,

Lutar e jogar petecas.

3

Cedo aprendeu a montar

E atirar de mosquetão

Aos dez anos derrubava

Qualquer bezerro na mão,

Ficou forte e se formou,

E aos quinze derrubou

Seu primeiro barbatão.

4

Mas não era truculenta,

Era tranqüila e cordata,

Nunca provocou ninguém,

Mas se contavam bravata,

Por maior que o cabra fosse,

Sua fama liquidou-se,

O quebrava na chibata.

5

Apesar de ser estranha

A família a adorava,

Por sua grande energia,

Ela muito trabalhava,

Assim enfrentava a vida

Nunca fugia da lida,

E o queria o pai dava.

6

Quando tinha doze anos

Do seu pai se aproximou,

Disse-lhe desejar algo

Que a ninguém jamais falou,

O rifle papo amarelo,

Que ela achava tão belo,

Que o pai o presenteou.

7

Este era uma winchester,

Ano oito, sete, meia,

Que tinha o corpo de bronze,

Não era uma arma feia,

Carregava nove balas,

Que quando chamava as falas,

A morte fácil campeia.

8

Manoel nem hesitou,

Pegou a arma e lhe deu,

Aquele rifle pequeno

Tôda vida fôra seu

Seu pai lhe dera, e êle o dava,

Para a filha que amava,

( Jamais se arrependeu ).

9

Maria quando falara

Jamais pensou em o ganhar,

Ficou emocionada

Quando o pai o foi buscar,

Na hora que ele lhe deu,

Maria estremeceu

E começou a chorar.

10

O pai ficou assustado

Com aquela reação,

Maria jamais chorara

Mesmo com motivação

Pois já entrara na pêia,

Sem fazer nem cara feia

Debaixo do cinturão.

11

No outro dia de manhã

Procuraram sem achar,

A Maria Aparecida,

Porque sem nada falar,

Com o rifle e municiada,

Saira de madrugada,

Fora sózinha caçar.

12

Levou a cabaça d’água

E um bornal com munição,

Dentro de um compartimento

Paçoca de carne e pão,

Um quarto de rapadura,

E levava na cintura

A peixeira e um facão.

13

O facão era o collins

Que seu pai encomendara

Ao seu avô, do Recife

Quando sua mãe avistara,

Pela primeira das vêzes,

A dali a cinco meses

Com a mesma se casara.

14

A peixeira tinha doze

Polegadas de tamanho,

Cortava como navalha,

Aos dez anos tinha ganho,

De um beato barbudo

Que escapara de Canudos,

Um homem bom, mas estranho.

15

Aparecida saiu

Antes do sol clarear,

Selou um burro e seguiu

Porque queria ir caçar

Lá no fim da outra chapada,

Pois lá havia onça pintada,

Muito já ouvira falar.

16

Das pequenas onças de bode,

Que chamam sussuaranas,

Ela já matara algumas,

Só faziam três semanas

Que sózinha uma enfrentara

E à espingarda a matara

Na plantação de bananas.

17

Com o rifle quarenta e quatro

Que agora o pai lhe dera,

Queria uma caça grossa,

A sí mesmo ela dissera,

E a noite se preparara,

E ainda escuro arribara

Para ir atrás da fera.

18

Já eram duas da tarde

Quando começou a subir

Pelo meio de dois serrotes,

Para onde queria ir,

( No fim do século passado

quem ia práqueles lados

se arriscava a não sair ).

19

Era um êrmo desgraçado,

Lá não era morava ninguém

Nem pôr lá haviam estradas

Onde houvesse vai e vem,

Mas tinha paca e veado

Caititú e boi montado,

E muita onça também.

20

Ao chegar no tabuleiro

Rumo ao poente seguiu,

Encontrou alguns riachos

Pôr lá muitos rastos viu,

De veado e caititú,

Viu préa, mocó e teiú,

Mas a onça nem pressentiu.

