O CABRA MEDROSO

Vejamos as histórias

Que dão pena de escutar

De um cabra medroso

Que não dá pra confrontar

Medo de tudo no mundo

Jamais quisera enfrentar.

Passando numa barata

Era somente assombração

Subia nas cadeiras

Que sufoco e aflição!

Corria por toda casa

segurando o seu calção.

Quando via um ratinho

Tudo na terra largava

Com tamanha confusão

Desesperado gritava

Achava que o bichinho

Sempre ia onde ele estava.

De cobra, nem se fala

Dava até arrepio

Se ouvia o rastro no chão

Já tremia de frio

Imaginava aquilo

Lhe dando calafrio.

Sapo então, era o terror

Não podia nem pensar

Se visse um no caminho

Dava logo pra chorar

Achava que o bicho

Iria lhe amaldiçoar.

Velório ele não ia

Nem por promessa jurada

Tinha medo das almas

Da noite mal assombrada

E do defunto quietinho

Levantar numa risada.

No mar, ele não entrava

Água era seu pavor

Temia um peixe bravo

Ou então um pescador

Que o levasse pra longe

Pra acabar com sua dor.

Nadar? Nem se falava

Das manchetes dos jornais

Preferia um dia seco

Do que água e seus sinais

Tinha medo até de chuva

Com os trovões infernais.

Passar em encruzilhada

Era uma coisa proibida

Imaginava as visagens

Que podiam vir na corrida

Ou a cumadre Fulozinha

Pegando ele de partida.

Cemitério? Nem por sonho

Naquelas portas cruzavam

Tinha medo das caveiras

Que à noite se levantavam

E no silêncio da tumba

Segredos cochichavam.

Superstição ele tinha

Até de mais, meu amigo

Nem falava de lobisomem

Muito menos de papa-figo

Tinha medo até de boato

Que espalhava o perigo.

Um dia ser pai, nem se fale

Isso dava até gastura

Da responsabilidade

De entrar numa loucura

E acordar todo dia

Com a criança na cintura

Sexta-feira se trancava

Mesmo em local de traça

Achava que o azar

Rondava por toda praça

Tinha medo até do vento

Que soprava na vidraça.

De filme de terror então

Nem chegava perto da tela

Dizia que o coração

Não aguentava novela

Que o medo lhe consumia

Como bruxa de aquarela.

Tinha até certas palavras

Que ele não pronunciava

Achava que trazer má sorte

Era algo que contagiava

E se alguém falasse perto

Logo ele se afastava.

Era um cabra que sofria

Com tanto medo no peito

Tudo era perigo

E viver não tinha jeito

Pois temia até a sorte

Quando olhava pro leito.

Se escutava um estalo

Queria logo sumir

Dizia que o além

Estava ali pra oprimir

E nem se lembrava

Que podia resistir.

Vivia trancado em casa

Na solidão do seu medo

Com as portas bem fechadas

Pensando num segredo

Como poderia fugir

Desse destino azedo.

Mas o cabra que vos conto

De tanto medo enfrentar

Acabou virando piada

Para o povo a comentar

Pois até o vento do Norte

Ele vivia a evitar.

E assim o cabra medroso

Seguiu as caminhadas

Fugindo das sombras

Das histórias inventadas

E de tudo que, no mundo

Lhe pareciam ciladas.

Se um dia você o encontrar

Cuidado, vá devagar

Não fale de assombração

Nem o tente assustar

Pois o cabra medroso

Ainda vive a se resguardar.

Medo de barata, de rato

De cobra e de encruzilhada

Não sai de casa à noite

Tem alma esfarrapada

Mas apesar do pavor

É figura respeitada.

O cabra medroso é assim

Tem seu jeito peculiar

Vive de tanto temor

Que dá até de lamentar

Mas no fundo ele só quer

Uma paz pra se aquietar.

E assim segue a vida

Nesse mundo traiçoeiro

O cabra medroso fugindo

Do vento, da lua, do cheiro

Até que um dia, quem sabe

Encontre seu paradeiro.

Ter um espelho quebrado

Nem podia mencionar

Achava que sete anos

De azar ia ganhar

E pra evitar a tragédia

Nem perto ia passar.

De gato preto fugia

Como quem foge de cão

Se o bicho cruzasse a rua

Já tremia de aflição

Dizia que era o diabo

Rondando seu coração.

Vassoura atrás da porta?

Essa ele já sabia

Não deixava nem encostar

Onde sua mãe dizia:

- Pra não atrair visita

Que trouxesse fantasia.

O coitado, supersticioso

Com espirro já se benzia

Temia que um só fungado

Trouxesse praga e agonia

E na menor dorzinha

Já corria pra Santa Maria.

Passar debaixo de escada

Isso ele não fazia

Nem por ordem, nem promessa

Nem por bruxaria

Achava que o azar

Vinha com fúria e ousadia.

Carrapicho de saudade

Para ele era feitiço

Se encontrava no sapato

Já achava ver no cortiço

No sossego dessa vida

Há gentil harmonia.

Do fogo ele tinha medo

Da fogueira de São João

Achava que as chamas

Podiam trazer maldição

E até do calor da vela

Sentia grande aflição.

Mas o pior de tudo

Era o medo do passado

Pois vivia pensativo

Naquele clima fechado

Que nem o sol do dia

Lhe fazia abençoado.

FIM

João Pessoa-PB, 09 de maio de 2020.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 11/10/2024
Reeditado em 11/10/2024
Código do texto: T8170977
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