UM BANQUETE NO INFERNO
Certa noite eu tive um sonho
Na verdade, um pesadelo
Era um cenário medonho
De arrepiar o cabelo
Na cozinha do inferno
Um demônio pós-moderno
De toque blanche e avental
Em um grande caldeirão
Cozinhava um outro cão
Num macabro ritual
Era tudo surreal
E eu vi na mão do sagaz
Feito uma colher de pau
O rabo do satanás
Que mexia o enxofre quente e
Naquela sopa fervente
O outro cão estrebuchava
E um futum de carniça
Exalava do imundiça
Enquanto ele cozinhava.
E seu corpo desmanchava
Dentro da grande panela
Enquanto o demônio urrava
Derretendo feito vela
E o cozinheiro do mal
Num fogão medieval
Gritava pra um capataz
“Não posso perder a conta
Pra receita ficar pronta
Falta um milhão, traga mais.”
Foi quando eu olhei pra trás
E vi uma fila de cão
Condenados de Alcatraz
Dobravam um quarteirão
Outra fila de nazistas
Algemados a fascistas
Somava pra mais de mil
No meio eu vi um magrelo
Vestindo verde e amarelo
Um cão vindo do Brasil
De tudo quanto é covil
De todo canto do mundo
Pensei: “Puta que pariu,
Esse cozinheiro imundo
Tá preparando um banquete!”
E debaixo de cacete
A fila de condenados
Chorando e rangendo os dentes
Feito pobres penitentes
Pra panela eram levados.
E depois de besuntados
Com um óleo pestilento
Terem os olhos furados
Com farpa de quiabento
Cumpriam sua triste sina
Se afogavam na piscina
Que era a panela fervente
E o master chef do inferno
Dava a ordem ao subalterno
“Traga mais! Quero mais gente!”
Não tinha um inocente
Na fila de capirotos
No bolo tava presente
Sete centos de canhotos
Dez milheiros de chifrudos
Uns trezentos mil rabudos
Legião, mais de sessenta
Foi o que pude contar
Ali naquele lugar
Naquela noite sangrenta.
E a sopa sanguinolenta
A cada cão que ardia
Ficava mais fedorenta
E o odor do mal subia
E o satanás cozinheiro
Se aprazia com o mau cheiro
Seu rabo num vai e vem
Sempre mexendo a fervura
Até o cão virar gordura
E berrava: “Traz mais cem!”
Não valiam um vintém
Aquelas almas penadas
Que ali não eram ninguém
Em gosma eram transformadas
Numa receita estranha
Carne, ossos, pele e entranhas
Derretidas na quentura
Serviam de ingrediente e
Gritava Satã: “Urgente,
Traga mais cem, criatura!”
Naquela disruptura
Entre o sonho e o real
Vendo aquela conjuntura
Até pensei: “Menos mal!”
Se o Satanás tá queimando
Um monte de cão, um bando
Que só fez perversidade
Se é entre eles a guerra
Vai lucrar quem tá na Terra
Tá reduzindo a maldade.
Oh santa ingenuidade
Pensamento de inocente
De achar que a crueldade
Do demônio é um presente
De esquecer que ele é a “mágoa”
Que dá nó em pingo d´água
Que seu manto é a vileza
Que ele está a todo momento
Planejando o sofrimento
Que seu signo é a torpeza
Então vi sobre uma mesa
Ao lado do cramunhão
Uma vela preta acesa
E um livro escrito à mão
Um tomo grande e antigo
De pronto pensei comigo
“É um caderno de receita
Mas quem é que vai gostar
Dessa sopa no jantar?”
Mas, eu errei na suspeita.
Pois ali naquela espreita
Um a um vi consumidos
Um milhão daquela seita
Cujo líder é o Caído
Ditadores sanguinários
Coachs estelionatários
Sociopatas, genocidas
Corruptos e estupradores
Vendilhões, falsos pastores
Pedófilos e homicidas.
E em sangue e água fervida
As almas já condenadas
Viraram gosma fedida
E Satã dando risadas
Berrou: “Agora é o tempero!”
