Mas não voto na direita!
Na criação do direito
pela carta soberana,
existe quem se engana
ou que falte com respeito
essa gente tem o jeito
que de falsidade é feita
e atingiu feito uma seita
cada canto da nação,
deixo de ser cidadão,
mas não voto na direita.
Eu imito um artista
faço esporte de rapel,
dou um tiro no chapéu
corro no meio da pista,
me chame de comunista
diga que não me aceita
vendo voto pra prefeita
e a verdade eu encaro,
apanho do Bolsonaro,
mas não voto na direita.
Da galinha eu vejo o fato,
sangrando numa panela,
me penduro na janela
como gordura de pato,
dou comida do meu prato
para quem você rejeita
faço serão na espreita,
vou voando até a lua
vou queimar pneu na rua,
mas não voto na direita.
Posso ficar sem reforço,
não ser forte em fartura,
quando faltar a mistura
como carne de pescoço,
vou ficar roendo osso,
como farinha mal feita
faço uma compra suspeita,
perco até meu dinheiro
eu piso num formigueiro,
mas não voto na direita.
Não confio em migué
de obreiro charlatão
que dá uma de cristão
pra roubar a sua fé.
Vou dormir no cabaré
pego lá qualquer sujeita,
ou uma quenga perfeita
mesmo que seja rodada,
eu durmo numa calçada,
mas não voto na direita.
Engancho a jabiraca
no galho da imburana,
voto numa caninana
ou na cruel jararaca,
voto no bago de jaca,
perco toda uma colheita
desaprendo uma receita
e deixo um bolo solado,
voto num par de calçado,
mas não voto na direita.
Para o pobre humilhado
que defende elitista,
num mundo capitalista
onde é escravizado
porém aceita calado
e a fama não se ajeita
porque ela foi eleita
e serve de adoração,
voto numa assombração,
mas não voto na direita.
Não voto no preconceito
disfarçado de expressão,
que critica seu irmão
e até bate no peito,
pra dizer que é perfeito
fica fazendo desfeita
e até lhe desrespeita
chamando de macumbeiro,
vou votar pelo terreiro,
mas não voto na direita.
Prefiro ser exilado,
me danar no mei do mundo,
visitar o mar sem fundo
em um navio quebrado
e ficar lá naufragado
numa pressa satisfeita,
e virar manchete feita
de primeira edição,
eu até corro do cão,
mas não voto na direita.
Sinto a dor da artrite,
tomo remédio salgado,
voto num descontrolado
estouro uma dinamite,
tenho ataque de rinite,
destruo quem se deleita
defendo gente suspeita,
levo um tapa no ouvido,
viro um cabra maluvido,
mas não voto na direita.
Assim que o galo cantar
posso fazer cara estranha
e bolar uma artimanha
para eu nunca precisar
de alguém para ditar
cada uma escolha feita,
eu passo raiva suspeita
vou parar no hospital,
voto num pobre animal,
mas não voto na direita.
Quem fabrica heresia
nunca perde o costume,
de vomitar seu estrume
em todas horas do dia,
fala de democracia,
mas o voto não respeita,
insiste em mentira feita,
defendendo ruralista,
perco a terra de vista,
mas não voto na direita.
Não defendo estrutura,
concentração fundiária
peço a reforma agrária
e o bem da agricultura,
exponho a monocultura
totalmente imperfeita,
aquele que não aceita
minha visão diferente
pode até ficar doente,
mas não voto na direita.
Sou expulso do Brasil
vou morar em Budapeste,
posso deixar o nordeste,
com a tristeza sutil,
vou parar num canto hostil
dormir em cama estreita,
respeito quem me respeita,
durmo sem amanhecer,
tudo pode acontecer,
mas não voto na direita.