AS PERIPÉRCIAS DE CHICO PERNETA
Vou contar uma história
Que narra sobre o poder
O poder da força bruta
Que fez o povo sofrer
Nas mãos da malvadeza
Só há um nome: perder.
Perde-se muito na vida
E não há explicação
Uns ganham com o suor
Outros pela tentação
Aqui tudo se paga
Mesmo se tendo perdão.
Na vida que foi curta
Lhe chamaram de bocó
Outros mais atrevidos
Lhe tinham como socó
Porém, nesta batalha
Não passava de um mocó.
Um sujeito maligno
Não havia nele valor
Viveu só para o mal
Aquele triste pastor
Foi mais que procurado
Por se passar por doutor.
Ele se vestia de branco
Namorando serpente
Percebendo uma donzela
Ficava bem contente
Olhando a formosura
Se fingia de demente.
A demência do sujeito
Causava sofrimento
Matava a pobre moça
E deixava no convento
Muitas ficaram podres
Na cidade do tormento.
A cidade vivia triste
Era igual a cemitério
Ele causou muito terror
E foi grande o adultério
Casais se separaram
Neste lugar de mistério.
As donzelas quando mortas
Lhe arrancavam o coração
Atiravam para os cães
Que terrível judiação
Pelas mãos do sujeito
Em nome da devoção.
O povo desta cidade
Vivia só dos perigos
O dia passava logo
E a noite eram castigos
As moças tinham medo
Ficavam em seus abrigos.
O sujeito matador
Tinha no dedo um anel
Brilhava como luzes
Como fosse coronel
Mas era tudo tapeação
Quem diz isso é o cordel.
Ele foi um bocó, eu sei
Mas isto não é o caso
Se foi mocó ou socó
Tudo não passou de atraso
O apelido instigava
A viver sempre no arraso.
A filha de um major
Conhecida do lugar
Morreu estando noiva
Quando ia se casar
O sujeito lhe pegou
Não faz bem ninguém contar.
Lá no sertão distante
Chico Perneta nasceu
Cabra macho, arretado
O sertão inteiro o conheceu
Com uma perna só fazia
O que dois cabra não deu.
Quando era pequenino
Já mostrava ser ligeiro
Corria feito ventania
Se dizendo ser bombeiro
E com sua esperteza
Já virava o justiceiro.
Perdeu a perna num duelo
Que ninguém soube contar
Mas dizem que foi de jeito
Numa briga de assustar
E quem viu não esqueceu
Do trovão no ar soar.
Mesmo com uma perna só
Chico nunca se abalava
Dizia: - Correr não posso
Mas ainda me escapo das brava!
E quem cruzava o seu caminho
Virgem, logo se afastava.
Por onde passava o Chico
Só deixava confusão
Era briga ou era festa
O homem era furacão
Quem olhava bem ligeiro
Logo via um trovão.
Com o tempo ficou dito
Que Chico era encantado
Tinha reza, tinha reza
E ninguém era ousado
De chegar perto dele
Sem sair escaldado.
Um dia lá na fazenda
Viu um coronel se achar
Com muita terra e gado
Querendo tudo mandar
Chico riu bem baixinho:
- Eu vou logo me vingar!
Entrou no baile armado
Com seu chapéu de couro
Tirou cinturão pra fora:
- Hoje eu sou o dono do ouro
Pra dançar a noite inteira
Com todo o meu tesouro!
O povo ficou sem fala
Sem ter como reagir
Pois com a força de Chico
Não tinha como competir
E a mulher se alegrava
Vendo o cabra resistir.
Mas a fama de perneta
Se espalhou sem mais parar
Veio cabra de outras terras
Querendo ele desafiar
Mas Chico dava risada
Sem querer se importar.
No sertão a vida é dura
Mas para Chico era mais
Tinha que sobreviver
No meio dos animais
E com sua esperteza
No mundo dos anormais.
Um dia no meio da seca
Chico viu o povo a chorar
Sem água e sem comida
Todo o mundo a implorar
Chico disse: - Vamos juntos
Que eu sei onde buscar!
Lá pro lado da caatinga
Chico seguiu sem parar
Com sua perna ligeira
Mesmo manco, a caminhar
E achou uma nascente
Para o povo se salvar.
Depois disso virou lenda
O homem que salvou o sertão
Com uma perna só fazia
Milagre de assombração
E até hoje seu nome ecoa
Nos cantos da multidão.
Mas o tempo foi passando
Para aquele bondoso filho
A perneta já cansava
Seus olhos perdiam o brilho
Mas na memória do povo
Ele nunca perdia o trilho.
Certa vez, na lua cheia
Viu uma sombra chegar
Era um bandido atrevido
Querendo a todos assustar
Chico riu mais uma vez:
- Hoje eu vou te ensinar!
Com a força da palavra
Chico derrubou o ladrão
Não precisou usar faca
Nem disparar um canhão
O poder de sua língua
Fez-se grande no sertão.
E assim, a vida seguia
Com Chico sempre a lutar
Mesmo com uma só perna
Sempre estava a ajudar
Tinha alma de guerreiro
E um coração a brilhar.
Um dia no fim da tarde
Veio o padre lhe falar
Disse: - Chico, tá na hora
Você precisa descansar!
Chico olhou pro horizonte:
- Mas do povo vou cuidar!
E foi assim que o Chico
Deixou o mundo da briga
Mas o seu nome, ah, esse
Ficou como quem obriga
Os que ouvem sua história
A seguir sua trilha antiga.
Seu espírito está no vento
Dizem lá na sua terra
Pois quem luta pelo justo
Mesmo depois da serra
Vira estrela no céu
E continua sua guerra.
O sertão, cheio de história
Não esquece seu herói
E o nome de Chico Perneta
Até hoje a todos dói
Pois foi um homem de fibra
É lunático que tudo rói.
Chico Perneta tem fama
Como cabra destemido
Com a sua força e fé
Deixou o sertão protegido
No aspecto de valentia
Ele nunca foi vencido.
Ficou na boca do povo
Essa história de coragem
De um homem simples e justo
Que nunca teve paragem
E até os dias de hoje
Vive em toda paisagem.
Chico, sempre prevenido
Vivia no pé da mesa
Mesmo com uma perna só
Protegia sobremesa
E qualquer malfeitor
Não podia pegar sua presa.
Tinha no peito coragem
E na mente, esperteza
Dava lição a quem fosse
Sem mostrar moleza
Mesmo que a luta apertasse
Chico era só firmeza.
Certa vez, um forasteiro
Chegou para o desafiar
Disse: - Chico Perneta
Hoje eu vou te derrubar!
Mas o valente sorriu:
- Bora ver quem vai ganhar.
Num duelo de palavras
Chico logo começou
Com versos bem afiados
O homem se espantou
E vendo o talento do Chico
De lá mesmo se mandou.
Foi assim que a história
De Chico Perneta seguiu
Se tornou grande lenda
Seu nome o vento expandiu
E até quem não o conhecia
Da sua fama já ouviu.
Hoje quem passa no sertão
Lembra sempre desse cabra
Que com garra e inteligência
Nunca foi pego no flagra
E mesmo com tudo isso
Nunca tomou viagra.
Em rodas de prosear
Aquele povo nos conta
As façanhas de Perneta
Que a fraqueza desmonta
No sertão ou na cidade
Seu nome sempre desponta.
Assim termino o cordel
Com a história desse valente
Chico Perneta foi homem
De coração e alma quente
E quem segue o seu caminho
Vai sempre ser resistente.
FIM
João Pessoa-PB, 08 de agosto de 2013.