21

As cinco horas chegou

No começo de uma mata,

Aonde de alta rocha

Despejava uma cascata,

Que virada num riacho

Corria cabeça a baixo

Borbulhando em serenata.

22

Aparecida desceu

Acompanhando seu leito,

Em pouco tempo encontrou,

O lugar que tinha o jeito

De ser bom para acampar,

Começou por preparar

Um fogo muito bem feito.

23

Juntou a madeira sêca

Que pôr alí encontrou,

Quando fez um grande monte,

Pegou um pouco e arrumou,

Pegando seu currimboque,

Bateu na pedra de toque,

Meteu fogo e o assoprou.

24

Pegou umas palhas sêcas,

Que já tinha preparado,

E quando a chama subiu,

Pôs nuns gravetos quebrados,

E acendeu a fogueira,

Prá durar a noite inteira,

Tinha tudo preparado.

25

Amarrou bem amarrado,

O burro, prá não fugir,

Com duas horas escutou

Não muito longe dali,

Um esturro desgraçado

Que jamais tinha escutado,

Resolveu-se a não dormir.

26

Foi alimentando o fogo,

Mas o cançasso chegou,

Seus olhos foram pesando,

De repente cochilou,

Acabou adormecendo,

Foi o fogo esmaecendo

Até que enfim apagou.

27

Voltemos a esta manhã,

Na casa de Manoel Vicente,

Onde todos especulavam

Muito apreensivamente

Pôr qual motivo na vida

A Maria Aparecida

Sumira assim de repente.

28

O seu pai logo atinou,

Que a coisa devia estar

Associada ao rifle

Que acabara de lhe dar,

Calculou alí então,

Que levara a munição

E o fôra experimentar.

29

As horas foram passando,

Tiro nenhum se ouviu,

Meio dia Manoel Vicente

Finalmente decidiu,

Que ia pegar a trilha

E seguir atrás da filha

Se preparou e partiu.

30

Mandou correndo chamar,

Seu cunhado Deodato,

Que era irmão de Dorotéa,

Bom rastreador de fato,

Passou o bicho ele encontra,

Tenha pata, casco ou ponta

Seja em terra, pedra ou mato.

31

Mandou dizer que viesse

Armado e municiado,

Pois ninguém alí sabia

O que tinha se passado

Pois prá Maria barrar

E a impedir de voltar,

Só algo muito pesado.

32

Em meia hora chegou

Deodato, e não veio só,

Vieram lhe acompanhando,

Seus irmãos Bino e Chicó,

E um seu primo segundo

Que se chamava Edmundo,

Sobrinho da sua vó.

33

Os cinco homens partiram

Após tomar um repasto,

Daí a vinte minutos

Já estavam seguindo o rasto,

Do velho burro Tordilho,

Deodato achara o trilho,

Maria o laçou no pasto

34

Os cinco seguiram a trilha

Até quando escureceu,

E pelo rumo que ia

Todo mundo compreendeu

Que Maria Aparecida

Corria risco de vida,

E qual era o plano seu.

35

Como sabiam o caminho

Resolveram prosseguir,

A vantagem da Maria

Tinham que diminuir,

Até junto a serra iriam,

Só alí pernoitariam,

E mal clareasse, à subir.

36

O cruzeiro estava alto

Quando êles chegaram lá,

Eles peiaram os cavalos

E os deixaram pastar,

Ajeitaram uma fogueira

Que durasse a noite inteira,

E deitaram prá descansar.

37

Foi mais ou menos esta hora,

Que Maria adormeceu,

Caiu num sono profundo

E o fogo esmaeceu,

As chamas se apagaram,

Mas muitas brasas ficaram

Aquecendo o corpo seu.

38

Já era a última virgília

Antes do amanhecer,

Que é a hora mais escura

Antes da barra nascer,

O seu burro se agitou

Fungou muito e até zurrou,

E ela nada pode ver.

