Saudação à feira livre de União dos Palmares - AL
Muita coisa é marcante
na infância nordestina,
e carrego com orgulho
a parte de minha sina
que tem importância feito
engenho duma usina.
Fui da Laje à Agrestina
pensando nesse cordel,
rabiscando verso fraco
num pedaço de papel
e lendo mais um folheto
dum finado coronel.
E naquele azul do céu
me veio a inspiração,
de fazer verso rimado
e dizer pro meu irmão
que tenho muita saudade
da minha amada União.
Na forma de saudação,
a União dos Palmares
decidi fazer pesquisa
e olhando para os ares
vi que tinha muita coisa
no vazio de uns olhares.
Visitei muitos lugares,
mas a feira que visito
tem canto pra todo gosto
por isso não me limito,
converso com todo mundo
e da prosa sou perito.
Nessa vida eu acredito
em coisa jamais falada,
feito aquilo que ouvi
durante uma chegada,
do pau de arara velho
na rua antes calçada.
Muita gente animada
compra no comerciante,
que vende de forma certa
o produto pro galante,
que noutra vida foi amigo
de um amigo feirante.
Na ladeira bem distante,
onde se bate martelo
vem descendo pendurado
um menino amarelo,
que divide sua mãe
com um saco de farelo.
Esse menino magrelo
só é magro de ruim,
come feito forrageira
cortadora de capim,
e lancha numa bodega
perto de um botequim.
Na porta, seu Joaquim
vende um quilo de ração,
e na praça esbraveja
um pastor com sua unção,
refazendo panfletagem
e tendo revelação.
A velha vende o feijão
na cuia de goiabada,
mas não pesa na balança
vai medindo na olhada,
e afirma pro cliente
quanto deu a balaiada.
Cospe cana na calçada,
o idoso cachaceiro,
que tendo alucinação
quase cai pelo terreiro
e apanha do mendigo
que pedia seu dinheiro.
Na banca do mangaieiro
tem jogador de marimbo,
tem idosa demonstrando
a arte de mais um nimbo,
e mais uma vendedora
assinando seu carimbo.
Quem fuma cachimbo,
comendo uma maçã
inventou de pegar briga
com a velha charlatã
que disse pra todo mundo
como foi sua manhã:
“Era cheia a Caravan
que partia aqui pra feira,
carregada de batata,
de laranja e macaxeira
pra vender o meu produto
do sopé duma ladeira”.
E com uma suadeira
vem descendo pela rua,
uma mulher arrogante
desses tipos de perua,
que não sabe da verdade
que sempre é nua e crua.
Porém a velha recua
e começa a perguntar,
qual o preço da banana,
será que vai aumentar?
“Me diga minha senhora,
quanto a compra vai dar?”
A feirante vai contar
pra dizer o resultado,
e a mulher já espera
com o dinheiro trocado
para comprar sua fava
na barraca do mercado.
De lá é anunciado
que tudo tem promoção,
caindo pela metade
o valor do seu feijão,
e ainda pode ganhar
o toucinho do leitão.
A mulher levanta a mão,
e manda pesar o quilo
compra cinco diferentes,
pois gosta muito daquilo
vai deixar todos de molho
pra tirar um cochilo.
Quase teve um vacilo,
e voltou com sua feira
desceu toda a avenida
e subiu pela ladeira
para comprar uma ave:
galinha de capoeira.
Na rua da Cachoeira,
o povo já vai embora
descendo pela estreita
rua da Apertada Hora,
pois o carro de partida
para sair não demora.
E uma sanfona chora,
dois adultos na zuada
apostando na sinuca
qual será a premiada,
e o barulho dos carros
na rua tão bagunçada.
Vai ficando esvaziada
com a hora do almoço,
nada de gente correndo
quase não tem alvoroço,
e a rádio ainda chia
mesmo com todo esforço.
Grita na mesa um moço,
de olho na clientela
reclamando pela mesa
que pegou bem na janela
e pedindo uma cerveja
com a graxa da costela.
Vem a dona Manoela
com os pratos do pedido,
chega logo um cliente
com o filho maluvido
que termina é levando
um tabefe no ouvido.
O programa assistido
é duma rádio famosa,
desce carro à capital
e para lá no Feitosa,
enquanto fica o ébrio
falando água em prosa.
Logo a feira nervosa
vai chegando ao final,
quase não existe carro
no antigo terminal,
e as bancas desarmadas
fazem um caos infernal.
O calor quase anormal
vai passando devagar,
quando olho pro relógio
é que posso confirmar,
já passa de quatro horas
para casa vou cuidar.
O sol prestes a passar
o dia para o escuro,
vai caindo no horizonte
muito feliz e seguro,
e depois desaparece
pela grade de um muro.
Chego em casa e procuro
a chave do cadeado,
entro pra dentro de casa,
tomo um banho demorado
pra tirar todo o suor
que no dia foi suado.
E me deito bem cansado
do dia todo na feira,
achando na poesia
a reza da curandeira
que ficou benzendo gente
com a folha da aroeira.
E nessa noite certeira
buscando o meu sossego,
vou parar minha caneta
mesmo lhe tendo apego
para voltar outro dia
desse mesmo aconchego.
Outra vez eu te entrego
mais cordel da cidade,
conhecida em todo mundo
por sua ancestralidade
e fincada no Brasil
como terra da liberdade.
Esse cordel na verdade
se torna um documento,
que posso utilizar
agora neste momento
como forma de lembrança
e também de acalento.
Na vida já vi tormento,
tristeza tive milhares,
mas agora me alegro
de levar a outros lares
minha nobre saudação
a União dos Palmares.