O MALACABADO VAMPIRO DA TRONSENVÂNIA

Essa obra é uma adaptação para o cordel do conto homônimo da autoria de AFFONSO LUIZ PEREIRA. Vocês podem encontrar o conto original e tantos outros textos maravilhosos do citado autor fazendo a busca pelo seu nome aqui mesmo no Recanto das Letras.

Valorizem e divulguem o nosso trabalho!

Obrigado pela visita, leiam e curtam essa estória maravilhosa!

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O MALACABADO VAMPIRO DA TRONSENVÂNIA

Nesse sertão de meu Deus

Lá para as bandas de Angico

Vive um contador de causos

Chamado de Mestre Chico

Francisco, de nascimento

Filho do finado Bento

Um cabra averso a fuxico.

E é ao redor do fogão

No aconchego da cozinha

Onde se junta a amizade

Do vizinho e da vizinha

Dos compadres, das comadres

Que ele conta, de milagres

A velório de galinha.

Mas, o que mais faz sucesso

De tudo que é sortimento

Dos causos que Chico conta

É história de assombramento

E a qualidade do enredo

Por mais que lhe meta medo

Deixa o seu público atento.

E foi bem num desses dias

Casa cheia de visita

Depois de um escutamento

De uma estória bem bonita

O povo ali reunido

Se mostrava distraído

Mas, Chico já tinha a escrita.

E pitando seu cigarro

Numa solene tragada

Passeou as suas vistas

Ao redor. Deu uma lufada...

E como era de vezo

Com o cigarro ainda aceso

Disse à sua amancebada:

- Tonha, vosmecê se alembra

Se ainda tá bem guardado

Dentro daquele baú

Os dentões do condenado?

Daquela figura insânia

Que veio da Tronsenvânia

Do chupa sangue danado.

Assim que fez a pergunta

Mestre Francisco espiou

A agitação das visitas

Cego Idalino acordou

Puxou o banco pra frente

E Argemiro novamente

Pra Chico a atenção voltou.

- Não é Tronsenvânia, não

Oh, Chico, seu abestado!

O nome é “Trensenvânia!”

Ouviu Chico, atravessado

Pela voz da companheira

Que se aprumou na cadeira

Tomando assento ao seu lado.

Dandara, que era filha

Do seu compadre Argemiro

Abandonou a janela

Enluarada e num tiro

Perto do pai se sentou

No seu ombro se encostou

E deu um longo suspiro.

- Tá falando de vampiro?

Daqueles seres do limbo?

Seu compadre interrogou

Retirando do cachimbo

U’a baforada nervosa.

Disse Chico: - É cabulosa,

Mas essa estória, eu carimbo!

Dandara gritou: - Cruz credo!

O padrinho só se mete

Em treta com coisa-ruim!

E Idalino, então, reflete:

- Vampiro é trem perigoso!

Tô pra ver um corajoso

Que lhe enfrente tete-a-tete!

- O cabra tem que ter tino

Pra não acabar sangrado!

Provocou o cego Idalino

Com o seu queixo apoiado

Na luva da sua bengala

E pra fechar sua fala

Falou: - Mestre, dê o recado.

- Assunta, então, meus amigos.

Esse infernal rapapé

Foi na minha mocidade

Lá pras bandas de Itambé.

No tempo que o meu chamego

Com Tonha, virou apego.

Disse, postando-se em pé.

- Me alembro, que na cidade

Se despejou um boato

De que acharam uns três caboclo

Sem vida no mei do mato.

Sem sangue, vocês assunta!

Igual às duas difunta

Morridas do mesmo fato.

- Mas, ninguém botou reparo

No estranho acontecimento.

Não se falava em vampiro.

Só de outros bicho infernento.

Lá pra nós ninguém sabia

Que o fio do demo existia

Inté aquele momento.

- Foi quando na região

Chegou o tale cascavel.

Um gringo, estranho e branquelo

Feito folha de papel.

