O VELHO DODÓ

No sertão quente a ferver

Sinto a vida a me engolir

Sem conforto pra viver

Muita dor pra resistir

Mas vou firme, sem tremer

Mesmo ao risco de cair.

Vejo a seca a se instalar

Tanta sede a consumir

Pouco posso pra mudar

Mas evito de insistir

Me dá vontade de gritar

Mas prefiro até calar.

E me falta o meu café

Que me ajuda a resistir

Neste velho e tosco chalé

Fico a ponto de explodir

Com a falta até do filé

Que eu sempre pude ingerir.

Tenho o apelido de Dodó

Desde o tempo de criança

Sofro a seca, passo boró

Mas não perco a esperança

Mesmo com meu coração

Sofrendo na lembrança.

O céu preto de urubu

São os tempos de miséria

Lá no brejo o jaburu

Me mostra a dor tão séria

Eu canto o meu cururu

Esperando outra matéria.

Nesta vida, uma roda

Que a sorte desenrola

Faz do velho, outra moda

Mas ao fim, ela me assola

E essa dor quase doda

Meu lamento se consola.

Fiz de tudo, fui com gosto

Pra poder ter o meu pão

Mas o tal do desgosto

Apertou meu coração

E ao lembrar do teu rosto

Vou seguindo a minha mão.

Tudo que eu tanto amei

Pelo tempo, já chorei

Até mesmo o que pesquei

Pelas águas eu deixei

Mas em nada me ancorei

Minha sina eu aceitei.

Sinto às vezes o tal medo

De seguir sem solução

Mas aponto o meu dedo

Na fé, com decisão

E se a vida pede cedo

Me levanto da prisão.

Com palavra faço rima

Pra dar força ao meu cantar

Meu cordel chega na cima

Com a brisa a balançar

Como fruta da boa lima

Que o sertão vem perfumar.

Vem da madre, um carinho

Do padre, uma oração

E a comadre no caminho

Com um beijo de afeição

Sou do sertão um vizinho

Que resiste de paixão.

Sigo firme, subo a rampa

No calor, venço o suor

Mas se a dor de novo tampa

Todo sonho promissor

Minha vida, lá na campa

Viverá com todo amor.

Sonho em ir além de Roma

Tendo paz para seguir

Mas a vida só me doma

Com tristeza a consumir

E a tristeza que me toma

Eu nem mesmo quero ouvir.

Sem conforto na minha cama

Lembro o rosto de uma dama

Cujo sorriso me chama

Como o brilho de uma chama

Que ao meu peito sempre inflama

Todo amor que lá derrama.

Meu lar sem forro e sem teto

Mas com fé sigo na estrada

Pois ao fim, o bem é certo

Vou erguendo a caminhada

Mesmo com suor por perto

Minha luta é respeitada.

Na cozinha o velho funil

Gotejando lentamente

E o cheiro do pernil

Se mistura na corrente

Saudade do meu Brasil

Do sertão e sua gente.

Vejo um bicho, um tal papão

Assustando a criançada,

Mas eu sempre fui pimpão,

Brincadeira bem armada,

E pra espantar o sopão

Vivo a história encantada.

Minha vida é feita em sorte

Mesmo com a seca dura

Vou seguindo sem suporte

Procurando a paz tão pura

Enfrentando até a morte

Pois a fé que me segura.

Vejo ao longe uma perua

Passarinha pela rua

E na noite vejo a lua

Refletindo sobre a rua

Pois é ela que flutua

E encanta a vista sua.

Quando o tempo me fervia

Meu vigor era bem forte

Mas depois que eu sofria

E o cansaço fez-se norte

Minha paz quase morria

Mas renasce sem suporte.

Pois a vida é feito um sonho

Que começa e vai embora

Às vezes tão bisonho

Mas que ao peito nunca chora

Mesmo em tempos tristonho

A esperança vem pra fora.

Vejo a tora no chão frio

Derrubada pela luta

E se algo me forra o brio

Pois a força me machuca

Vou seguindo como um rio

Que na seca sempre busca.

Sobre a velha e fraca ponte

Caminhei sem desistir

Eu bebi de muita fonte

Pra coragem me munir

E que o tempo me conte

O que ainda vou sentir.

Cada tombo, uma lição

Mas sempre volto a crescer

Mesmo com o bombo no chão

Não paro de aprender

Vou juntando o coração

Pra nova história tecer.

Visitei muito doutor

Pra poder me consolar

Mas só encontro o amor

Pra de fato me ajudar

Feito o Cristo redentor

Minha fé vai me guiar.

Nessa vida, a minha sina

Vou sem medo, vou feliz

Pois a força feminina

Me sustenta, me bendiz

E ao longe, uma tal mina

Me inspira e sempre diz.

O sertão é mistério

Carrega muitos segredos

Tendo o tempo por critério

E o céu a mostrar enredos

Caminho até o cemitério

Com coragem, sem ter medos.

Vejo o mundo um tanto menor

Mas o sonho é tão maior

Mesmo quando fico pior

Meu suor vale o suor

Vou lutar, não me demoro

Pois coragem é o que imploro.

E uma vez amei mulher

Que tão bela eu quis seguir

Mas se ela me quiser

Vou de novo até sorrir

Digo agora e o que disser

Meu coração é pra servir.

Meu sertão cheira a rosa

Com perfume encantador

Minha vida é toda prosa

Vou cantando meu valor

Quem na glosa mais se goza

Sempre vence toda dor.

Ouço longe o som do sino

Marcando o meu destino

E no meu humilde tino

Vou seguindo em bom caminho

Pois a fé do peregrino

Vai tocando o meu destino.

E se um dia chega ao fim

Minha vida aqui por fim

Digo em prece, digo sim

Foi bonito o meu jardim

Vou em paz, guardando em mim

A coragem que há em mim.

FIM

João Pessoa-PB, 09 de setembro de 2020.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 27/10/2024
Reeditado em 10/11/2024
Código do texto: T8183615
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