39

Pôr ela ser muito nova,

E seu corpo estar cansado,

Estava alí desmaiada,

Num sono muito pesado,

Sem ouvir o alvoroço

Pois fizera um grande esforço

Para ficar acordada.

40

Mas quando a onça esturrou,

Ela acordou de repente

Seu rifle estava ao seu lado,

Pegou-o e ficou de frente,

Para onde o burro estava,

Na mesma hora escutava

Um barulho diferente.

41

Foi quando a onça pulou

Sôbre as costas do coitado

Meteu-lhe as garras ao focinho

Seu pescoço foi puxado,

Mordeu na sua garganta,

Em extertor êle levanta

E caem no mato fechado

42

Aparecida jogou

Palhas sêcas no braseiro,

Subiu uma labareda

Clareando o mato inteiro

E viu a onça amontada

No Tordilho abocanhada,

E deu-lhe um tiro certeiro

43

O tiro pegou em cheio,

Porém não fora mortal,

A onça se levantou

Cheia de instinto animal,

Franziu o couro da testa,

E correu no rumo desta,

Rugindo, o grande animal.

44

A onça correu três passos

E pulou no rumo dela,

Maria inda conseguiu

Acertar dois tiros nela,

A onça era pesada

Caindo sobre a coitada

Fraturou-lhe uma costela.

45

E foi nesta hora exata

Que a palha se acabou,

Tendo o fogo se apagado

A escuridão reinou,

Ela sacou a peixeira,

Pois era muito ligeira,

E na bixana cravou.

46

Deu-lhe mais de dez facadas,

Pelo mêdo que sentia,

Ela furava e furava,

E a onça nem se mexia,

Pois ela a tinha matado

Com os tiros que havia dado,

Caindo sôbre ela fria.

47

Não demorou meia hora

Para o dia amanhecer,

Quando tudo clareou

Foi que ela pode ver

Que matara um animal

Que era descomunal,

Não dava nem pra crer.

48

Sua costela doía,

Nem podia respirar

Pensava que gostaria

De a poder esfolar,

Pois aquele enorme couro

Seria como um tesouro

Que adoraria guardar.

49

Ela estava consciente,

Da sua grande enrascada,

Pois ia voltar a pé

Atravessando a chapada

E se Deus não a ajudasse,

Talvez até acabasse

Pelas feras devorada.

50

Cortou dois palmos do rabo

Tirou o couro e o salgou,

Depois enrolou num pano

E no seu bornal guardou,

Três tiros deu no animal,

Tirou balas do bornal

E o rifle recarregou.

51

Tirou a sua peixeira,

E uma vara cortou,

Para usar na subida,

E ela muito lhe ajudou,

A costela atrapalhava,

Doia se respirava

Mas Maria suportou.

52

Naquela hora seu pai

Iniciara a subida,

Não dormira a noite tôda,

Pensando na sua vida,

Pois não podia entender

Que ali pudesse perder

A sua filha querida.

53

Os sinais tinham provado

Que ela havia subido,

Alí entre os dois serrotes,

E que isto havia sido,

Feito com facilidade

E era cêdo da tarde

Quando ao alto tinha ido.

54

Quando chegaram a chapada

Resolveram galopar

A terra ali era plana

E boa de cavalgar

A viagem apressariam

Porquê os cinco queriam

Aparecida encontrar.

55

Passariam os mesmos riachos

Que Aparecida cruzou,

E em todos viram os rastos

Que o burro dela deixou,

Prosseguiram sem demoras,

Já seriam nove horas

Quando o grupo a avistou.

56

Notaram pelo andar

Que estava machucada,

O seu pai partiu na frente

Numa grande disparada,

E quando a alcançou

Saltou ao chão e ficou

Chorando a ela abraçada.

57

Alí ela lhes contou

Tudo o que aconteceu,

Durante a noite passada,

De como o burro morreu,

Pediu que juntos voltassem

E que a onça esfolassem

Porquê o couro era seu.

