VELHO BENTO
Eu preciso te contar
A história sem lamento
De um velho lá do sertão
Que se chamava de Bento
Na Paraíba nasceu
Valente por nascimento.
Era homem de respeito
Tradição guardava a fundo
Sua palavra era lei
Em seu pequeno mundo.
Ignorante, é verdade
Mas tinha um amor profundo.
Na infância, quis ser padre
No seminário estudou
Mas o chamado divino
Seu coração não tocou
Preferiu o campo seco
A enxada o acompanhou.
Supersticioso ao extremo
Nunca saía sem rezar
Crendices tinha muitas
No povoado a espalhar
Se um gato preto passava
Voltava logo pro lar.
Com valentia enfrentava
Quem lhe faltasse respeito
Brigava por qualquer coisa
Punho firme, sem defeito
Mas por trás dessa dureza
afirmava que era seu jeito.
Velho Bento é lenda viva
Do sertão desse Nordeste
Entre rezas e brigas
Sua história é um teste
Ignorante, valente
Não pode ser cabra da peste.
Cresceu nas terras secas
Entre gado e plantação
Com pouco livro e escola
Mas cheio de tradição
Ouvia as rezas da mãe
Tinha o terço na mão.
Ainda cedo, o destino
Foi marcado em seu andar
Pensou um dia ser padre
No seminário estudar
Mas entre a cruz e a enxada
Escolheu o chão arar.
Ignorante, o povo dizia
Com pouco saber literário
Mas Bento tinha sabedoria
Do signo de sagitário
Sabia o valor da vida
Já sendo sexagenário.
Na missa, ia todo domingo
Com fé no coração
Mas não seguiu o caminho
Do padre nem do sermão
Preferiu a liberdade
A lida do seu torrão.
O seminário, um sonho
Que Bento deixou pra trás
O campo e os bois chamaram
Com promessas de tempos atrás
Ele trocou os livros santos
Pela lida no sabarás.
Superstição era seu guia
Com medo do sobrenatural
Crendices tinha muitas
Cada uma bem especial
Se a lua cheia surgia
Era tempo de sinal.
Noite de vento e trovão
Era reza sem cessar
Se um gato preto passasse
Ele não ousava andar
Mudava logo de rumo
Voltava pra se benzer no altar.
Se passava por um sapo
Mandava logo um recado
Cruza os dedos e assopra
Pra não ficar azarado
Bento sempre precavido
Mas, porém desconfiado.
Valente como poucos
Não tinha medo do chão
Nem de homem com faca
Ou pistola na mão
Bento enfrentava tudo
Com força e devoção.
Na festa da padroeira
Brigava por qualquer erro
Não tolerava insulto
Nem um olhar de desterro
Quem mexesse com ele
Via logo o seu aterro.
Mas no fundo, Bento tinha
Uma razão piedosa
Rezava a São José
E à Virgem bondosa
Era duro como pedra
Mas de alma generosa.
Com o gado conhecia
Cada pasto e estrada
Sabia quando a chuva
Chegava de madrugada
Tinha jeito com a terra
E com a brava boiada.
O povo o respeitava
Sabia do seu valor
Era Bento, homem firme
Mas também de muito amor
Amava a terra e o lar
Com carinho e fervor.
Mulheres lhe tinham medo
E ao mesmo tempo atração
Pois Bento, apesar da dureza
Guardava grande paixão
Mas nunca se casou
Preferiu a solidão.
Seus dias eram marcados
Pelo sol e pela lida
Mas as noites de rezas
Eram sua despedida
No fundo, Bento sabia
Que tudo tem sua medida.
Velho Bento ficou lenda
Nas terras do sertão
De boca em boca se fala
Da sua forte mão
E de sua superstição
Que movia o coração.
Dizem que até hoje
Sua alma vive nos pardais
Protegendo os vaqueiros
Nos campos e nos quintais
Velho Bento, bravo e fiel
Nos céus já tem seu cais.
Sua história não termina
Nas terras que lhe cativa
Pois Bento vive na fé
E no povo que o aviva
Seu nome, sempre lembrado
No sertão, nunca se esquiva.
Ignorante, valente
Tradição e devoção
Velho Bento é a figura
Que marcou todo o sertão
Nos rincões da Paraíba
Bento é mito e canção.
Assim conto, meu amigo
Com respeito e sem engano
A história do velho Bento
O sertanejo humano
Entre crendices e valentia
Sua vida é um oceano.
Velho Bento era teimoso
Não mudava seu pensar
O que aprendeu com o tempo
Jamais quis modificar
Nas tradições do passado
Era firme a se agarrar.
Falava sempre de Deus
E do diabo, com temor
Acreditava em castigos
Que vinham com certo rigor
Para ele, nada na vida
Se livrava do Criador.
Mas também sabia amar
Amava o vento e o chão
Cada folha seca ao vento
Era parte da canção
Velho Bento tinha o dom
De ouvir o sertão.
No fim de sua jornada
Com rugas no seu semblante
Deixou suas crenças e lendas
Como um grande viajante
Velho Bento virou história,
Nas terras de sol brilhante.
Hoje Bento é lembrado
Por sua coragem e fé
Na Paraíba, sua terra
Onde sua alma ainda é
Parte do povo que conta
Suas lendas de pé em pé.
Seu Bento, velho valente
Lá das bandas de Pilões
Conta vantagem em tudo
Se diz membro das rebeliões
Que no passado se tinha
Só por causa das religiões.
Não esqueça meu compadre
De falar do Velho Bento
Desse sujeito falante
Tão grosso feito jumento
A resposta da sua boca
Só nos causava tormento.
Não me peça pra contar
Que conto sem piedade
De tudo que se passou
Na Fazenda Liberdade
Um velho chamado Bento
Só pensava na saudade.
Sentava lá no terreiro
Sem ter nada que fazer
Pegava aquele pauzinho
Com aquele maior prazer
Rabiscava todo chão
Contemplando seu lazer.
Os escritos deste pau
Ficavam todos gravados
Na mente do velho Bento
Devoto daqueles safados
Que moravam lá em baixo
E viviam pros relaxados.
Nas contidas gravações
Da mente do velho Bento
Recordava da infância
Que causava sofrimento
O lenço bota na cara
Pra contar tanto lamento.
O Velho Bento sentia
Um profundo desejo
Um dia poder voltar
Fazendo aquele cortejo
À sua Veneza querida
Que falava: Te protejo.
O desejo que Bento tinha
Aos poucos foi lhe matando
Causando no seu pensar
Tanto gado ali ver pastando
Mas não conseguia saber
O que vinha se passando.
Dona Zefinha do Pasto
Moradora de José
Se botou pro velho Bento
Que lhe deu um pontapé
Pra ela tomar vergonha
Não cheirar tanto chulé.
Nas batalhas mais concretas
Havia um homem de fé
Que, mesmo sem ser padre
Se guiava por São José
Tradição, crendice e canto
Nas terras que dão café.
Bento fugiu da igreja
E deixou de lado o altar
Para campear com prazer
Sendo vaqueiro exemplar
No coração do Nordeste
O cordel pede pra terminar.
FIM
João Pessoa-PB, 02 de outubro de 2024.