O HOMEM SEM HISTÓRIA

No sertão de uma cidade

Chegou um homem, vagabundo

Ninguém soube de sua idade

Se tinha irmãos, se era profundo

No olhar, um mistério apenas

Era um enigma, um ser fecundo.

Ele andava pelas ruas

Sem um passado pra contar

As pessoas, em suas fúrias

Só podiam especular:

- Quem é ele? Murmuravam:

- De onde veio? Onde vai parar?

Os mais velhos, na esquina

Apostavam em suposições:

- Um viajante sem destino

Ou talvez, só ilusões!

Mas o homem só sorria,

Sem revelar suas razões.

Nos mercados, as vozes falavam:

- Um fantasma a vagar por aqui!

Os meninos se divertiam

Imaginando seu porvir

Mas a verdade era dura

Era só silêncio a persistir.

Um dia, alguém se aproximou

Com curiosidade a brilhar:

- Me diga, homem, quem você é?

O que veio aqui buscar?

Mas ele olhou para o chão

E deixou a pergunta no ar.

A lua cheia se transforma

Nas noites que ele passava

Contemplando as estrelas

Numa paz que o encantava

Sem histórias pra contar

Na solidão, se encontrava.

As semanas se arrastaram

E a cidade se acostumou

Aquele homem sem passado

Era um mistério que ficou

Entre risos e sussurros

Este vulto não passou.

As crianças admirando

Pelo jeito como andava

Com um passo suave, lento

Como a vida o abraçava

Mas o homem só seguia

Como quem não caminhava.

Um artista sem tela,

Um poeta sem canção

Um sonho que nunca se revela

Um eco na imensidão

O que importa a história

Se existe uma emoção?

A cidade, aos poucos, entendeu

Que o homem era só um espelho

Refletindo as vidas, os medos

O amor no vácuo vermelho

Sem história pra contar

Sem ter quem desse conselho.

O tempo, que tudo transforma

Levou o homem pra distante

Mas a cidade, em sua forma

Nunca esqueceu seu semblante

E em cada canto, uma lenda

Daquele homem passante.

Seus passos, agora, são ecos

Que dançam na brisa do vento

Um mistério que nunca se explica

Um poema em pensamento

E na memória do povo

O homem é um sentimento.

Assim, vive o que não vive

E a história se faz no olhar

Do homem que chegou sem nada

E deixou um vazio no ar

Entre risos e saudades

Um conto a se eternizar.

Na praça, as crianças brincavam

E o homem ali se sentava

Ouvindo risos, ecos leves

Na inocência que encantava

Sem um conto pra contar

Ele apenas observava.

Os mais novos, curiosos

Se aproximavam sem temor:

- Quem é você, homem, de verdade

Por que traz esse ar sonhador?

Mas ele só sorria e calava

Como se a vida fosse amor.

As flores que ali brotavam

Pareciam falar de seus dias

Um perfume que ele respirava

Misturando-se às fantasias

A cidade, em seu encantamento

Dava ao homem mil alegrias.

Certa noite, sob a lua

Um velho se sentou ao lado:

"Você é um homem de rua

Ou um espírito pebado?

O homem, com calma, escutou

Mas não deu um só legado.

As histórias se desenrolavam

Como fitas ao vento a dançar

E o homem, com olhos claros

Deixava o mistério flutuar

Sem passado, era presente

Um instante a se eternizar.

Os amantes, ao entardecer

Contavam segredos no escuro

E o homem ali a perceber

O amor em cada murmuro

Seus lábios, sem palavras

Eram poesia no futuro.

As festas que ocorriam

Com risadas a vontade

O homem, calado, assistia

Vibrando com a felicidade

Ele era parte da alegria

Mas nunca a realidade.

Os anos foram se passando

E a cidade não o esqueceu

Na memória, o homem andava

Um enigma que se perdeu

Sem passado e sem futuro

Era sombra que se acendeu.

Os dramas alheios cresciam

Como folhas a se espalhar

Mas a vida do homem, fria

Era só um ar a pairar

Um ser que trouxe à cidade

Um pouco do seu olhar.

Na hora da despedida

Quando o homem decidiu partir

Os habitantes, em sua vida

Sentiram um vazio a surgir

Um mistério que se despedia

Um eco que foi se aplaudir.

As lendas, então, foram feitas

Do homem que não era real

Um viajante de outras feiras

Um espírito essencial

E a cidade, com saudade

Aguardava seu sinal.

Na memória, ele ficou

Um fantasma a vagar sonhando

Um homem que nunca contou

Mas que sempre foi amando

E em cada coração

Sua história foi se formando.

Assim, no sertão encantado

O homem viveu em canção

Sem passado, mas amado

Como sombra em cada coração

O que importa a trajetória

Se a vida é só emoção?

Os tempos mudaram, a cidade

Cresceu, evoluiu, se transformou

Mas a lembrança da estranheza

No peito dos velhos ficou

- Um homem sem passado - , diziam

Mas que amor por nós deixou!

Nas noites de festa e de dança

Alguns ainda o viam passar

Um vulto que trazia esperança

No silêncio do ar a flutuar:

- Ele veio e nos fez ver

Um mistério a nos guiar!

Os sábios, em roda, falavam:

- Pode ser que ele é um anjo

Veio aqui só pra mostrar

Que a vida é um puro arranjo!

E assim, a lenda crescia

Nas palavras do marmanjo.

Chegamos nesse momento

A cessar este cordel

A contar sem ter problema

Os mistérios desse bedel

Sem história no currículo

Está com cara de bordel.

FIM

João Pessoa-PB, 09 de setembro de 2000.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 18/10/2024
Reeditado em 19/10/2024
Código do texto: T8176824
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