58

Seu pai porém ponderou

Que a costela quebrada,

Era coisa perigosa

E tinha que ser tratada

Que voltaria com ela,

Mas iriam os tios dela

Para esfolar a pintada.

59

Manoel Vicente voltou,

Com Deodato e com ela,

Os outros três prosseguiram,

Pois iam buscar a sela

Que ficara no lugar,

E a bichana esfolar

E trazer o couro dela.

60

Maria ia montada

Na garupa do alazão,

Ia apertando seu pai

Encostando ao coração

Agora que já passara,

Foi que ela avaliara

A loucura da sua ação.

61

Por causa do que fizera,

Seus pais haviam sofrido,

Seus parentes preocupados

Sequer haviam dormido,

Fizera uma coisa errada

Ao sair para a caçada

Sem dizer que tinha ido.

62

Eram já nove da noite,

Quando em casa chegaram,

Sua mãe e seus irmãos

De alegria choraram,

Quando a história contou,

Sôbre a onça que matou

Todos se admiraram.

63

Os tios que voltaram

Encontram o burro caido

Com a garganta rasgada

E o pescoço partido,

E o couro da pá rasgado,

Com grande naco arrancado,

Onde ela tinha morrido.

64

Os tios Chicó e Bino

E seu primo Edmundo,

Chegaram-se a onça morta

Com um respeito profundo,

Seu tamanho aparentava

Que dôze arrobas pesava

Em qualquer lugar do mundo.

65

E decidiram levar

A cabeçorra da fera,

Esfolando só o corpo,

Levando o couro que era,

Coisa bem grande e pesada

Deixando nele pregadas

Todas as garras da fera.

66

Enquanto dois trabalhavam

Outro tirou os arreios

Do velho burro Tordilho,

Rabichola, sela e freios,

Deu um trabalho danado,

Pois o burro era pesado,

Mas êle inventou os meios.

67

Era mais de onze horas,

Quando foram terminar,

Avivaram a fogueira

Para a boia preparar,

E após comerem, uma hora,

É que de lá foram embora,

Com vontade de chegar.

68

As seis horas eles chegaram

Ao lugar onde dormiram,

Não quizeram pernoitar,

Seu caminho prosseguiram,

Só as dez horas da noite

Pararam para o pernoite,

Mas a cinco prosseguiram.

69

Já passava de meio dia

Quando em casa encostaram,

Mas pôr todo vizinhança

As notícias se espalharam,

Para ver Aparecida

E a grande fera abatida

Muitas vizitas chegaram.

70

Maria teve enfaixada

A costela que quebrou,

Como era jovem e forte,

Velozmente se curou,

Sentiu-se realizada

Tendo a arma batizada

Pela fera que matou,

71

Fizeram-na os pais jurar,

Que nunca mais sairia,

Sem antes comunicar

O lugar para onde iria,

Logo ela concordou

E prontamente jurou,

Que jamais isto faria.

72

Após fazer quinze anos,

Seu bigode escureceu,

Mas ela nunca o raspou

Nem isto a entristeceu,

Ela sabia aceitar,

Nunca a viram se queixar

Daquilo que Deus lhe deu.

73

Houve uma ferra de gado

Na fazenda do Romão,

Todos foram convidados

Prá fazer apartação,

E como sempre se dava

Aquilo se transformava

Numa festa de peão.

74

Seu pai sempre a levava,

As vaquejadas que haviam

Pôr aquela região,

E aquela eles já iriam,

A vários anos seguidos

E eram bem recebidos

Pois alí todos os queriam,

75

Maria desde menina

Já bezerros derrubava,

E de ano para ano

A sua fama aumentava,

E agora duplicara

Pois da onça que matara,

A três anos se falava.

