O sertão na estiagem
Tecendo a prosa faceira,
deitado dentro da rede
batendo o pé na parede
esquentando a moleira,
fui sentar numa cadeira
lembrando fato passado,
porque fico abismado
com tanta devastação,
quando olho pro sertão
todo seco e queimado.
Dentro do solo rachado
não segura a lavoura,
a quentura é traidora
e o pobre é um coitado,
que fica desesperado
quando vê a sua vida,
porque ela é tão sofrida,
choro não é despreparo.
O pobre não tem amparo
nem um prato de comida.
Numa casa construída
quase não tem estrutura,
no terreiro tem secura
na plantação colorida,
que antes foi tão florida
e agora não floresce,
passa dia e amanhece
num eterno sofrimento,
o povo com seu lamento
só terá tempo na prece.
O governo se esquece
do pequeno agricultor,
que chora de tanta dor
pelo tempo que padece,
nessa hora até parece
que a vida vai findar,
ou mesmo se acabar
como se fosse besteira,
morre o pé de macaxeira
que demorou a brotar.
Sem ter forças pra lutar
o sonho é maltratado,
e se perde num estado
complicado para achar,
a criança quer sonhar,
frequentar uma escola,
soltar pipa e jogar bola,
construindo seu futuro
não viver atrás do muro
da pobreza e da esmola.
Na quentura que assola
e expulsa a trovoada,
não tem terra encharcada
nem a reza da carola,
onde o santo te consola
e carrega a sua sina
pois o timbre desafina
numa grande escuridão,
pelos cantos do sertão
a cacimba já não mina.
Nem o galo de campina
pelo céu está voando,
o riacho vem secando
some a água cristalina,
a mulher se amofina,
no curral pena o gado,
mugindo desesperado
porque perde o tamanho
e o tão grande rebanho
vai morrer desidratado.
Tanto direito é negado
para o pobre cidadão,
que não têm afirmação
e por não ter estudado
acaba sendo tratado
como porco indigente,
agouro do tempo quente
que se firma na verdade,
não muda a realidade
que ainda é recorrente.
Mas num lugar diferente
que tem reconhecimento
tem o desenvolvimento,
e o dinheiro é crescente
enchendo loja de gente,
topando de promoção
enquanto a imigração
cresce mais a cada dia
numa enorme agonia
para fugir do sertão.
Sofre toda essa nação
buscando a realidade,
sofrendo com a saudade
que deixou pelo sertão,
chorando seu coração
no sudeste se abanca,
naquela cidade branca
desenhada no concreto,
esconde o seu afeto
e o seu corte estanca.
Voando na asa branca
correndo por seu desejo,
sofre o cabra sertanejo
que mudou sua carranca,
no emprego alavanca
e sofre por condenado,
chora igual desconsolado,
num dia comum da vida,
feito a vaca parida
que ficou lá no cercado.
No sertão todo acabado,
Deus firmou sua aliança
garantindo esperança
para o povo castigado,
que começa animado
a ver naquela paisagem
o retrato da miragem
amplamente aguardada:
tá chegando a trovoada
pra tirar a estiagem!
(13/05/2024)