Um cabra podre de rico

Mais que o finado Zé Eurico

Que chegou a Coronel.

- Só dava as caras de noite.

Vestido todo no fraque.

Vagava pelas estradas

Falava chei de sotaque

Feito o povo da Alemanha.

Mas, veio da Tronsenvânia.

Seu nome era Conde Dráqui.

-Tonha disse: - É Trensenvânia...

Oh, meu velho, tome tento!

- Como o compadre bateu

De frente com o lazarento?

Logo Argemiro emendou

E Chico se declarou:

-Foi Tonha, o motivamento!

- Por causa deu? Disse Tonha

E ensaiou cara de espanto

- Dessa parte eu não me alembro.

- Claro que não, pois enquanto

Travava o arranca-rabo

Com o filhote do diabo

Você dormia em seu canto!

- Oh, padrinho, como assim?

Deixe de tanta mutreta!

Desenrole e vá ao ponto.

Como encontrou o capeta?

Disse Dandara, ansiosa

Para que o rumo da prosa

Desse os detalhes da treta.

- Pois muito bem. Deixe está!

Por Tonha eu era arriado.

Ocorre que ela morava

Num lugar mais apartado.

A uma légua da cidade.

E um dia me deu vontade

De pedi ela em noivado.

- Eu tinha bebido uns trago

No boteco de Vadico.

E quando se pega um fogo

Quem é pobre fica rico.

O feio fica garboso.

Fica inté mais corajoso.

Vira gigante o nanico.

- E eu que andava enrabichado

Pelas doçuras de Tonha.

Pensei: “mulher feito ela

É tudo que um homem sonha.

Meu tempo não perco mais

Vou procurar os seus pais.

Dessa vez nós junta as fronha.”

- Que coisa linda, padrinho!

Que atitude de respeito.

As palavras de Dandara

Lhe encheram as caixa dos peito

E viu Tonha encabulada

Com as ventas toda corada

E se sentiu satisfeito.

E retomou sua estória:

- Foi u’a noite igual a essa.

Lua cheia alumiando....

Peguei rumo, botei pressa

Empurrado pelas pinga

Me embrenhei pela caatinga

Pra cumprir minha promessa.

- Assucede que a cachaça

Deixa as ideia embolada.

E eu rompi caatinga à dentro

Por um remendo de estrada.

Deu nem uma hora inteira

Risquei no pé da porteira

Nem vi que era madrugada.

- Oh, compadre da minh’alma!

Repare no resultado.

Mal botei as alpercatas

No terreiro do roçado

Eu só recebi o baque.

Num flagrei o Conde Dráqui

Bem em riba do telhado!

- Valei-me, Nossa Senhora!

O velho cego, exclamou

Se aprumando sobre o banco

E de pronto perguntou:

- Que queria o enfezado?

Mestre Chico olhou cismado

E impaciente emendou:

- Ora, ora, trocar telha

Por causa de uma goteira

Compadre, é o que não era!

Você não vê que o tranqueira

O chupa sangue do cão

Tava com a má intenção

De entrar pela cumieira?

- E era no quarto de Antônia

Que ele queria entrar.

Quando vi a safadeza

Vi a pinga evaporar

Passou o efeito num instante.

Resolvi seguir adiante

Pra ver no que ia dar.

- Pois na época e nem hoje

Eu desconheço e não tem

Bicho homem, bicho coisa

Desses que vem do além

Ou qualquer um sem-vergonha

Que venha bulir com Tonha

Que é minha e de mais ninguém.

- Deixe de besteira, Chico!

Disse Antônia, envergonhada

- E o que o senhor fez, compadre?

Com expressão preocupada

Argemiro lhe indagou

E o mestre continuou

Narrando a sua jornada.

- Quando vi o malacabado

Do Conde entrei em ação.

Mas, como eu não tava armado

Peguei u’a pedra no chão

E joguei no tal monstrengo

Mirei e acertei no quengo

Daí que eu vi confusão.