Vi escrito “desespero”
Num tonel que estava ao lado
Vi dez sacas de “maldade”
Cem quilos de “crueldade”
Fake news tinha um bocado.
E foi jogando a punhado
Dentro da panela ardente
E a cada tempero usado
O Cão ficava contente
E com o estalo dos dedos
Vi jogar todos os medos
Bem dentro do caldeirão
Mil quilos de inveja e ira
Cinco galões de mentira
Choro, dor e aflição.
E bafejou danação
Disse palavras sombrias
Rasgou o próprio coração
Com suas garras de harpia
E eu vi jorrar da ferida
O que nunca vi na vida
E o que nem posso dizer
O mal em sua plena essência
Rezei e pedi clemência
Ó, Deus, vem me socorrer.
Mas, se deseja saber
O fim dessa aventura
Peço, continue a ler
Mesmo sentindo gastura
E a estória prosseguiu
Quando do nada surgiu
O resto do principado
Seis seres de grande porte
Todos seis cheirando a morte
E o grupo tava formado.
Eu já havia apresentado
Satanás, chefe do clã
Conheça agora a “inveja”
Seu nome, Leviatã
Compunha, ainda, o plantel
Asmodeus e Azazel
Não sei qual era o pior
Mammon, o pai da ganância
E pude ver à distância
Belzebu e Belphegor.
Pra você entender melhor
Atenção, que eu desembrulho
O rei do borogodó
É Lúcifer, pai do orgulho
Foi a “estrela da manhã”
Preferiu virar Satã
Tentou um golpe de estado
Não deu certo, se deu mal
No Supremo tribunal
Foi julgado e condenado.
E logo ali do seu lado
Dentre as criaturas toscas
Outro arauto do pecado
Belzebu, Senhor das Moscas
Satã lhe deu a patente
Virou primeiro tenente
Dos exércitos do mal
Outro cargo ele acumula
Também é o senhor da gula
Seu pecado capital.
Ao lado do general
Outra figura titã
Na profundeza infernal
Manda ele, Leviatã
O pai da brutalidade
Seu nome é ferocidade
Pela inveja ele domina
Estimula a heresia
Instiga a selvageria
Com sua língua ele assassina.
E o pai da carnificina
Meio homem, meio bode
Comandante da oficina
De armas que sangra e explode
Com as mulheres mortais
Tem relações sexuais
Não sei se isso é mentira
Mas, eu vi naquele dia
Na tartárea confraria
Azazel, o senhor da ira.
Outro que também cuspira
No prato que um dia comeu
Olha como o mundo gira
Foi o demônio Asmodeus
Sua conduta é sempre espúria
O príncipe da luxúria
Já foi de Sodoma o rei
É o pai da destruição
Dos jogos, da perversão
Tava ali, eu constatei.
E mais outro que avistei
Era forte e musculoso
Tinha estatura de um rei
O sagaz, o engenhoso
Porta chifres de carneiro
E o luxo, o ganho e o dinheiro
Lhe diz que é fácil obter
Estimula sua cobiça
Berfegor, pai da preguiça
Foi o sexto a aparecer.
E o último que eu vi descer
O príncipe da avareza
Fez o chão todo tremer
Pois pisava com firmeza
Tinha aparência de um nobre e
Trazia um saco de cobre
Para o homem subornar
Conhecido por Mamon
O demônio tem um dom:
Corromper pra comandar.
Ali naquele lugar
No mais louco dos meus sonhos
Estava a testemunhar
U’a convenção de demônios
Não foi um encontro fraterno
Pois, dos príncipes do inferno
Que estavam ali derredor
Do fervente caldeirão
Só havia uma opção
Aguardar pelo pior.
E eu me esvaía em suor
Faltava a respiração
Era abrasante o calor
E o temor no coração
Mas, me vesti de coragem
E pensei: “Dessa viagem
Só volto depois que eu vir
O que o mal está tramando”
E fiquei observando
Vejam só o que eu descobri.
“Estamos todos aqui
Para celebrar o mal
Por isso eu decidi
Inicie-se o ritual!
