QUE MENINO METIDO

Minha vó já me contava

Isto quando eu era um menino

Me lembro daquele tempo

E do sábio Alexandrino

Um velho de barba longa

Um típico palestino.

E o nobre Zé Constantino

Era um grande agricultor

Admirava os cafezais

Das terrinhas do meu avô

Naquelas tardes gostava

De me chamar de doutor!

Este era o nome, senhor

Que aquela dupla dizia

Andando por todo sítio

Tantas histórias ouvia

Muito embora a vovó

Todas elas, contaria.

Recordo dum certo dia

A minha vó me chamando

Constantino me avisou

E foi logo reclamando

Dizendo que minha vó

Estava só me esperando.

Eu ia pra casa pensando

Naquela tão bela história

Constantino tinha jeito

Pois, ficava na memória

Alexandrino me disse:

- Vou falar da palmatória.

Imaginando a oratória

Daqueles velhos senhores

Uns dos meus primeiros mestres

Na arte de ser contadores

Minha infância fantasia

Aqueles grandes doutores.

Nos almoços dos sabores

A dupla é convidada

Meu avô com chapéu de couro

O coloca bem na entrada

A mesa estava servida

Doce bom e laranjada.

Comida sendo encerrada

Chegava hora do descanso

Todos três naquela sala

Como água no remanso

O meu avô dava um cochilo

Na cadeira de balanço.

Eu nunca invento o que alcanço

Tirando da minha mente

Vou tentar com precisão

Falar de forma decente

Buscando nas entrelinhas

Uma maléfica enchente.

Bem assim tão de repente

A tragédia aconteceu

Cafezais se perderam

Meu avô muito sofreu

Nós ficamos quase ilhados

Foi assim que tudo se deu.

Recordo de Seu Pompeu

Procurando pelo gado

Chorando feito menino

Ficando desesperado

Por todo lugar que fosse

Nada seria encontrado.

Eu um pouco meio danado

Queria tudo entender

Diante as águas correndo

Só queria me entreter

No meu cavalo de pau

Comecei cedo a correr.

Todos queriam poder

Renascer do sofrimento

Daquela cheia maldita

Onde só houve lamento

Minha avó ficou rezando

Naquele confinamento.

Seu neto chamado Bento

Quis tão somente brincar

Durante o grande episódio

Não conseguia pensar

Sua casa estando no alto

Fez o povo se livrar.

O rádio nem quis pegar

Nada se tornou possível

Morador sem poder sair

Numa situação horrível

Quando este rádio pegou

Foi dizendo: - Que terrível!

Este foi o lado sofrível

Da minha bendita infância

Vida voltando ao rumo

Não via tanta importância

Fruto daquele menino

Que não visava ignorância.

Vi passar uma ambulância

Perguntei pra minha avó

O que estava acontecendo

Naquele dia de sol

Ela com calma responde

Que tinha sido a Boró.

A moça do caritó

Que todo povo falava

Era uma linda brejeira

Foi o quanto se comentava

A boró deixou saudade

Eu nunca mais avistava.

Meu coração soluçava

Naquele lugar bonito

Devastado pela água

Deixando o povo em conflito

Minha avó me acalentou

Me vendo muito aflito.

Naquela noite ouvi um grito

Muito triste fiquei:

- Meus avós estão dormindo!

Bem depressa me acordei

Depois de ver tudo aquilo

É claro que perguntei.

Sinceramente não sei

Mas, algo logo me vem

Me chega, sim, a lembrança

Por onde andava um alguém

Um trabalhador honrado

Que chegou ali de Belém.

Era gente só do bem

Mas, de verdade, eram dois

Constantino e Alexandrino

Cuidavam tantos bois

Que eram soltos nesta terra

Deixo pra contar depois.

Propriedade de arroz

Que havia na redondeza

Pois, se perdeu por completo

Tanta fartura e riqueza

Andando com o meu avô

Apreciava a beleza.

Em mim havia a certeza

De voltar pros cafezais

Ouvir as belas histórias

Após águas infernais

Eu quis ver o Constantino

Que disse: - Sou capataz!

Eu não queria jamais

Tocar sobre aquele assunto

Onde eu sem nada saber

Vi passar tanto defunto

Vítima que foi levada

Pra cidade de pé junto.

O enterro feito em conjunto

Só fizeram me iludir

Num desaparecimento

Só vi foi gente fingir

Escondendo só verdades

Mais uma veio surgir.

Vou agora me permitir

Se não já vou me esquecendo

Por onde andou nosso mestre

Que me viu ali crescendo

Se ele estava ainda bem vivo

Ou se ele estava morrendo.

Alexandrino foi obtendo

O seu destino infeliz

Naquela enchente cruel

Não escapou foi por um triz

Me restava Constantino

Quem sabe assim sou feliz.

Nem soube deste país

Se enchente era de verdade

O rádio noticiava

Com temor e crueldade

Sem falar de Constantino

Numa constante maldade.

E eu com aquela vontade

Vou direto pra explicar

Só depois que estava grande

Foi aí que fui encontrar

Alexandrino num leito

Chorando tentou falar:

- Um alguém quer entregar

O teu cavalo de pau

Feito pelas minhas mãos

Quando estava no hospital

A fama ficou com ele

Mas eu achei tudo normal.

Esse cordel no final

Vem com desaparecido

O seu nome Alexandrino

Que foi mestre preferido

Entregando meu presente

Diz: - Que menino metido.

FIM

João Pessoa-PB, 28 de outubro de 2020.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 21/09/2024
Reeditado em 19/10/2024
Código do texto: T8156942
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