- O buliçoso indigente

Não esperava a pedrada.

Olhou em volta e me viu

Lá no meio da malhada.

Bati no peito com orgulho

Chamei ele pro barulho

E gritei: “Tu né de nada!”

- “Vem cá seu fio duma égua

Tu vai vê o que é cabra macho!

Sou homem pra o seu tamanho

Quer medir? Pule aqui embaixo!

Maior que tu, mastiguei

Engoli e não me engasguei!

Desça aqui que eu te despacho!”

- Vixe, compadre! Tu é doido?

Vosmecê chamou pro pau

O dentuço lazarento?

Se encostando no jirau

Chico disse: - Chamei sim!

E ele da cor de marfim

Me olhou com cara de mau.

- Até ali eu não sabia

Que era um bicho dos inferno.

Mesmo se desconfiando

Dum homem que anda de terno

Naquela lapa do mundo!

E Tonha suspirou fundo:

- Valei-me, meu Pai Eterno!

- Rapaz, ele deu um pulo

De riba lá do telhado

E caiu pertinho deu

No terreiro do roçado!

Dei um pinote pra trás

E gritei: “Vem satanás!

O que é pra tu tá guardado!”

- E fui de mão na peixeira

Escorrida na cintura.

A que Lampião me deu

Quando encarei com bravura

Dez volante com um só braço...

Tive andança no cangaço.

Depois conto essa aventura.

- Mas, e a faca compadre?

Remexeu o cego Idalino.

- Ela teve serventia

Pra resolver o pepino?

- Quando em vez a sorte atrasa

E eu tinha deixado em casa.

Vosmecê, veja o destino!

Ao ouvir essa resposta

Dandara gritou: - E agora?

O senhor não fugiu não?

Padrinho, Nossa Senhora!

- Jamais! Eu sou das antiga.

Dandara, não sou de briga.

Mas, ninguém me desafora.

- Quando arreganhou os dentões

Ali pra riba de mim

Balançando aqueles braços

Feito vento no capim.

Me preparei pro ataque

Pois eu vi que o Conde Dráqui

Queria me dá um fim.

- Vi que nera um camumbembe

Com quem arrumei a treta.

Eu tinha arranjado encrenca

Foi com o filho do capeta.

- Mãe de Deus! Disse a afilhada.

E com cara de assustada

Se endireitou na banqueta.

E prosseguiu o Mestre Chico

- Sabe o que ele quis fazer?

Avalie seu Argemiro!

Foi só ele perceber

Que eu não iria arregar

Começou a me encarar

Com zói de num sei o quê!

- Nos seus zoião se acenderam

Dois facho rompendo o breu

Só vendo a amarelidão

Mirando pra riba d’eu!

Parecia tá me puxando!

E encarei, desafiando

Aquele fio de asmodeu!

Cochichou o cego Idalino:

- Valei-me, meu Bom Jesus!

Fazendo rapidamente

Com a mão o sinal da cruz

- Avalie seu Idalino

A intenção do ferino.

Daí vosmecê deduz.

- Ele teve a petulância

De bater o pé no chão

Depois apontar o dedo

Pra junto do cramunhão!

E inda depois o abestado

Gritou: “Junto! Do meu lado!”

Como se eu fosse um cão!”

Ouviu-se um uníssono “Oooohhh!”

Ninguém segurou o espanto.

- Ele fez essa desfeita?

Bradou o cego em seu canto.

- Apois não foi? Oh, rapaz!

Eu gritei pro satanás:

“Pode arrochar seu encanto!”

- E eu disse: “Fio duma égua

Vosmecê me paga, cabra!”

Ele arregalou os zóio

Repetiu uns abracadabra.

Deu um reforço no feitiço

Trovejou: - “Cê deixe disso!

Aqui, junto! E não abra!”

- Foi ai que eu não abri!