Já cozinhei um milhão
De toda espécie de cão
Do mais vil, ao traiçoeiro
Do covarde, ao traidor
Desse caldeirão de dor
Vai nascer mais um herdeiro.”
Era Satã, o treiteiro
Convocando seus irmãos
Depois o Pai do Chiqueiro
Levantando as suas mãos
Ordenou: “Chegou a hora
Derramem seu fel agora
Espalhem desesperança
Vai nascer na humanidade
O herdeiro da maldade
Semeador da matança!
E iniciou-se uma dança
Balé dos sete malignos
E suas unhas, feito lanças
Riscaram na pedra signos
Feito a história em seu resumo
Nuvens de enxofre e de fumo
Berros, urros estridentes
Chão rachado em precipícios
Sete loucos num hospício
Fecundando uma serpente.
E aqueles sete indecentes
Falando línguas estranhas
Feriam-se com os próprios dentes
Até rasgar as entranhas
Poeira, tropel de cascos
Um fedor que me deu asco
Que eu quase não aguentei
U’a sensação de desmaio
Fiquei tonto, quase eu caio
Por pouco não vomitei.
Fiquei firme, me aprumei
Ali num canto escondido
Foi quando presenciei
O tal do Anjo Caído
Com uma cuia na mão
Pegando do caldeirão
Aquele caldo em fervura
E cada um, na sua vez
Bebia com avidez
Daquela podre mistura.
E naquela sala escura
Seguiram no ritual
E foi bem àquela altura
Que ouvi berrarem: “Baal!”
E o chefe daquela horda
De pronto gritou: “Acorda!”
Despertai, minha criança
Se Ele fez o homem do barro
Te farei do meu escarro
Ao meu traço e semelhança.”
“Deixai toda a esperança
Vós que entrai”. Eu me lembrei
Mas não perdi a confiança
Se pelo portal entrei
Como no Inferno de Dante
Eu pensei naquele instante
Se o poeta atravessou
O inferno com coragem
Vou voltar dessa viagem
Minha hora não chegou!
Foi quando o Satã rosnou
E fez um gesto com a mão
E uma bolha então pairou
Saindo do caldeirão
E na bolsa incandescente
Um ser em forma de gente
Posto em posição fetal
Começou a se mexer
Foi então que vi nascer
O herdeiro, o filho do mal.
E foi sobrenatural
O parto daquela fera
Num macabro bacanal
Saindo daquela esfera
De maldade e podridão
Do escarro do capetão
Do seu fétido catarro
Com fel e sangue pisado
Nasceu e foi batizado
Benjamin Satanyahu.
E eu vi aquele ser bizarro
Dizer de cara lavada
“Vou ser maior que Pizarro
O que ele fez não foi nada
A vocês vou dar orgulho
Se for preciso eu mergulho
O mundo no Armagedom
E o mal vai vencer o bem
Isso eu garanto também
Pra maldade eu tenho o dom.
Foi quando eu ouvi um som
Que era a mim familiar
Me espreguicei no edredom
Era hora de acordar
Olhei o despertador
Resmunguei um “faz favor”
Desejei ficar na cama
Mas, de repente a memória
Trouxe o sonho e aquela estória
Pensei: O dever me chama!
Quando a inspiração conclama
E seus princípios, também
O poeta não reclama
Faz de si próprio refém
Se algema no sacerdócio
Que ora é peso, ora é ócio
Que ora é fuga, ora é casa
Que é razão e insanidade
Que é prisão e liberdade
Que ora é gaiola, ora é asa.
E se o coração abrasa
E a poesia lhe queima
Lhe rasga as veias e vaza
Não há espaço pra fleima
E a direção do poeta
Não é curva, nem é reta
É simplesmente emoção
O vetor que lhe conduz
Tal qual um facho de luz
Perfurando a escuridão.
Ser poeta é missão
Que é dada ao bom combatente
Fazer do verso explosão
É o treinamento da gente
E nosso explosivo plástico
É o realismo fantástico
Plano secreto é o papel
A palavra é nossa arma
Nossa guerra é nosso carma
Nossa bandeira é o cordel.