76

A cinco anos fugira

Da fazenda do Romão,

Um garrote bem formado

Que virara um Barbatão,

Terrível touro montado

Pois havia se criado

Nas caatingas do sertão,

77

Iam as dezenas os vaqueiros,

Tentarem captura-lo,

Os que tiveram mais sorte,

Não puderam acompanha-lo,

Um dia um o encurralou

Ele do mato espirrou

E matou o seu cavalo.

78

Neste ano o Coronel,

Pedro Menezes Romão,

Mandou correr a notícia

Que tinha premiação,

De quatro contos em dinheiro,

Para o primeiro vaqueiro

Que pegasse o barbatão.

79

Nos seis meses anteriores

Foi o boato espalhado

No dia da festa veio

De tudo quanto era estado

Muito vaqueiro raçudo

Prá pegar o orelhudo

E deixa-lo assinalado.

80

Veio lá de Sergipe,

Mané de Néco, o inglês,

Da Bahia Zé das Brotas,

Da Alagoas Fernandez,

Que era filho de espanhol,

Com êle veio Zé do Anzol,

Do Ceará vieram três.

81

Eram irmãos estes três,

Todos homens de ação

Criados desde meninos

Na lida de barbatão,

Dominavam tais assuntos,

E os três estavam juntos

Derrubavam até o cão.

82

Veio da zona da mata,

Um cafuzo façanhudo

Chamado Tapuia Preto,

Desordeiro além de tudo,

Chegado numa cachaça

Fazedor de arruaça,

Afilhado do rabudo.

83

Tapuia Preto era dono

De força descomunal

Derrubar touro no braço

Para ele era normal,

Nos dois chifres segurava,

Sua cabeça entortava

E jogava o animal.

84

Lá do sul do Piauí

Vieram cinco vaqueiros

Todos eles afamados,

Pedro Dantas e Zé Vergueiros,

Zé Viúvo e Malaquêta,

Antonio Perna Zambeta

E também dois violeiros.

85

Estes o acompanham

De Araripina prá frente,

A companhia dos cinco,

Deixou-os muito contentes,

E a noite quando acampavam,

Eles aos outros alegravam

Improvisando repentes.

86

Na madrugada do dia

Da festa de apartar,

Coronel Pedro Romão

Mandou pegar e matar,

Dois bois gordos e seis varrascos,

Só para fazer churrascos

Para o povo se fartar.

87

E de tôda região

Não havia um só vaqueiro,

Que não se encontrasse lá

Só pensando no dinheiro,

Prá muitos o sonho era vão,

Pois pegar o barbatão

Só Deus querendo primeiro.

88

Cinqüenta e sete vaqueiros,

O Coronel conferiu,

Que formassem cinco bandos

O Coronel sugeriu,

De onze foram formando

Mas dois findaram sobrando,

Mala-Torta e João Chibiu.

89

Só então Aparecida

Resolveu se inscrever,

Porque deu muito trabalho

Para ao seu pai convencer,

Mais pôr fim ele deixou

E ela então se preparou

E veio pra concorrer.

90

Maria então sugeriu

Que cinco bandos formassem,

Com dez homens cada um,

E que aqueles que sobrassem,

Formassem de oito um bando,

Isto com ela contando,

E se os outros aceitassem.

91

Todo mundo concordou,

E ficaram prazenteiros,

A Aparecida tocou

De ficar pôr companheiros

João Chibiu e Mala – Torta

Azulão e Pedro Horta

Pedro Dantas e Zé Vergueiros.

92

Pôr um azar desgraçado

Tapuia Preto ficou

No bando de aparecida,

Foi o diabo que ajeitou,

E o cafuzo desordeiro

A tampa do tabaqueiro

Naquele dia encontrou.

93

Os seis bandos se espalharam

Querendo ao touro encontrar,

Não tinha como saber,

Onde poderia estar

Na caatinga o barbatão,

Varava todo o sertão

O jeito era procurar.

94

Aparecida e seus homens

Resolveram-se a partirem

Para um lugar diferente,

Dos que viram os outros irem,

No rumo da serra azul

Que se avistava ao sul,

Lugar bem longe, seguirem.