Me fiz de besta e fui junto.

Dei dois passos e me aprumei:

“Agora eu te desconjunto!”

Meti uma tapa de mão cheia

Que estalou o pé das zoreia.

E arrancou um “ai” do defunto!

- O mequetrefe rodou

Por riba dos calcanhar

Depois de dá uns três giro

Caiu com os quarto pro ar.

Virou o fiofó pra lua

Tal qual um bebum na rua.

Deu inté pena de olhar.

- Foi muito bem empregado!

Sorrindo disse Dandara

E arrematou Argemiro.

- Um tabefe pela cara

Surpreendeu, compadre Chico!

- Sim, mas quase me complico

Pois Dráqui ficou uma arara!

- O maldito alevantou-se

Ainda todo envesgado

Com a boca cheia de terra

E os dentões tudo empenado

Pois o sopapo foi forte.

E me jurando de morte

Me disse: “Tu tá lascado!”

- Eu gritei: “Lascado é tu.

Sou homem de envergadura!”

- Jesus Cristo! Disse Tonha.

- Tu tava doido, criatura?

- Mal acabei de falar

Vi o demônio arreganhar

Mei metro de dentadura!

- E feito uma cascavel

Pra riba de mim deu o bote

Na intenção de encravar

As presa no meu cangote.

Mas, me virei desse jeito

E lhe meti os pé nos peito

E ele tombou no rebote!

- Caiu todo estropiado

E de corcunda no chão.

- Chico, não tinha uma estaca

Pra fincar no coração?

- Ter, tinha. Vou confessar!

Mas, preferi não usar!

Quis pegar ele na mão.”

- Dar uma sova no dentuço

Pra ele tomar tenência

Aprender a me respeitar

E deixar de saliência

Com mulher comprometida.

E Argemiro na torcida:

- Esse compadre é potência!

- E daí, Mestre Francisco

Despois, o que assucedeu?

- O bicho, Seu Idalino

Na certa com medo d’eu

Com vergonha do fiasco

Saiu quebrando carrasco

No escuro e se escafedeu!

- Vosmecês bem me conhece.

Sou homem de opinião.

Dou um boi pra entrar na briga

Mas, pra sair não dou não.

Me embrenhei caatinga à dentro

No rastro do lazarento

E atalhei o fio do cão!

- E o que aconteceu, Padrinho?

- Matei o bicho, Dandara!

Ele tentou se esconder

No meio de uma coivara

Dei-lhe uma paulada no quengo

Que o coisa ficou molengo.

Depois dei outra na cara!

Argemiro e sua filha

Ficaram admirados

Com a bravura de Francisco

De euforia inundados

E Tonha não escondia

O orgulho que ela sentia

De Chico e seus predicados.

Mestre Chico, no entanto

Acostumado ao traquejo

De um dizedor calejado

Deu conta de que no ensejo

O cego nem se mexeu

Fez cara de que não creu

Se espichou e deu um bocejo.

Idalino era um bom homem

Amigo de longa data

Mas, tinha o costume feio

De achar tudo uma bravata

Mesmo quando era verdade

E ante a curiosidade

O mestre falou na lata:

- O que foi, seu Idalino?

O amigo, não acredita?

- Seu Chico, matar vampiro

Na unha? Cê me permita

Sei que é coisa fácil, não

Pois dizem que aquele cão

Tem uma força maldita!

- Vosmecê tá duvidando

Das palavras que falei?

Pra um homem do meu calibre

Fazer inventança é fei!

Não sô de exageração.

Matei o bicho na mão.

Da forma que aqui contei.

E dirigiu-se a Antônia:

- Pra ficar tudo explicado

Tonha, vá até nosso quarto...

Me alembro que tá guardado

No baú de coisa usada

O que sobrou da queixada

Do vampi malacabado!

E Antônia se retirou

Da cozinha com presteza

Sob os olhares perplexos

E os semblantes de incerteza

Mas, não bastava contar

Chico insistia em provar

Que viveu a tal proeza.

