A história de Padre Cícero Romão 

 

O cordel popular me encantou

pra falar outra vez dessa figura,

faço rima com a literatura 

e afirmo que Deus me animou.

Lá no Crato o tempo que passou

aplanou a ladeira da chapada,

que ainda bastante inclinada

é um marco na rota da colina.

Com a garra e força nordestina

a história do Horto foi contada.

 

Em um dia comum do mês terceiro 

numa vila pequena da cidade,

sua mãe com parteira nesta tarde

viu o filho abrindo um berreiro.

Pegou ele no colo, deu um cheiro

para ver se podia se acalmar,

com saúde a vida foi criar,

era filho de um comerciante

que na vila foi muito importante,

porém que morreu de tanto penar.

 

Tinha só doze anos de idade

quando foi à igreja confessar,

disse ao padre: - eu quero votar

no altar da igreja castidade,

quero ter nessa vida santidade.

Seu estudo foi logo atestado,

mas seu pai com doença acamado

deu no Crato o sopro derradeiro

e seu filho num ato bem ligeiro

para casa da mãe foi enviado.

 

A tal crença humana no achismo

circundada em tal mitologia,

fabricada igual mercadoria

atingiu a igreja feito sismo,

meu padrinho com seu catolicismo 

segurando o terço da novena

teve em sonho a vista serena 

de um mundo bonito, não carnal,

e dizendo ser sobrenatural 

vendo novamente noutra quinzena.

 

E depois de igual revelação

semelhante a outra natureza,

viajou com destino a Fortaleza 

lá firmou o desejo de cristão,

ganhou a sonhada ordenação.

Carregando a brisa em seu peito,

por todos irmãos teve o respeito

e voltou à cidade responsável,

tinha forte desejo inflamável 

dando ordem aquilo nunca feito.

 

Acordou de um sonho revelado

bem-disposto talvez de alegria,

animado e com sabedoria 

pois o Cristo lhe tinha avisado 

que até lá o padre foi levado 

pra cuidar outra vez daquele povo,

porque a seca forte era de novo

a tormenta voraz do brasileiro.

Fez promessa no solo do Juazeiro 

e pediu ao Sagrado água e renovo.

 

O clamor foi ouvido e com pressa

fez surgir uma lenda na colina,

que até neste tempo vem e fulmina

resultante da prece da promessa.

Neste mundo não houve a remessa

de alguém que pudesse desmentir,

ou querer em um golpe reduzir

o tamanho da jura do vigário.

Existindo lugar para o sacrário 

e pro sino na torre refletir.

 

Um evento por lá acontecido

fez o padre correr no Juazeiro

com o nome de santo milagreiro 

pela hóstia que tinha concedido,

mas na hora do fato deferido

correu sangue na boca da beata.

Ficou sem reação imediata

e caiu pelo chão desfalecida,

grande cena no dia assistida

deu motivos pra uma passeata.

 

No momento também acontecia 

o levante do topo da chapada,

a ladeira estava preparada,

mas foi na manhã do outro dia

quando o padre findou a homilia

recebeu um recado da patente 

afirmando ali abertamente 

que perdeu o lugar de sacerdote.

Foi corrido daquele mesmo lote 

conseguir sua ordem novamente.

 

Este fato porém que motivou

o atraso da obra começada,

a conversa que lá foi espalhada 

afirmava que o padre falou:

“Depois disso tudo que passou,

caso ela não seja construída 

e na terra eu perder minha vida,

Deus há de formar o seu tribunal

pra julgar cada um em seu final

da maneira por ele escolhida.

 

Cada fato passado na cidade

pelo nome do santo milagreiro,

do perdão ao falar com o cangaceiro,

da entrega do terço de bondade,

fez crescer uma grande quantidade 

de viagem que nunca cessaria.

Movimento de forte romaria 

de fiéis do sertão e do agreste,

com a vela acesa e celeste

pra chegar na Capela de Maria.

 

O empenho do padre resultou

na chegada ao poder municipal,

conhecido e também patriarcal 

a pequena cidade emancipou.

E com pouco recurso prosperou

uma vila antes desabitada,

que agora repleta de estrada

fomentou toda corte de Batista.

A cidade que era pouco vista

tinha até ferrovia instalada. 

 

Seu governo porém foi declinando,

em razão da doença atestada.

Com idade bastante avançada 

acabou no seu quarto repousando,

pela cama o terço debulhando 

com a reza da santa veterana

que ouviu do alto sua Hosana

ao clamar ao Senhor o santo perdão,

nesta hora parou o seu coração 

e findou-se nos braços de Joana.

 

A notícia por todo o Juazeiro 

em um ato de fé e devoção,

fez parar toda uma região 

que chorava a morte do guerreiro.

Com devoto, fiel e curandeiro 

na janela da casa amarelada,

a cidade estava bloqueada

a chorar e ferver em agonia,

mas tristeza na tarde acendia

sendo ali a história encerrada.

 

Esta data é hoje memorada

com devoto no alto da colina,

pra seguir certamente a doutrina, 

acender sua vela abençoada,

ou filmar a imagem levantada 

que contrasta naquela mansidão.

O cajado aponta a claridão

para a fita laçada no pedido,

onde se crê que ele foi ouvido 

na profunda e clara oração.

 

Orgulhoso estou por ter contado,

pela rima versada da poesia

a história de vida que amacia

o engano feroz de um pecado.

Hoje deve estar lisonjeado,

balançando a rede e o chapéu,

na entrada perfeita lá do céu 

ao saudar seu romeiro visitante.

Me despeço aqui neste instante 

pelo verso final deste cordel.

 

União dos Palmares - AL

(20/07/2024)

 

João Pedro Vitorino
Enviado por João Pedro Vitorino em 01/12/2024
Código do texto: T8209617
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