95

Galoparam duas horas

Chegaram em um tabuleiro,

O solo era pedregoso

Com muito mato rasteiro,

Pouca caatinga fechada,

Com quatro duplas formadas

Seguiram atrás do matreiro.

96

Três duplas eram formadas

Pôr antigos companheiros

Azulão com Pedro Horta,

Pedro Dantas e Zé Vergueiros

Mala – Torta e João Chibiu,

Aparecida se viu

Com o pior dos vaqueiros

97

O que sobrou para ela

Foi o cafuzo encrequeiro

Chamado Tapuia Preto

Cabra mal e desordeiro,

Que cheio de ambição,

Mataria até o cão

Pôr quatro contos em dinheiro.

98

Aparecida só tinha

Quinze anos afinal,

Mas era muito crescida,

Forte como um animal,

E cheia de ousadia

Certamente poderia

Se livrar de qualquer mal.

99

Ela não simpatizara,

Com o cafuzo desde que o vira,

Mas sem ter nenhum receio

Ao lado dele seguira

Nem pensava no dinheiro

Pôr espirito aventureiro

Na empreitada partira.

100

Seguindo sempre para o sul

Maria e seu companheiro

Galoparam até as onze

No centro do tabuleiro

Chegaram a um bebedouro

E viram os rastos de touro

Naquele local inteiro.

101

O rasto do bicho dava

Quase um palmo de tamanho,

E também eram profundos,

O que não seria estranho,

Para um touro bem criado,

Que mal fora desmamado

E o mato havia ganho.

102

Maria e Tapuia Preto

Começaram a rastrea-lo,

Era já quase uma hora

Quando lograram avista-lo,

E se convenceram ao vê-lo

Que era uma coisa querê-lo,

E outra coisa pega-lo.

103

Tinha o pêlo luzidio

O magnífico animal,

Teria um metro entre pontas,

E o corpo descomunal

Nove palmos na cernelha

E prá fazer-lhe parelha

Não achariam outro igual.

104

Seu corpo era malhado,

Mas a cara toda escura

Era ágil e musculoso,

Parecia força pura,

Seus chifres de acerados

Pareciam até limados;

A luta seria dura.

105

Sugeriu Tapuia Preto

Que os dois se separassem,

E fazendo um semicírculo,

Pelos dois lados o cercassem,

E para o vale o forçando,

Terminassem o encurralando,

E em o fazendo, o laçassem.

106

Mais o seu plano era outro,

Sua ambição incontida,

Tramava tanger o touro

No rumo de Aparecida,

Que tentaria barra-lo,

Mas perderia cavalo

E também a sua vida.

107

É que ele não sabia,

Com quem se estava metendo,

E que a moça de bigodes

Que alí estava vendo,

Até o diabo temia

Porque êle pressentia

Que acabaria perdendo.

108

Tal como planejou fez,

E o touro numa descida

Arremeteu de uma vez

Com uma fúria incontida,

Com os cascos trovejando,

Cabeça baixa e fungando

No rumo de Aparecida.

109

Aparecida saltou fora,

Ele pegou o cavalo

Cravou-lhes os chifres no flanco,

Quase chega a atravessa-lo,

Com força descomunal

Jogou longe o animal

Chegando a esvicera-lo

110

Aparecida rolara

Sobre o chão da capoeira,

O touro parou adiante

Numa nuvem de poeira,

Voltando-se para ataca-la

Sequioso de envia-la

À morada derradeira.

111

Tapuia Preto parara,

E de longe observava,

Na certeza que o touro

A Aparecida matava,

Só então se apressaria

E o capturaria

E a recompensa ganhava.

112

Aparecida porém

Não planejava morrer,

Em direção a clareira

Ela tratou de correr,

E parando de repente

Encarou êle de frente,

Pronta para o receber.