Não demorou muito tempo

Pra Dona Antônia voltar

Do quarto com a mandíbula

Que o mestre mandou buscar

Dirigiu-se ao companheiro:

- Toma esse bicho, ligeiro

Senão eu vou desmaiar!

- Oh, Tonha meu coração

Me faça mais um favor.

Dê a ossada a Seu Idalino

Pra acabar com esse rumor

Que não matei o vampiro.

Do que contei, nada tiro

Pois sou homem de valor!

- Pois então, seu Idalino

Confira você de perto

O despotismo da encrenca

E vai ver que eu tava certo.

- Dona Antônia, deixa eu ver.

Disse o cego a estender

As mãos, com um riso aberto.

- Como vosmecê vai ver

Idalino, se tu é cego?

Zombou o mestre em sorriso

Bonachão, inflando o ego.

- Com meus olhos, vejo não

Seu Chico, mas com as mãos.

É no tato que eu navego!

O velho Idalino, então

Começou a tatear

Esmiuçando a queixada

Em tudo que era lugar

E o cego meticuloso

Deixou seu Chico nervoso

Já cansado de esperar.

E Mestre Chico esperando

Com seu cigarro de palha

Pensava ser descabido

Um cavalo-de-batalha

Pra averiguar a lisura

Da morte da criatura

Ou qualquer coisa que o valha.

O seu aborrecimento

Foi sendo intensificado

E foi virando desgosto

Quando viu que o interessado

Quanto mais na cara-dura

Mexia na dentadura

Se mostrava mais cismado.

- Me diga, seu Idalino

Vosmecê não se confia

Ainda em minha palavra?

Seria muita ousadia!

- Mestre Chico, lhe respeito.

Mas, o bicho pelo jeito

Deve ser de outra etnia.

- Como assim, seu Idalino?

Questionou seu Argemiro.

- Mestre, não me leve a mal

Sou cego, mas não deliro.

A ossada é de u’a bichana

De uma onça suçuarana.

Lamento, né de um vampiro!

A declaração do cego

Pegou todos de surpresa

Fez-se um silêncio profundo

Só se ouvia a natureza

Cantarolando lá fora

Foi então, naquela hora.

Que alguém rompeu em defesa.

- Arre égua, tome tento!

Vosmecê tá duvidando?

Levantou voz Argemiro

Parecia tá advogando

E disse: - Onde já se viu

Um cego que nunca abriu

Os olhos, tá enxergando!

E prosseguiu Argemiro:

- Tu tá querendo enxergar

Mais não que ver a verdade.

E sem ver quer duvidar

De quem tem as vista boa

E logo Chico, u’a pessoa

Que nunca foi de inventar!

Mestre Chico então falou

Com um descanso no semblante:

- Seu Idalino, tá certo!

E a sanha de litigante

De Argemiro se afrouxou

E aturdido se sentou

E o cego riu triunfante.

Porém foi por pouco tempo.

- A ossada é de suçuarana

Mas, também é de vampiro.

Isso é só uma filigrana.

Afirmou Chico, impassível

E emendou: - Não é incrível?

Sem mexer uma pestana.

Todos ficaram surpresos

Olhando sem dar um pisco

Até Tonha, a testemunha

Ocular de Seu Francisco

Não esperava por essa

Mas, Chico agindo depressa

Pôs no conto um asterisco.

Pois ao ser interpelado

Por seu compadre Argemiro

Se a final de contas eram

Os dentões, de um vampiro

Ou era de u’a onça-parda

Saindo da retaguarda

Disse:- Aos dois, que eu me refiro!

E prosseguiu o Mestre Chico:

- Como eu sou muito modesto

Não queria me amostrar

Pois é coisa que eu detesto.

Não quis alongar o caso.

Não vejam como descaso

Pois, eu vou contar o resto.

