A PARTEIRA DALEMAR
Naquela baixa da égua
Bem distante de explicar
Nasceu Rita de Carvalho
Que gostava de pescar
Nas águas calmas do rio
Sempre ia se refrescar.
Rita tinha um desejo
E vou procurar saber
Pelas bocas do lugar
Elas vão me conceber
Ter ciência do que foi
Pra que eu possa receber.
O poder dessa palavra
Que já posso refletir
Rita nunca desejou
Dali querer partir
Quando pequena ja tinha
Um desejo de repartir.
Trocar experiência era
Aquele desejo de Rita
Nascida de gente pobre
Era pra ser Espedita
Nome duma fazendeira
Filha de gente bendita.
Os desejos da menina
Não contou para ninguém
Guardou com a gentileza
Naquele tempo do vintém
Já moça lutou bastante
Pra ter do lado um alguém.
Sua luta foi em vão
Pelo machismo do lugar
Ninguém procurou Rita
Sua fama quis propagar
Invenções a seu repeito
Começaram a divulgar.
Primeiro disseram que ela
Era a filha do capeta
Que chegou naquela terra
Sem nunca ter uma chupeta
Seu choro fez até rodar
Uma velha carrapeta.
Segundo aquelas línguas
Rita nunca foi mulher
Nunca comia de garfo
Detestava este talher
Tinha uma forma estranha
De pegar numa colher.
Terceiro, nem sei dizer
Não me contaram direito
Rita recebia o demônio
Pra tudo causar efeito
O velho Quinca morreu
De dor profunda no peito.
Aprofundando o assunto
É bom não pesquisar
É melhor pra todos nós
Nunca querer analisar
Quem foi Rita de fato
Para não banalizar.
Dalemar gritava forte
Sem nunca dá cabimento
Queria um amor na vida
Que matava seu sentimento
Um cabra valente e forte
Que não lhe desse tormento.
Estava difícil portanto
Alcançar esse objetivo
Toda gente do lugar
Viveu o intempestivo
Não nascia menino alí
No real substantivo.
Dalemar tinha um segredo
Que não dá gosto contar
É do seu passado na vila
É bom nem se espantar
Ela dançava no circo
E tantas vezes vi cantar.
Certa noite num lugar
De nome desconhecido
A Dalemar foi se ver
Com cabra bem parecido
Vindo das bandas do Sul
Que tinha lhe oferecido.
Na terra de sertão bravo
Onde o sol sempre a queimar
Morava a parteira antiga
Por nome de Dalemar
Sabida e de bom coração
Com o seu lindo pomar.
Já trazia em sua sina
Do nascer o dom sagrado
Mãos que no ventre operavam
Milagre bem respeitado
Pelo povo era querida
Por Deus sempre abençoado.
Um certo dia, bem cedo
Quando a lua ainda reinava
Bateram em sua janela
Uma voz se anunciava
Vim buscar seus préstimos
Uma alma se preparava.
Dalemar, já de prontidão
Sem perguntar ou temer
Pegou sua bolsa e partiu
Sabia que iria socorrer
Naquele sertão deserto
Vida vinha a florescer.
Caminharam noite adentro
O guia à frente ia calado
Um cabra de porte forte
Com jeito meio encantado
Dalemar, com seu rosário
Sentia algo errado.
O homem não dizia nome,
Nem seu destino contava
Apenas que uma criança
No fim da jornada chegava
Dalemar já desconfiava
Mas a fé não a abalava.
Chegaram a uma casinha
Erma, no meio do nada
A mulher gritava com dor
Pela vida dita camarada
Dalemar entrou sem medo
Mesmo estando desesperada.
A Dalemar sofria
Mas, sabia o que fazer
Com suas mãos milagrosas
Começou a atender
Traga-me água fervida
E panos para acolher.
Mas o cabra olhava firme
Sem mover pé nem mão
Foi então que Dalemar
Percebeu a intuição
Ali não era qualquer parto
Havia mais na missão.
O suor escorria forte
A mulher gemia sem parar
Dalemar no seu rosto
Não transparecia o pesar
Fez sua reza baixinho
Sabia com quem iria lidar.
De repente, o silêncio
Pairou naquele lugar
O choro do bebê se ouviu
E a noite voltou a clarear
Dalemar pegou a criança
Sentindo o mistério no ar.
O cabra então se aproximou
Num profundo calafrio
Tomou nos braços o pequeno
E Dalemar sentiu o frio
Era o Cabra do senhor louco
Enviado do sombrio.
Essa alma aqui pertence
Ao meu senhor há muito tempo
Mas foste tu que a trouxe
Com todo o contratempo
Disse o cabra com voz rouca
E o vento soprou passatempo.
Dalemar firme ficou
Com fé de oração
Sabia que seu papel
Era de pura redenção
Deus protege seus filhos
Não cederão à escuridão.
O cabra sorriu amargo
A fé da parteira o venceu
Mas não ousou replicar
Ele sabia que ia perder
E assim, num sopro de vento
O cabra teve que desaparecer.
Dalemar, então, olhou o céu
Agradeceu pela missão
Deixou o bebê nos braços
Da mãe em redenção
E voltou para sua casa
Com paz no coração.
Aquela história correu
No sertão todos tiram o chapéu
Dalemar enfrentou o cabra
E o dom vindo do céu
E o povo do sertão sabe
A parteira tem seu troféu.
Trinta e duas estrofes tem
Este cordel bem narrado
Sobre a parteira Dalemar
E o cabra amaldiçoado
Mas no final, a luz venceu
E o bem foi eternizado.
FIM
João Pessoa-PB, 30 de setembro de 2024.