MOTORISTA HONÓRIO
Se pretende ser leitor
Do que tenho pro momento
Vou descrever o que sei
Desse personagem Bento
O meu cordel brasileiro
Vai botar teu sentimento.
O popular velho Bento
Das bandas dos foliões
Quer sempre levar vantagem
Dos temas religiões
Não gosta que se comente
Dessas tais rebeliões.
Esse cabra é folclore
Daquelas terras brejeiras
De boca em boca falavam
Do bravo das laranjeiras
Devoto de compaixão
No templo das cerejeiras.
Hoje Bento é lembrado
Por sua coragem fiel
A lenda primeiro dita
Só depois vai pro papel
O povo todo me conta
Pra publicar meu cordel.
No fim de sua jornada
Com rugas no seu semblante
Deixou tudo para trás
Como faz um viajante
Se cobrindo de ternura
Nas terras do sol brilhante.
Nutrindo grande respeito
Tradição guardava a fundo
Sua palavra era lei
Naquele pequeno mundo
Ignorante, é verdade
Mas tinha um amor profundo.
Cresceu nas terras verdes
Entre gado e plantação
Com pouco livro e escola
Mas cheio de tradição
Ouvia as rezas da mãe
Na mais nobre devoção.
Com o gado conhecia
Cada pasto e estrada
Sabia quando a chuva
Chegava de madrugada
Tinha jeito com a terra
E com a brava boiada.
Valente como poucos
Não tinha medo do cão
Nem de homem com faca
Ou de pistola na mão
Aquele velho sabido
Soube dividir o pão.
O povo lhe respeitava
Sabia do seu valor
Era Bento, homem firme
Nessas tardes de calor
Amava a terra e seu lar
Com seu carinho e flor.
Velho Bento era teimoso
Não mudava seu pensar
O que aprendeu com o tempo
Jamais quis repensar
Nas tradições do passado
Era firme pra compensar.
Falava sempre de Deus
E do diabo, com tédio
Acreditava nos perigos
De tomar qualquer remédio
Para ele, nada na vida
É pior do que assédio.
Mas também sabia amar
Amava o vento e a serra
Cada folha seca ao vento
Lembrava da sua terra
Velho Bento tinha bode
Daquele que nunca berra.
Sentava lá no terreiro
Sem ter nada que fazer
Pegava aquele pauzinho
Com aquele maior prazer
Rabiscava todo chão
Contemplando seu lazer.
Na infância, quis ser padre
Ele mesmo que falou
Mas o chamado divino
Seu coração se abalou
Preferiu viver no campo
A enxada lhe consolou.
Supersticioso ao extremo
Não vamos menosprezar
Crendices tinha bastante
Ninguém ouse desprezar
Se um gato preto passava
Se benze para rezar.
Ainda cedo, o destino
Foi marcado em seu andar
Pensou um dia ser padre
No seminário estudar
Mas, entre a cruz e a enxada
Escolheu a terra cuidar.
Na missa, todo domingo
Sempre chamado de irmão
Mas não seguiu o caminho
Do padre nem do sermão
Preferiu a liberdade
O filho de Salomão.
Superstição era seu guia
Com medo do sobrenatural
Crendices tinha muitas
Cada uma bem especial
Se a lua cheia surgia
Era tempo de sinal.
Noite de vento e trovão
Era reza sem cessar
Se um gato preto passasse
Ele não ousava passar
Mudava logo de rumo
Pra não poder fracassar.
Se passava por um sapo
Mandava logo um recado
Cruza os dedos e assopra
Pra não ficar azarado
Bento sempre precavido
Mas, porém desconfiado.
Nas batalhas mais concretas
Havia um homem de fé
Devoto de todo santo
Nas bênçãos de São José
O brejeiro faz questão
De tomar o seu café.
Com valentia enfrentava
Quem lhe faltasse respeito
Brigava por qualquer coisa
Punho firme, sem defeito
Mas por trás dessa dureza
afirmava que era seu jeito.
Velho Bento se mantinha
Numa razão piedosa
Rezava a São José
E à Virgem bondosa
Era duro como pedra
Mas de alma generosa.
A cidade tinha tédio
Como também compaixão
Nessa dureza de Bento
Reservou grande paixão
Descoberta pelo povo
Que carregava seu caixão.
Dona Zefinha do Pasto
Casada com Seu Cazé
Se botou pro velho Bento
Que lhe deu um pontapé
Pra ela tomar vergonha
Deixasse de ser ralé.
Seus dias eram marcados
Pelo sol e pela lida
Mas as noites de rezas
Eram sua despedida
No fundo, Bento sabia
Que tudo tem sua medida.
Dizem que até hoje
Sua alma vive nos canais
Protegendo os vaqueiros
Das chifradas terminais
Velho Bento, bravo e fiel
Estampado nos jornais.
Suas histórias não terminam
Nas terras que lhe cativa
Pois, Bento vive na fé
Dessa gente prestativa
Seu nome, sempre lembrado
No brejo, nunca se esquiva.
O Velho Bento sentia
Um profundo desejo
Um dia poder voltar
Fazendo aquele cortejo
À sua Veneza querida
Que falava: Te protejo.
Esses desejos de Bento
Foram logo lhe matando
Causando no seu pensar
Tanto gado ver pastando
Mas nunca tentou saber
O que vinha se passando.
Não quis pensar nos sermões
Das cantigas de ninar
Para viver com prazer
No campo pra capinar
No coração dessa noite
Meu cordel quer terminar.
FIM
João Pessoa-PB, 02 de outubro de 2024.