AS HISTÓRIAS DE PICUÍ

Picuí é um barbeiro

Que nunca mentiu na vida

Cortou muito meu cabelo

De forma bem protegida

Filho do agreste nordestino

Na fala quase um menino

Naquela voz ressentida.

Picuí um ser tranquilo

De olhar mais verdadeiro

Estabeleceu na Torre

Aquele famoso barbeiro

Cortador de tanta gente

Sempre ali sorridente

De ricos a biscateiros.

O barbeiro Picuí

Gosta tanto de falar

O cabelo que ele tira

No som vai embalar

Picuí é gente fina

Não consegue se calar.

Picuí não sossegava

Quando não podia emprestar

Dinheiro pra qualquer quenga

Fazia isto por gostar

Presenciei várias vezes

Picuí querendo apostar.

Ele fazendo isso, teve

Estupendo desafeto

A filha do farmacêutico

Que namorou com seu neto

Disse para o mundo todo

Aquela fofoca do feto.

A gravidez de Belinha

Estava na cara estampada

Picuí teria tido caso

E aplicado tanta lapada

Nas costas dessa menina

De marca tão estampada.

Picuí tem cada drama

Que dá gosto de se ouvir

Cortando cabelo e falando

A gente dá até pra sentir

A volta daquele passado

No tempo em que nasci.

Lá no sertão tinha um homem

Barbeiro de profissão

Era o Picuí, valente

Com fama na região

Cortava barba e cabelo

Mas vivia de intrusão.

Contava história pra todos

Cada qual mais exagerada

Dizia que tinha matado

Cobra, onça, e até jagunçada

Se alguém duvidasse disso

A briga já estava armada.

Ignorante era pouco

O Picuí era de ferro

Se mexesse com seu nome

Acabava no desterro

Jurava vingança a sangue

Feito trovão no deserto.

Das antigas era o homem

De respeito no sertão

Usava um canivete afiado

Sempre à mão, na profissão

Cortava cabelo e o medo

Sem dar muita explicação.

Na barbearia pequena

Com cheiro de couro e sabão

Contava suas aventuras

Pra quem tinha atenção

Mas se risse do seu jeito

Saía na mão, sem perdão.

Dizia ter sido soldado

No tempo do cangaço

Que lutou contra Lampião

E escapou por um abraço

A verdade ninguém sabia

Mas era firme no passo.

Sua palavra era lei

E ele não admitia

Que alguém contasse história

Maior do que a que ele dizia

Seu ego era tão grande

Quanto o Sol ao meio-dia.

Na vendinha de seu Zé

Sempre estava no balcão

Tomando um trago de pinga

E armando confusão

Quem discordasse de Picuí

Saía com um sermão.

Tinha fama de vingativo

Com ele ninguém mexia

Se alguém cortasse o cabelo

E não pagasse no dia

Picuí ia atrás do sujeito

Até o fim da vida.

Na vila ninguém ousava

Se meter com sua honra

Pois Picuí, quando bravo

Fazia o povo ficar morno

E no outro dia cedo

O culpado sumia no entorno.

Um dia, chegou um forasteiro

E pediu o seu cabelo cortar

Mas Picuí o olhou estranho

Algo estava no ar

O homem o chamou de velho

E a coisa começou a esquentar.

Sem demora, Picuí

Pegou o canivete na mão

E falou: - Respeite o velho

Ou te dou uma lição!

Aqui quem manda sou eu

E tu some do meu chão!

O forasteiro riu alto

Achando graça do ancião

Mal sabia o coitado

Que ali não tinha perdão

Picuí partiu pra cima

Feito cobra no sertão.

O homem saiu correndo

Sem olhar pra trás

Picuí ficou bufando

Com a navalha que traz

Quem mexe comigo, some

Não volta nunca mais!

Mas o povo já sabia

Do Picuí se falava

Quem o enfrentava de frente

Dificilmente escapava

Ele não era só barbeiro

Era alguém que vingava.

Se uma história começava

O Picuí logo entrava

Mudava o rumo da prosa

E sua versão contava

Pois não admitia que outro

Mais aventuras narrava.

Dizia que uma vez brigou

Com três homens de um só golpe

Quebrou cadeira na praça

E fez um deles dar pinote

Mas o povo ria por dentro

Sabendo que era só um trope.

Teve uma vez na cidade

Que um doutor quis testar

Disse que Picuí mentia

E quis o desafiar

O barbeiro vingativo

Logo o fez se calar.

Respeite meu nome, doutor

Ou a navalha vai cantar

Não pense que por ser letrado

Você pode mandar

Aqui quem conta as histórias

Sou eu, sem precisar estudar!

O doutor ficou sem fala

Saiu da vila apressado

Picuí riu satisfeito

Com o orgulho inflado

E a fama de vingativo

Mais uma vez confirmado.

A esposa de Picuí

Coitada, vivia calada

Pois se ousasse falar alto

A briga era declarada

Ele dizia: "Em casa mando

Como mando na toada!

Mas ela sabia do jeito

Do homem rude e bruto

E evitava encrenca

Mesmo quando tinha insulto

Pois o Picuí vingativo

Era como cão astuto.

Um dia, chegou à vila

Um jovem sem muita idade

Chamou Picuí de Velho

Com pouca seriedade

Mal sabia o coitado

Que teria dificuldade.

Picuí não perdeu tempo

E logo foi de encontro

O jovem ainda riu alto

Mas logo parou no pronto

Pois o velho vingativo

Fez a piada ter desconto.

Pelos becos da cidade

Só se ouvia falar

Que o velho Picuí

Não deixava escapar

Quem mexesse com ele

Era sempre a vingar.

Na feira ele comprava

Tudo fiado, sem pagar

E dizia: - Sou barbeiro

Quem de mim vai cobrar?

Mas se cobrasse o Picuí

Melhor era nem tentar.

Mas no fundo do seu peito

Picuí guardava dor

Pois o velho já sabia

Que vingança não traz valor

E seu coração sofria

Mesmo que escondesse o rancor.

Mas com o tempo foi parando

De contar tanta bravata

Ficou mais quieto na praça

Lembrando da vida ingrata

E a navalha, que cortava

Agora dormia na mata.

O povo ainda o temia

Mesmo já velho e cansado

Pois a fama que carregava

Tinha se tornado um fardo

Picuí se via sozinho

Num sertão abandonado.

As histórias, que eram muitas

Já ninguém mais escutava

O velho barbeiro Picuí

Nas sombras se apagava

Mas quem lembrava da sua ira

Ainda por longe passava.

E assim foi seu destino

Do barbeiro vingador

Contador de tantas mentiras

Mestre do próprio valor

Que no fim só restou dele

O silêncio e a dor.

No sertão, até hoje ecoa

O nome de Picuí

Quem cruzou seu caminho

Não esquece o que ele fazia

E a lenda do barbeiro

Ainda vive na poesia.

FIM

João Pessoa-PB, 04 de outubro de 2024.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 26/09/2024
Reeditado em 06/10/2024
Código do texto: T8160540
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