SAUDADE DE BODE

Dou início a minha fala

E de saudade só quero ver

Quem nunca sentiu saudade

Pode agora tudo rever

Ela mexe com a gente

Como fosse aguardente

Que faz tudo reviver.

E assim o meu Cordel

Por nome de brasileiro

Já começou a ter saudade

Ele foi sempre o primeiro

A falar do que não pode

O cabra amarrando o bode

É saudade o ano inteiro.

No Cordel das saudações

Saudade vem ligeira

Abre as comportas

E na frente dá rasteira

É a falta que o amor faz

Há muito tempo atrás

Na verdade de brincadeira.

Sentindo a tua falta

Com o corpo estremecido

Sinto o coração apertado

Com hálito perfumado

Bato as pestanas cansadas

E as luzes mais condensadas

Meu silêncio bem adequado.

Quando sinto a tua falta

Algo estranho acontece

O corpo fica caído

O olho logo esmorece

O cabelo voa no vento

Dor só passa com fermento

Na cabeça que estremece.

O pecado a Deus pertence

Já dizia Dona Fulô

Moradora da cidade

Onde só mora doutor

Ela tem uma afilhada

Que canta de madrugada

E namora com um cantor.

A visão já não enxerga

No dia de pagamento

Ela cansa com a letra

Sem nada de fingimento

A conta que aqui se paga

Pode ser mesmo uma praga

Que atrai o sofrimento.

Sentindo a tua falta

Eu preciso dormir

Coberto de alegria

Não posso nunca fingir

Deitado fico roncando

Depois fico olhando

Se posso escapulir.

Sendo assim meu Eu

Quer a sua satisfação

Dentro de mim eu sou

Um mundo só de paixão

Guardado bem no segredo

Fugindo de todo medo

E viver pela não ilusão.

Quando eu sinto a tua falta

Me deito e vou pensar

No tempo dos teus cabelos

Na poesia em alto mar

Eu navego sem o remo

Não temo nem o demo

De mim pode esperar.

Deixa eu ficar pensando

Só posso fazer o que quero

Se não posso fazer assim

Lá na frente eu te espero

Sinto muito a tua falta

Ela é grande , é tão alta

De amor eu te venero.

Quando eu sinto que você

Não me quer do teu lado

Eu saio em disparada

E fico logo enquadrado

Dou um grito de perdão

Que alivia o coração

E fico mais apaixonado.

Quando alguém está diante

Pensa muito na pessoa

Anda por toda cidade

Só pensando numa boa

Voltar pra quem se ama

Deitar de noite na cama

E nunca mais viver atoa.

Sentimento e liberdade

Não há, de fato, contradição

Se sente pela ausência

Na presença do coração

O silêncio já faz parte

O amor é uma arte

Que se vive pela razão.

Sinto tanto a tua falta

Que me dói o pensamento

O fígado e o pâncreas

Estão fora de tormento

Meu senhor, me dê licença

Não vejo nisto diferença

Se tudo é saúde e sofrimento.

Vou bem longe daqui fugir

E não tenho hora para voltar

Sei que longe me resolvo

E posso até me resguardar

O perdão está comigo

Bem abaixo do umbigo

E a saudade veio ficar.

Sinto muito tua falta

Quando a noite está chegando

Me viro assim de lado

E fico só esperando

A tua chegada em sonho

Com o olhar tão castanho

Eu vivo só te chamando.

Em cada canto que ando

Tua sombra me acompanha

Me visto de fugitivo

Mais um motivo me assanha

Tua espera que não demora

Me vejo perdendo a hora

E a saudade me abocanha.

Olho na cara do tempo

É falta que se sente

Um cabelo que precisa

Ligeiro de um pente

A falta é passageira

Por que toda zoeira

Se a morte é tão de repente?

Daqui deste lugar

Eu viajo em pensamento

Boto a cabeça na nave

E faço dela meu movimento

O que a falta nos faz?

É vontade de ter paz

Viver bem solto no envolvimento.

O menino cruza a estrada

E o velho fica uma fera

O menino não consegue

Ter uma vida sincera

O velho manobra o sinal

E dispensa pra longe o mal

O menino fica só na espera.

Não se pode desmentir

Um pedaço de ilusão

É fazer das tripas vísceras

Fazer das tripas coração

O ditado tão popular

Na falta vem reafirmar

O que significa amar.

Agora a sua falta

É algo inusitado, sim

Receba as flores do perdão

Do hálito igual a jasmim

Dentro do meu calabouço

A saudade é mais que osso

E o sonho me faz ser ruim.

Sinto a falta do encontro

Das eternas madrugadas

Os encontros que ficaram

Nas nossas mentes gravadas

Eu contigo, sendo o bastante

Nos teus braços de amante

Consegui rever minhas jornadas.

A falta de um é dele

Não vamos generalizar

Quando se falta, se percebe

Algo a mais a comentar

Ele pode até fugir

Nunca mais pode mentir

É a saudade que veio morar.

O gênero não se discute

Ele está em todo lugar

A saudade é de todos

Disto ninguém pode negar

Quando você sentir saudade

Fale sempre a verdade

Não tente se enganar.

Quando eu sinto a tua falta

Eu me curvo em oração

Pago todos os pecados

E saio até em procissão

Não interessa o santo

Rezo sozinho no canto

E tenho a maior satisfação.

Deus tomara que permita

Eu viver pela saudade

Causando amor ao próximo

Até na próxima eternidade

Eu sozinho não compreendo

Se me tranco não entendo

O fingir desta sociedade.

Muito poeta escreveu

E eu sendo aprendiz

Na arte de sentimento

Eu sempre fui feliz

Escrevendo poesia

Seja pra João, seja Maria

Viúva ou meretriz.

A saudade muito se sente

Quando não se pensa

Exemplifica quem sofre

Explica e tem recompensa

A saudade é vício da alma

E nada que tem nos acalma

A falta por ti é intensa.

Saudade é tão brasileira

Como o universo do amor

Onde houver sentimento

Existe alegria e dor

Sinto tua falta no agora

E quando acho dou o fora

Carregas o gosto e o dissabor.

E aqui penso ter terminado

Este Cordel sobre Saudade

Um sentimento de falta

Que causa até crueldade

Obrigado pela leitura

Busco em ti toda a doçura

Pra semear fraternidade.

FIM

João Pessoa-PB, 03 de março de 2003.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 03/10/2024
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