113

O touro escavou o chão,

Soltando um mugido rouco,

E partiu em disparada,

Pois de raiva estava louco,

Maria negaceou,

Ele raspando passou,

E ela escapou pôr pouco.

114

Fez a curva com dez metros,

E fez a nova investida,

Mas agora iria ver

Que Maria Aparecida

Não viera alí pra prosa,

E que era mais perigosa

Se lutava pela vida.

115

Novamente ela esquivou-se

Só que desta vez pulou

Agarrando no pescoço,

Com o braço esquerdo o enlaçou,

E o touro a foi levando

E ela o braço esticando

Pelo focinho o pegou.

116

Enfiou-lhe pelas ventas

O médio e o indicador,

Com o polegar na direita,

Sua enorme mão fechou,

Como uma torquez de aço,

Com a força do seu braço,

Sua cabeça entortou.

117

O enorme barbatão

Sai tombando de lado,

Caindo para a esquerda

Com um estrondo danado,

Quando o cafuzo isto viu

De repente pressentiu

Que seu plano dera errado.

118

Então mudando de tática

Resolveu ir ajudar

A Maria Aparecida,

Ao barbatão dominar,

E depois de domina-lo

Amarra-lo e encareta-lo

Ele mesmo a ia matar

119

Mal pensou, e assim fez,

E o bicho subjugaram,

Peiaram os pés bem peiados,

Depois o encaretaram ,

Furaram as ventas do touro

E com um relho de couro

Pôr alí o amarram.

120

Fizeram como uma argola

Nas ventas do barbatão

Passaram um laço nos chifres,

E pôr dentro dela, e então,

Soltaram as peias dêle

E permitiram que êle

Se levantasse do chão.

121

Tapuia Preto ao ver

O touro já preparado,

Chegou-se a Aparecida

De um modo dissimulado,

E após ficar atras dela

Passou a gravata nela

E segurou apertado.

122

Com a direita sacou

A sua faca amolada,

Pensando em Aparecida,

Vê-la logo mergulhada,

Pois que pêga de surpresa,

Com sua garganta presa

Ela estava sufocada.

123

Nesta hora ele meteu

A faca para cravar

Mas Aparecida pode,

Sua munheca pegar

Deu-lhe um aperto tremendo

Que o cafuzo ficou gemendo

Mas não chegou a gritar.

124

Aparecida meteu

A mão direita pôr trás,

Pegou os bagos do cabra

Num aperto de tenaz,

Do berro que ele soltou

O touro se espantou

Que quase um estrago faz.

125

É que apesar de amarrado

No tronco de uma aroeira,

O touro da arrancada

Quase arranca a focinheira,

Porém o couro agüentou

E a dor que provocou

Segurou sua carreira.

126

Porém Aparecida

Deu um aperto colosso,

Na munheca do cafuzo

Que ouviu estalar o osso,

O cabra a faca largou

E o outro braço afroxou

O aperto do pescoço

127

Os testículos do cafuzo

A Maria esmigalhou,

E sem largar o seu braço

A Maria os liberou

E então virando de frente

Deu-lhe um tapa tão potente

Que o infeliz desmaiou.

128

Quando ele se acordou

Estava todo amarrado

Onde a Maria pegara

O seu braço estava inchado,

E pela dor que sentia

O cafuzo pressentia

Que o osso estava quebrado.

129

Os seus bagos de inchados

Chegavam a incomodar

As pernas do miserável

Não podiam nem fechar,

E para mais desgraça-los

Pôr não haver dois cavalos

Ele teria que andar.

130

Aparecida a cavalo

Levava o touro e o bandido,

Que a esta altura achava,

Que devia Ter morrido,

Pois alí sendo arrastado

Andando a passo forçado

Se sentia um desvalido.

131

As quatro e meia da tarde

Encontrou dois companheiros,

Que ouviram sua estória,

E ajudaram prazenteiros,

Um ficando para ajudar

E outro indo chamar

O restante dos vaqueiros

132

Eram dez horas da noite

Quando a fazenda chegaram

Como a lua estava cheia

No caminho não pararam,

Estavam todos cançados

Porém estavam animados

E a festa se integraram.

