A paixão que deu pano pra manga
A fagulha da paixão
Não tem hora pra surgir
Como um raio fulminante
Qualquer um pode atingir
Há de ter um gosto amargo
Ou sabor de um elixir.
Vou narrar uma história
Bom exemplo do assunto
Pois nem sempre é possível
Se amar e ficar junto
E você querido ouvinte
O que acha? eu lhe pergunto.
Certa vez uma mocinha
Pai baiano, mãe mineira
Veio aqui para São Paulo
Trabalhar de costureira
Convidada pela tia
Que é muito hospitaleira.
Na Bahia ela morava
Em cidade bem pequena
Se perdesse essa oferta
Ia ser mesmo uma pena
Chegou no sábado à tarde
E o seu nome é Madalena.
Instalou-se no sobrado
Em um quarto só pra ela
Uma cama confortável
E cortinas na janela
Tudo tão bem decorado
Parecendo de novela.
No entanto nesta rua
Aos domingos tem a feira
Logo cedo, movimento,
Papo alto, barulheira
Não se pode fazer nada
Reclamar disso é besteira.
O negócio é ceder
Levantar-se, ir pra janela
Ficar vendo a montagem
Contemplar cena tão bela
Sentir que está no cinema
Assistindo em uma tela.
Lá de cima observou
Quanta vida! Quanta cor!
Bancas de fruta e legumes
Peixe, queijo e até de flor
Essa festa para os olhos
Melhorou o seu humor.
Resolveu descer à feira
Conhecer bem mais de perto
Avisou a sua tia
E também ao tio Alberto
Que não viram mal nenhum
Para eles, tudo certo.
Antes mesmo de sair
Tia Aurélia lhe pediu:
- Traga alface e cheiro verde
- Sim titia! e saiu.
Logo que chegou na rua
Ouviu um forte fiu fiu!
A beleza da mocinha
Chamou muito a atenção
Pele linda como um pêssego
E um corpo violão
- Tem formosa! Grita o homem
Da barraca de mamão.
A garota um tanto ingênua
Ia andando toda bela
Cada banca em que passava
A atenção era pra ela
- Olha aqui doce de coco!
Pra gordinha e pra magrela!
- Moça bonita não paga!
- Mas também não leva nada!
- Chega mais, linda freguesa
- Olha a uva açucarada!
Chuchuzinho bem gostoso
Vem aqui, dá uma chegada!
Um garoto atrevido
Foi falando assim na lata
- Me dá um beijo, boneca
- Me abraça, minha gata!
Ao que ela respondeu:
- Ora vá plantar batata!
Quase até se esqueceu
De passar no verdureiro
Escolheu ótimo alface
E um bom maço de cheiro
Também quis a hortelã
Pagou tudo em dinheiro.
No retorno para casa
No local de aviamentos
Reparou num moço lindo
E por uns breves momentos
Foi levada para um mundo
De sonhos e encantamentos.
O rapaz levou o olhar
Bem na sua direção
Madalena disfarçou
Fingiu ver algo no chão
Quando então olhou de novo
Oh! Sumiu! Foi ilusão?
Resolveu voltar pra casa
E qual não foi a surpresa
Encontrá-lo ao portão
Cheio de charme e beleza
Conversando com a tia
Vejam só, sua freguesa!
O rapaz tão sedutor
Que trabalha com o pai
Aprendeu consertar máquinas
Em um curso do SENAI
Costureira com problemas?
É com ele que ela vai!
Madalena tão sem graça
Mal consegue disfarçar
Traz o rosto bem vermelho
E também lhe falta o ar
O rapaz se apresenta
- O meu nome é Ismar.
Respondeu - Muito prazer!
E entrou mais que depressa
Ficou tão atordoada
Que por pouco não tropeça
Nunca mais irá à feira
Fez a si uma promessa.
E durante a semana
para não pensar no moço
Arregaçou suas mangas
Não parou nem para o almoço
Costurou por tantas horas
Teve até dor no pescoço.
Na semana posterior
Novo dia de domingo
Passou a noite em claro
Não dormiu nem mesmo um pingo
- Será isso a paixão?
Acertou na mosca! Bingo!
Mas pensou com seus botões
- Como isso pode ser?
- Vi o moço uma vez
E nem sei o que dizer
Eu preciso reencontrá-lo
Conferir se é pra valer.
Apesar ter prometido
Cedeu fácil à tentação
Foi à feira novamente
Não ouviu a voz da razão
Foi alegre e sem demora
Encontrar sua paixão
Como não viu o rapaz
No lugar que estava antes
Resolveu o procurar
Lá no meio entre os feirantes
Tinha gente pra caramba
Os fregueses e ajudantes.
Foi andando pela feira
Conhecendo cada um
Na barraca de pescados
Tinha polvo, tinha atum
Camarão, lula e tilápia
Mas não quis levar nenhum.
Viu a banca dos legumes
O Seu Beto o batateiro
A barraca de temperos
Bem ao lado do açougueiro
Encontrar Ismar ali
Era agulha no palheiro.
Viu a dona Margarida
Que só usa roupa preta
Vende balas e biscoitos
E caminha com muleta
De tão velha até parece
Maracujá de gaveta
Seu Alfredo, homem bravo
Da barraca de moranga
Por qualquer coisa de nada
Fecha a cara e se zanga
Fica tão feio o homem
Feito cão chupando manga
Dona Cida tão tristonha
Vende colar de miçangas
Também roupas e acessórios
Os maiôs com suas cangas
Mas a quem se aproxima
Vem chorar suas pitangas.
E o Zé do milho verde,
Natural do Mato Grosso?
Pra poder aparecer,
Ser famoso o tal o moço,
Só lhe falta pendurar
Melancia no pescoço.