- Quando o dentuço fugiu

Eu fui atrás do maldito

E abequei o satanás

Que ao escutar o meu grito

Atrás de um pé de umburana

Se virou u’a suçuarana.

Pense num troço esquisito!

- O conde ficou de quatro

Fez cara de sofrimento

Foi se transformando em onça

Ali, no mei do relento.

Deu um esturro do cão

Que ecoou feito um trovão.

Daí eu cair pra dentro!

- Pelo Senhor Jesus Cristo!

Eita, que gota serena!

Argemiro, deu um pinote.

- E era das grande ou pequena?

Perguntou a afilhada

Encolhida e apavorada

Só de imaginar a cena.

- A bichana era das grande!

Mestre Chico, respondeu.

- Mas, cai pra cima dela

Aí foi que ele sofreu!

Tapa na fuça e paulada

no quengo da desgraçada

Era ele, ou era eu!

- Mas, me deu trabalho, visse.

U’a onça não é brinquedo

Me deixou todo lanhado.

Qualquer um teria medo.

Quando tava pra cair

A bicha tentou fugir.

Tomou o rumo de um lajedo.”

- Daí bafei a malvada

Segurando pelo rabo

Girei, girei e gritei:

“É agora que eu te acabo!”

E sem qualquer compaixão

Meti o maldito no chão.

Finalizei o diabo!

Todos ficaram perplexos

Com aquela narrativa

E a explicação do Mestre

Teatral e criativa

Pra o triste fim do felino

Menos o mestre Idalino

Com sua aura pensativa.

O velho, apesar de cego

Era homem experiente

Nas agruras dessa vida

Para alguns era um descrente

Era um cabra traquejado

Dizia: “Sou vacinado

Contra conversa de gente!”

- Seu Chico, peço licença

E que não me leve a mal.

Dizem que quando um vampiro

Se transforma num animal

Não é onça, nem borrego

Ele se vira em morcego.

Seria mais racional...

O mestre fechou a cara

Com a imprópria teimosia

Do seu compadre Idalino

Que a todo tempo insistia

Em se ater a miudezas

Se opondo às suas proezas

Com inaceitável ousadia.

Finalizar o seu causo

Dar ele por encerrado

Era o que ele mais queria

No entanto, ao olhar pra o lado

Vendo Argemiro confuso

Sua afilhada em parafuso

Chico ficou irritado.

- Ora, ora, Seu Idalino

O que acabei de dizer

Eu vi foi com esses zóio

Que esta terra há de comer!

Vi o vampirão se virar

Em onça e posso jurar

Que foi esse o proceder!

- Vosmecê tem que entender

Que as coisa aqui no sertão

Né igual lá nas Europa.

E eu não tenho explicação

Mas eu me atrevo a dizer

Que o Conde muda o poder

A pender da região!

- Se lá ele vira morcego

Pode ser que esse feitiço

Só sirva na Tronsenvânia.

Deve ter sido por isso

Que o filho de u’a ratazana

Aqui virou suçuarana.

Idalino, deixe disso!

Ouviu-se um “Aaahh!” de alívio

- Então tá tudo explicado!

Pai e filha concordaram

Com o final inusitado

Dando ar de satisfação

Com aquela explicação

E endossando o resultado.

A confiança no mestre

Retornou com mais respeito.

Mas o velho dizedor

Mostrando-se insatisfeito

Se sentou aporrinhado

Com Idalino ao seu lado

Que lhe tomou por suspeito.

E fez cara de emburrado

Ali danado da vida

Cruzou os braços com força

Escarrou, deu u’a cuspida

E Tonha, toda espontânea

Corrigiu: É Tren... sem...vânia!

Em seu pescoço u’a mordida...

FIM

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MARCELO VALOIS e AFFONSO LUIZ PEREIRA
Enviado por MARCELO VALOIS em 18/11/2024
Reeditado em 18/11/2024
Código do texto: T8199897
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