O CEGO PORFÍRIO

Porfírio já foi cantor

Dessas noites sertanejas

Já dormiu pelas calçadas

E ganhou tantas pelejas

Andou de mundo em mundo

Que Deus do céu vos protejas.

Porfírio é cabra danado

Da pinga é bom entendedor

Com a cana de todo dia

Vai aliviando a dor

E o vício da bebedeira

É o que lhe traz mais fervor.

Esse Porfírio é safado

Vive devendo a geral

Do dono do bar da esquina

Até o dono do jornal

Mas com lábia de poeta

Sai de qualquer vendaval.

Mulherengo declarado

Por onde vai tem quem queira

As moças ficam sem jeito

Ele as chama de fofoqueira

A fama é tanta que assusta

A mais afamada barraqueira.

Solteirão dos mais valentes

Nunca quis ter compromisso

Mas vive embaixo dos olhos

De Dona Maria e Seu Misso

Que andam sempre de olho

Neste filho tão submisso.

E na mesa de dominó

É um craque experiente

Sabe o tempo da jogada

E a peça que desce quente

Sempre com os olhos fechados

Lê o jogo, é competente.

Porfírio é trambiqueiro

Engana no troco da venda

Compra fiado e não paga

O credor que pague prenda

Mas sempre tem desculpa:

- Por favor não se ofenda!

Já dormiu em banco de praça

Na calçada e no beiral

Bebendo pinga barata

Se acha muito legal

Porfírio é boêmio nato

Nunca vai pro hospital.

Com viola e sanfona

Já cantou em tantas festas

No forró daqueles bailes

Foi valente nas serestas

Fez moda no sertão

No suor de tantas testas.

Porfírio nunca trabalha

Diz não fazer malefício

Deus fez o homem pro mundo

É sempre o seu artifício

E vai fugindo do peso

Que lhe causa sacrifício.

É quase um profissional

Na dama e no dominó

Sempre fica de olho vivo

Nas jogadas de Seu Dodó

Mas de vez em quando cai

Ajudado pelo velho Boró.

Se acha o maior boêmio

Com a cachaça na mão

Mas quando a pinga lhe falta

Vai mendigar no balcão

Dizendo que é por um trago

Que afoga sua ilusão.

Certa vez foi fiador

De um primo já bem furado

Acabou perdendo tudo

Foi mais um dia penado

E pra não ter que pagar

Diz que o nome foi trocado.

Porfírio é camarada

Cheio de lábia e de jeito

Todo dia tem história

Pra contar com muito efeito

Mas ninguém acredita

Nele, por via de defeito.

Quando vê alguma festa

Ele chega de mansinho

Conversa, ri, se ajeita

Logo ele tá no caminho

E o que ninguém percebe

É que bebe escondidinho.

Solteirão até morrer

Já disse pra todo mundo

Que não vai se prender nunca

Não quer amor profundo

Prefere viver no jogo

Deixar seu viver imundo.

E o jogo de dominó

É o que mais lhe entretém

Dá risada e faz piada

Mas não respeita ninguém

Quando perde fica bravo

Não vale mais que vintém.

Porfírio é danado mesmo

Nunca para no lugar

Tem um riso espalhafatoso

Que assusta até devagar

Mas na hora da bebedeira

Esquece do seu pensar.

Trambiqueiro conhecido

Promete sempre voltar

Mas nunca cumpre a promessa

Só fica a gargalhar

Dizendo que a sua honra

É nunca se endireitar.

Toda esquina ele conhece

O dono do bar já sabe

Que Porfírio é safado

E quer que o mundo babe

Da pinga mais escondida

Que ela não se acabe.

O que junta num dia

Gasta logo com a cachaça

Não economiza um centavo

E se vê numa desgraça

Mas no fim sempre arranja

Alguma coisa na praça.

É capaz de ganhar o pão

Com um truque bem bolado

Conversa até vender gelo

E vira qualquer lado

Mas nunca paga o que deve

Segue devendo ao mercado.

Porfírio se acha esperto

Diz que é o rei do baralho

No jogo do dominó

Ele engana até o carvalho

Mas na vida é trapaceiro

Nesse trajeto tão falho.

Mulherengo até demais

É famoso na cidade

Mas nenhuma quer casar

Ele ri dessa verdade

Prefere viver sozinho

Pra manter sua vaidade.

A rua é seu paradeiro

A mesa seu companheiro

Na pinga ele se encontra

Com seu eu trapaceiro

Quem sabe um dia ele volte

E deixe de ser estradeiro.

Dizem que Porfírio tem

Uma sorte desgraçada

Quando perde no baralho

Culpa a vida danada

E no fim diz que é o mundo

Que lhe trai de madrugada.

É cantor das madrugadas

Violão sempre no peito

Por onde passa conquista

De um jeito muito estreito

As moças se encantam logo

Pelo seu estilo perfeito.

Porfírio e o dominó

Já formam par de estimação

Cada pedra é a parceira

E o jogo é tentação

Mas na hora do aperto

Dá grito de aflição.

Diz que vive pelo amor

Do copo não se estraga

Não se apega a ninguém

E sempre se embriaga

Por isso é bem conhecido

De não pago, meu Deus te paga!

Porfírio é bom na conversa

Não há quem o desminta

Sempre sai de fininho

E o povo nem pressinta

Mas quando ele some

Deixa saudade indistinta.

Vai Porfírio, vai embora

Com a sorte que cativa

Teu destino é o jogo

A pinga sempre ativa

E quem te conhece bem

Ri dessa sorte emotiva.

E assim Porfírio termina

Nessa estrada sem fim

A vida é um jogo e bebida

Ser cego não é ruim

Mas quem sabe um dia

Tome uma no seu botequim.

FIM

João Pessoa-PB, 25 de janeiro de 2010.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 11/11/2024
Código do texto: T8194159
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