Apesar da maioria
Ser honesta e gentil
Sempre tem a maçã podre
Que só pensa em metal vil
Pra poder levar vantagem
Se utiliza de um ardil
É o caso do Zelino
Que engana a freguesia
Diz que a fruta é bem doce
E ninguém nem desconfia
Põe na faca adoçante
Pra cortar a melancia.
Mas também tem gente boa
Coração puro e nobre
Como a Dona Luciana
Não joga nada que sobre
Doa tudo que não vende
Ajudando o mais pobre.
Madalena para um pouco
Na barraca do Miguel
Um moleque lhe entrega
Um recado num papel
Era Ismar a convidando
A comerem um pastel.
Maçãs do rosto coradas
Coração acelerado
Nem podia acreditar
Que veria seu amado
Se tivesse suas asas
Sim! Teria já voado!
O rapaz tão sedutor
Com sorriso a recebeu
Convidou-a a sentar
E falou como sofreu
A semana inteirinha
Com a saudade que doeu.
Ela mal acreditava
No que ele lhe dizia
Será que estava sonhando?
Era tudo fantasia?
Beliscou-se pra saber
Se acordada ou se dormia.
Ele com todo carinho
Declarou-se para ela
- Você é minha alma gêmea
Minha tampa da panela
A metade da laranja
A linda e doce donzela.
Quando quis lhe dar um beijo
Ele foi interrompido
Por alguém que perguntava
- Qual seria o pedido?
Escolheu dois dos pastéis
E em seguida foi servido.
Para acompanhar o lanche
Pegaram na banca ao lado
Água de coco fresquinha,
Caldo de cana gelado
Só comeram e conversaram
O beijo foi adiado.
De repente assim do nada
Começou a gritaria
A famosa hora da xepa
- Traga a cesta e a bacia!
- Tem melão que é muito bom
Mas também tem melancia!
- Tudo aqui é bem barato!
O marido da barata
- Paga um quilo e leva dois
- Vem e escolhe a batata!
- Prova a fruta freguesia
- Se não engorda não mata!
Madalena se deu conta
- Já passou do meio-dia?
Estou muito atrasada
- Esqueci da minha tia!
Vou correr logo pra casa!
Levar bronca não queria.
O rapaz pediu segredo
- É melhor não contar nada
Por enquanto no começo
Pra evitar a fofocada
Passou um zíper na boca
Concordou ficar calada.
Apesar desse cuidado
A maior mexeriqueira
Não poupou nem um tiquinho
Saiu sem eira nem beira
O namoro do casal
Espalhou por toda a feira.
A semana de trabalho
Passou lenta para os dois
Alinhavaram os sonhos
e os planos pra depois
Não quiseram apressar,
Pôr o carro antes dos bois.
Eis que chega o grande dia
De rever o seu amor
Madalena volta à feira
Não esconde o bom humor
Desde que encontrou Ismar
Sua vida ganhou cor
A banca de aviamentos
Cujo pai de Ismar cuidava
Exibia muitos itens
Úteis pra quem costurava
Procurou pelo rapaz
Mas o moço não estava.
Era quase meio-dia
E o sol já estava à pino
Madalena perguntou
- Onde está Ismar, Seu Dino?
- Está lá no fim da feira
Resolvendo um pepino.
Então pra passar o tempo
Achou bom dar uma volta
Com Ismar no coração
Ela nunca mais o solta
É aqui que essa história
Sofre a reviravolta.
Ela olha e vê Ismar
Perto da banca do milho
Ao seu lado uma mulher
Que está esperando um filho
- Oi amor! Tenho vontade
De biscoito de polvilho!
Madalena fica em choque
Com a cena que assiste
Quis fazer maior barraco
Mas estava muito triste
Só gritou – seu traidor!
Colocando o dedo em riste.
Como ele não falou
Quase nada do passado
Se sentiu uma banana
Por não ter desconfiado
Não deu outra, foi batata
- O Ismar já é casado.
A vontade que ela teve
Foi botar o pé na jaca
Mas estava com vertigem
Se sentia muito fraca
E por isso foi embora
Pra bem longe do babaca.
Chegou em casa chorando
Contou tudo para a tia
Que tentou pôr panos quentes
Afinal o conhecia
Mas a moça decidiu
- Vou voltar para a Bahia!
Foi no meio da conversa
que tocou a campainha
Tia Aurélia atendeu
E os levou para a cozinha
Era Ismar com a mulher
Isso era o fim da linha!
Da cabeça até os pés
Madalena mede os dois
- Cafajeste! Mulherengo!
Hora de dar nome aos bois
Me explique tudo agora
Não vá deixar pra depois.
- O que está fazendo aqui
Ainda mais com sua esposa?
Cortou o meu coração
Agiu feito uma raposa
Me atraiu como uma lâmpada
Atrai uma mariposa.
E então mais uma vez
Alfinetou o rapaz
- Você me dilacerou
Como pôde ser capaz?
Para mim você morreu
Por favor me deixe em paz!
- Madalena me escute
Isso foi encenação
Nem conheço esta mulher
Que rebu, que confusão
- É verdade - disse a moça
Ele está com a razão.
- Quem criou essa armadilha
Foi Luzia, a florista
Ficou com tanto ciúme
Contratou-me, sou artista
A barriga era falsa
Minha cara, não desista!
Depois de tudo explicado
Madalena convencida
Aceitou Ismar de volta
Grande amor da sua vida
Foi então que ele pediu
- Case comigo querida!
Uma feira de domingo
Reuniu este casal
Serviu de pano de fundo
Para o ato principal
Uma história de amor
Onde o bem venceu o mal.
E agora com licença
Também sou filho de Deus
Visitar algumas feiras
São alguns dos planos meus
Lhes desejo boa sorte
Muito grato e adeus!