COMADRE LIVRAMENTO
Este Cordel Brasileiro
Na força dessa cultura
Tem Comadre Livramento
Essa forte criatura
A famosa baluarte
Casada com Malasarte
Que lhe falta ter postura.
Esta trama popular
É drama que causa pranto
Falando dessa valente
Que agia sem quebranto
Seu nome é Livramento
Que com firme sentimento
Bota marido no canto.
Na profunda decisão
Lidando com seu marido
De nome Zé Malasarte
Cabra de farra metido
Por onde ele ia, ela ia
E no meio dessa folia
Tem fim o jogo atrevido.
Zé era jogador nato
Não largava uma partida
Dizia que sua sorte
Lhe acompanhava na vida
Por vezes se ver confuso
Cabeça de parafuso
Num gole de uma bebida.
O Zé estava empolgado
Num dia de grande aposta
Jogava com seus parceiros
Na casa do Velho Costa
A Livramento lhe pega
Na cara dele esfrega
Chamando tudo de bosta.
Livramento revoltada
Foi se ver com Bonaparte
Defensor de pirangueiro
Compadre de Malasarte
Ao chegar naquele jogo
Vai botar tudo no fogo
Pra ninguém mais fazer parte.
O coitado do marido
Ficou tão envergonhado
Dizendo pra Livramento
Que era jogo apostado
Que ela se conformasse
E se dele não gostasse
Esperasse o resultado.
O tabuleiro rodou
Foi aquela confusão
As pedras todas perdidas
Espalhadas pelo chão
Os jogadores de dama
Caíram tudo na lama
Sofrendo a decepção.
- Que jogo é esse, Zé?
Perguntou com voz altiva
Ele gaguejou um pouco
De fala não prestativa
Mas Livramento esperta
Bem sabe que sua oferta
Já tinha farra cativa.
- Deixa de conversa mole
Que aqui, tu não ficas mais
O jogo pra ti, acabou
Tu não jogarás, jamais!
Zé baixou, pegou a peça
Sabendo que ali começa
A fera dos animais.
Os amigos enlameados
Começaram refletir
Pois, ninguém tentou falar
Pois o melhor foi sentir
Livramento mandatária
Sem nada de ser otária
Ninguém pode consentir?
Pois sempre que Zé tentava
Sair para se esconder
Livramento descobria
E corria pra interceder:
- Jogo aqui nunca tem vez
E se tiver altivez
Você vai me obedecer!
Seus amigos diziam:
- Oh! Zé, isso não adianta
A tua mulher te controla
E nós tudinho se espanta
Onde tu for, ela está
Se levante, daqui se vá
Vá se ver com sua santa!
Mas, ele ainda teimava
Em fazer malabarismo
Dizia que ia pro campo
Naquele maior cinismo
Mas quando menos esperava
A danada lá chegava
Nesse falso moralismo.
Ela tinha olho esperto
Ouvia até voz alheia
Zé jurava que na rua
Nunca mais faltaria ceia
Mas o que ele não sabe
É que mentir não lhe cabe
No risco de levar peia.
Um dia, numa rodada
Zé tentou ser diferente:
- Hoje eu vou para o jogo
Sem ter ninguém, minha gente!
Mas, mal deu o primeiro passo
Sentiu um grande fracasso
Sua mulher tão de repente.
- Zé, tu pensas que é fácil
Enganas que te dou um nó
Eu já sei do teu caminho
Quando bota aquele pó
Tu bem sabes que não pode
Sair por aí, feito bode
Que te sigo sem ter dó.
A sua mãe já falava:
- Filho, deixe de peleja
Onde tu vais, ela chega
Que Deus do céu te proteja
Dê valor seu batistério
Não leve pro cemitério
Aquilo que não deseja.
Numa noite de promessa
Zé tentou com lucidez
Mas ao chegar na esquina
Viu que não tem solidez
Ela estava à espera
Com aquele ar de fera
Pra encerrar embriaguez.
Zé, tu sabes que a farra
Não te pertence, menino
Se queres viver direito
Volta logo pro destino!
E assim, sem discutir
Zé resolveu admitir
Embrulhando intestino.
Cada vez que Zé pensava
Queria dá uma de morto
Livramento aparecia
E deixava tudo torto
Ele sabia no fundo
Que no jogo desse mundo
Ela era o cais e o porto.
No fim, Zé se cansou
Das tentativas frustradas
Entendeu que sua esposa
Era a chefe das jogadas
E decidiu que ao invés
De viver nesses revés
Viveria de mãos dadas.
Ela, sempre decidida
Não deixava esmorecer
Zé, por fim, já rendido
Passou a reconhecer:
- Minha mulher tem visão
Pode pedir com razão
Pra me ensinar a viver!
Porém, tinha algo a mais
Que o Zé não compreendia
Livramento com carinho
Tudo aquilo resolvia
Ela amava com firmeza
Trazendo paz e certeza
Onde a farra só feria.
Zé Malasarte sofria
Mas não podia negar
Que tinha mulher decente
Que o fazia sossegar
E embora quisesse a farra
Sabia que qualquer marra
Nunca iria adiantar.
Assim a fama corria
Da jovem de Pitombeira
Que quando o Zé tentava
Fazer roda e brincadeira
Ela chegava sem aviso
E com um gesto preciso
Tirava a graça primeira.
Zé Malasarte aprendeu
Com sua fiel senhora
Que o jogo e a jogatina
É melhor dá logo o fora
Fazendo um sacrifício
Libertando desse vício
Numa vida sem demora.
Livramento, por sua vez
Não era mulher cruel
Ela só queria mostrar
Pro marido o seu papel:
- Em matéria de casal
Nosso jogo é casual
Na lei do poder fiel!
O seu nome já diz tudo
Livramento do Divino
Que controlou seu marido
Livrando de ser cretino
Malasarte, um jogador
Resgatou todo valor
Nas rotinas do ensino.
Livramento e Zé Malasarte
Agora vivem em paz
Onde havia confusão
A união não se desfaz
E no jogo dessa vida
A vitória está decidida
E o respeito satisfaz!
As mulheres da cidade
Se espelham no seu jeito
Querem ser como ela é
Com postura e com direito:
- Livramento nos cative
Nesse amor és detetive
Pro homem ter mais respeito!
Assim termino o cordel
Da Comadre Livramento
Com força e sabedoria
Trouxe muito entendimento
Um exemplo verdadeiro
Que o amor é o paradeiro
Pra quem busca o sustento.
FIM
João Pessoa-PB, 02 de março de 2010.