O CAVALO CHÁ PRETO
Chá Preto foi um cavalo
Que tive o prazer de ver
Na Fazenda de Veneza
Por isto eu vou reviver
Como se fosse o agora
Que eu conto para viver.
O Chá Preto tinha fama
De derrubar cambiteiro
Que montasse por cima dele
Lhe dando coice certeiro
Lourival quase se lasca
Gritando que era carteiro.
Lourival trabalhador
Dos Correios da Cidade
Quando chegou em Veneza
Na maior simplicidade
Quis montar em Chá Preto
Pra mostrar prosperidade.
Chá Preto ficou tão bravo
Que não teve paciência
Meteu a boca no mundo
Rinchou com indecência
Todo peão da fazenda
Foi fazer a penitência.
Chá Preto não gostava
De levar peia nas costas
Lá na frente ele metia
O sujeito entre bostas
E ainda era vencedor
No jogo das apostas.
Chá Preto ficou puto
Com um tal de Lourival
Metido a galo cego
Mas com Chá se deu mal
Levou tanto coice na venta
E na sua parte abdominal.
Chá Preto era teimoso
Nás águas do belo rio
Certa feita mergulhou
E ficou com tanto frio
Mergulhou novamente
E só saiu no assobio.
O assobio pra Chá Preto
Era uma voz de comando
Desde os tempos do finado
Seu Manoel Ferdinando
Que lhe tinha tanto apreço
Que morreu caducando.
Chá Preto era ligeiro
Com passo firme e vaqueiro
Quem tentava dominá-lo
Não saía o dia inteiro
Com seus coices destronava
Do mais forte ao mais ligeiro.
Nas festas de boiadeiro
Era sempre o mais citado
Quem ousasse lhe montar
Saía bem machucado
Até mesmo o mais valente
Ficava desconfiado.
Foi Lourival que insistiu
Montar nele de repente
Com a sela e o gibão
Se achava muito valente
Mas logo o cavalo esperto
Derrubou-o novamente.
Chá Preto era um mito
Nas redondezas vizinhas
Vaqueiro que se atrevia
Voltava com as costelinhas
Quebradas de tantos tombos
E com a roupa em tirinhas.
Teve um que desafiou
Seu nome era Manoelão
Dizia que domaria
Chá Preto no braço e mão
Mas o cavalo esperto
O jogou no chão do sertão.
Manoelão se levantou
E quis causar revolta
Mas quando pegou o bicho
Ele já estava de volta
Correu por cima do pasto
Deixando a poeira envolta.
Todo mundo ali na fazenda
Tinha um conto pra contar
Sobre os feitos de Chá Preto
E quem nele ousava montar
Até os meninos pequenos
Gostavam de o espiar.
Dona Zefa, a cozinheira,
Sempre dizia assim:
- Esse cavalo tem alma
Falo, portanto, por mim
Melhor deixar ele livre
Do jeito que ele é, enfim.
Mas sempre aparecia alguém
Querendo desafiá-lo
Achando que era só força
Que poderia domá-lo
E o cavalo, com astúcia,
Quis somente condená-lo.
Chá Preto corria solto
Nas tardes de céu azul
Saltava rios e cercados
Com brilho de Istambul
Ninguém conseguia pegá-lo
Nem com laço de boiadeiro do sul.
As moças da fazenda
Admiravam sua beleza
Diziam que era um príncipe
Reinando na natureza
Mesmo sendo bravo e forte
Tinha um toque de leveza.
Seu dono, o senhor Vicente,
Já não sabia o que fazer
Pois o cavalo indomável
Parecia nunca ceder
Mesmo com tantos desafios
Só queria mesmo correr.
Os anos se passaram
E Chá Preto foi ficando
Mais maduro, mais calmo
Seu gênio foi amansando
Mas no fundo ele sabia
Que seu tempo estava passando.
Num certo dia de inverno
Um tropeiro apareceu
Dizendo que domaria
O cavalo que conheceu
Chá Preto o olhou de lado
E logo o derrubou ao chão seu.
O tropeiro levantou
E disse com humildade:
- Esse cavalo tem alma
Não é só força ou vontade
O Chá Preto quer ser livre
Nessa mais pura verdade.
Vicente, vendo aquilo,
Decidiu então ceder
Deixou o cavalo solto
Pra livre ele viver
E assim Chá Preto foi
Pra nunca mais se prender.
Chá Preto virou lenda
Nas falas do cidadão
Quem fala do cavalo
Lembra com emoção
Do bicho forte e bravo
Que viveu com coração.
Os meninos que ouviram
As histórias de seus pais
Cresceram com a lenda
De um cavalo sem iguais
Que vivia em liberdade
Entre vales e matagais.
Ainda hoje se fala
Nas rodas de cantoria
Do cavalo lendário
Que a todos desafia
E que ninguém conseguia
Domar sua valentia.
Dizem que em certas noites
Quando o vento passa ligeiro
Ainda se ouve o galope
Desse cavalo vaqueiro
Correndo pelos campos
Como um bicho verdadeiro.
E assim segue a história
De Chá Preto, o corredor
Que dominou a fazenda
Com força e esplendor
E ficou na memória
De todo aquele interior.
Os vaqueiros mais velhos
Ainda contam com orgulho
Das vezes que tentaram
Mas caíram como entulho
Pois Chá Preto, o cavalo,
Tinha truque no bagulho.
E assim termina o cordel
Do cavalo indomável
Que viveu como quis
Sem jamais ser controlável
Chá Preto, o mito vivo
Desse sertão memorável.
FIM
João Pessoa-PB, 05 de outubro de 2024.