SEVERINA E LOURIVAL
Agora peço licença
Ao meu caro leitor
Que tem tempo pra tudo
Mas peço-lhe por favor
A história que vou contar
É feita só de amor.
Severina era órfã
E morava com Vó Adelaide
O avô já tinha morrido
Enterrado noutra cidade
Essa história era triste
Mas era pura verdade.
Lourival pensou na situação
E à escola quis voltar
Não havia mais vaga
Severina propôs ensinar
A cartilha daquele tempo
Era conta e beabá.
Todo dia de tarde
Chegava a professora
Lourival ficava contente
E pegava logo a vassoura
Varria toda a sala
Pra uma aula promissora.
Lourival estava gostando
Daquele ensino amoroso
Sentia um grande desejo
De dar um beijo gostoso
Mas Severina impedia
A avó achava seboso.
Lourival tinha que se contentar
Com o final de semana
Dar milhões de beijos
Que o desejo emana
Mas de segunda a sexta
É a cartilha que lhe chama.
A professora era danada
E ensinava com maestria
Lourival acompanhava tudo
E bem direitinho lia
Severina dava gaitada
E Lourival logo sorria.
Dona Adelaide passou mal
E não teve mais como voltar
Ficava sozinha no mundo
E meteu o pau a chorar
Lourival se lamentava
E só queria ajudar.
Pensou em pedir ao pai
Um olhar na situação
O pai era analfabeto
E proibiu a educação
Mandou Lourival ao roçado
Cuidar do milho e feijão.
Severina tão de repente
Do bairro desapareceu
Não entendia direito
Como aquilo aconteceu
A menina sem avó
No mundo se escafedeu.
Tiveram muitas histórias
E a todas Lourival dava ouvido
Falavam num tal de sequestro
E brincadeira do povo atrevido
Sei que Lourival muito sofreu
No seu mais amplo sentido.
Severino foi embora
E não teve como despedir
Parece que não tinha amor
E no entanto tudo fingir
Como poderia a menina
Assim tão rápido escapulir?
O pai de Lourival
Acordou e não levou o menino
No roçado se sentiu mal
E traçou o seu destino
A mãe dele se lamentava
Mas lembrou-se do ensino.
O roçado era grande
A plantação muito maior ainda
Um rio que cortava o terreno
Era a coisa mais linda
Naquela manhã o seu pai
Toda a sua história se finda.
Lourival e a mãe
Foram levar o velho ao céu
Pediram muita força
Pra propriedade Carrossel
Teria que contratar gente
Ou dá-la de aluguel.
Lourival tinha um desgosto
Que estava lhe matando
Sem o seu amor por perto
E a mãe se embriagando
Sonhava com Severina
E onde estava morando.
Os dias iam passando
E Lourival o primeiro grau terminou
Cada dia que se passava
Mais aumentava o seu amor
A mãe abandonou a roça
E só do filho cuidou.
As terras que eles tinham
Davam um bom trocado
Colocaram à venda tudo
E foram morar no povoado
Mas Lourival sentia saudade
Do tempo que ia ao roçado.
A mãe sabia ler e escrever
Diferente do finado marido
Incentivava o filho que tinha
Que ficava até aborrecido
Ia entrar pra faculdade
Lourival entristecido.
Triste porque não tinha Severina
Que muito cedo lhe abandonou
O que adiantava ter tanto estudo
Naquela terra sem valor?
Queria morar bem longe
Talvez curasse a sua dor.
Dez anos se passaram
E Lourival em plena formatura
Se formou em jornalismo
E ainda pensava na criatura
As meninas davam bolas
E ele ria com ternura.
O trem apita e Lourival resolve
Querer ir com a mãe morar
Sair daquele atraso
Que só fazia lhe recordar
Do seu amor de infância
Que não sabia como encontrar.
Nesse momento porém
A mãe tinha voltado ao estudo
Depois da bebedeira
Foi negociar com miúdo
Ficou uma viúva bonita
Paquerada por Zé Bicudo.
Zé Bicudo era um marchante
Vendedor de carne de bode
Se engraçou pela viúva
Olhe se isso pode
Queria para mãe
Um letrado lorde.
Mas o coração ganhou
E foi feito o casamento
Zé Bicudo era cabra bom
Também passou por sofrimento
Morreu dois anos depois
Pra tristeza de Livramento.
Depois deste fato ocorrido
A mãe queria fugir
Correr pra outro lugar
E outro aroma sentir
Igualzinho ao filho
Que tinha namorada por vir.
Uma universitária
Charmosa e muito bonita
Deu em cima de Lourival
Era Maria Expedita
O princípio do esquecimento
Do rapaz pela dita.
Mal começou o namoro
Algo logo aconteceu
De manhã logo cedo
Na cidade apareceu
Era Severina mulher
Que a chama de novo acendeu.
Parou toda a cidade
E o casal logo falou
Ela foi sequestrada
E a situação logo acabou
Ela também sofria
Com o amor que ficou.
Dona Livramento vendeu
Toda terra que tinha
Lourival já era jornalista
E possuía uma poupancinha
Severina era professora
E cuidava de criancinha.
Casaram e foram felizes
Muitos filhos tiveram
Foram prefeitos da cidade
E o grande amor mantiveram
Na administração do bem
Muita bondade fizeram.
Agora peço licença
Ao meu caro leitor
Sei que há tempo pra tudo
Mas peço-lhe por favor
Essa história que acabei de contar
Teve também muita dor.
FIM
João Pessoa-PB, 30 de março de 1996.