133

Colocaram o barbatão

Em um curral reforçado

Tiraram o laço dos chifres

O deixando encaretado

A multidão o cercava

E pôr isto êle se achava

Furioso e agitado.

134

A Maria Aparecida

Era o centro da atenção

Ela fora a heroína

Da grande competição

Entre homens decididos

Ela havia conseguido

Derrubar o barbatão.

135

E além de fazer isto

Ela havia escapado

Do plano ruim que o Tapuia

Para ela tinha armado,

Se não fosse tão valente

O cafuzo certamente

A teria assassinado.

136

O velho Manoel Vicente

Era só felicidade

Porque a filha querida

Escapara da maldade

Do criminoso malvado

Que esperara amarrado

Ser levado pra cidade

137

A noite passou depressa

Com forró e cantoria

Muita comida e bebida

Dançará e alegria

E a festa só acabou

Quando o sol se levantou

Clareando o novo dia.

138

Depois que o dia nasceu,

Todo mundo se chegou

Arrodeando o curral,

E o touro mais se agitou,

Com a cabeça abaixada

Ele fez uma arrancada

Deu no curral e o quebrou

139

Quando o touro se soltou

Foi a maior correria

O povo desesperado

Prá todo lado corria

E o touro foi de repente

Rumo ao Manoel Vicente

Que se achava com Maria.

140

Ele estava de carêta,

Só enxergava pros lados,

Mas com a força que seguia

Infelizes dos coitados

Que ficassem em sua frente

Porque estes fatalmente

Morreriam atropelados

141

Vendo o pai ameaçado

Sem ter como se livrar

De uma morte terrível

Só pensando em o salvar

Nem um momento hesitou

E frente a fera ficou

Para outra vez lutar.

142

Numa fração de segundo

Toda cena se passou

O touro com violência

Aparecida atacou

Com um brusco movimento

Naquele mesmo momento

O seu chifre ela agarrou,

143

A sua manopla esquerda

No chifre do boi cerrou

Fechou sua mão direita,

E um sôco desfechou,

No meio da testa do boi

E tão violento foi

Que o bicho se arriou.

144

Abriu as pernas e caiu

Com sua lingua arriada

Da boca escorrendo espuma

Inda deu uma cagada

Seus olhos se reviraram

Suas canelas esticaram

E deu uma estrebuchada.

145

Quando ela soltou-lhe o chifre,

Êle já era finado,

É que nas mãos de Maria

Nem chegara a dar um caldo,

Quem matou um touro assim

Segundo contou prá mim

Foi o Olindo Toaldo.

146

Com todas as testemunhas

Que viram o fato se dar,

A estória se espalhou

Pôr todo aquêle lugar

E a sua fama cresceu

Mas que ela mereceu

Nós não podemos negar

147

Pegou um conto e seiscentos

Repartiu com os companheiros

Seiscentos ela repartiu

Com Pedro Dantas e Vergueiros

Pois estes muito ajudaram

Pois foram os dois que chegaram

Antes dos outros vaqueiros.

148

O outro conto de réis

Ela em quatro repartiu

Dando um quarto a Azulão,

Outro quarto a João Chibiu,

Outro tanto a Mala-Torta

E o mesmo prá Pedro Horta,

Depois alegre sorriu.

149

Caros leitores e ouvintes

Hoje contei com alegria

Isto tudo feito em versos

Conforme achei que devia,

Os percalços e aventuras

150

As alegrias e venturas

Rimando como sabia

Infelizmente parei

Garanto inda escreverei

Outras histórias de Maria

/Reg: desde 1998

no escritório de direitos autorais

da BN.

Mestre Egídio
Enviado por Mestre Egídio em 17/01/2008
Código do texto: T821624