ISSO É CORTADO E PREGADO UMA CENA DO SERTÃO

Esse mote “ISSO É CORTADO E PREGADO UMA CENA DO SERTÃO” foi um presente de um amigo poeta Valdir Prudêncio, de Irecê/BA. A temática é vezeira nos versos de tantos poetas, dos mais anônimos, àqueles mais célebres como Jessier Quirino em sua poesia “Paisagem do Interior”.

E ela é tão provocante que escrevi essas 08 (oito) estrofes/glosas que seguem.

SEVERINA

Feixe de ossos, sob a lenha

Dois pesos, mesma medida

Gravetos no fim da vida

E a paisagem, assim, desenha

E a morte-vida desdenha

Ossos seguem em oração

Pés descalços gastam o chão

Fiel um cão segue ao lado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

COTIDIANO

Rezador que mesmo cego

Dos olhos mostra o caminho

Beija-flor que amarra o ninho

Na cabeça de um prego

Peru inchando o seu ego

Galo com o Sol na canção

E aboiando a solidão

Um vaqueiro encanta o gado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

A CASA

Casebre em parede meia

Com casa de inxu caboco

Das poucas que tem reboco

Feito a saliva e areia

Uma carga de candeia

Deitada ao pé do fogão

Pedra de amolar facão

Foice, estrovenga e machado.

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

A CAÇADA

O mato, o escuro, a espera

O cano, a bucha e a vareta

Pólvora, chumbo e espoleta

A morte em forma de esfera

O olhar no olho da fera

O pulso e a respiração

O impreciso e a precisão

Num exato instante marcado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

O PREDADOR E A PRESA

Borrego chamando a sorte

Fome rondando o mormaço

Sina num bico de aço

Nas garras, foices da morte

O pouso, a pega e o corte

O olhar de desolação

Cumpre-se a condenação

Da pena sem ter pecado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

A BODEGA

Porta verde desbotada

Dá boas vindas ao freguês

O fiado, o fim do mês

A mentira e a gargalhada

Copo, pinga e a talagada

Mortadela e requeijão

Cheiro de fumo e alcatrão

Bebum no canto adornado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

A SEDE E A SECA

Depois que chora a porteira

Fumegam cascos de ferro

O estouro sufoca o berro

A terra se faz poeira

O sal, a sede e a ladeira

A água bebendo o chão

No arco da imensidão

Campeia um sol abrasado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

A FÉ

Um sino no campanário

Com pardais divide o canto

Tempo desbotando o santo

E o madeiro do calvário

As palavras do vigário

Déjà vu, velho sermão

Na mudez da devoção

Um milagre é revelado

Isso é cortado e pregado

Uma cena do sertão

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MARCELO VALOIS
Enviado por MARCELO VALOIS em 03/11/2024
Reeditado em 09/11/2024
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