Mas o pôr do sol tá bonito...
É um combo de sintomas que a gente abomina
Ardência nos olhos igual a de conjuntivite
Nas vias superiores tem rinite e sinusite
E um bloco de granito dentro de cada narina
Do nada a gente acorda falando com a voz fina
O ar que a gente inspira é como o bafo do dragão
E a garganta tá queimando feito boca de fogão
A hidratação das mucosas a cada minuto mingua
Tá faltando liquidez até debaixo da língua
O organismo tá no limite de sofrer um apagão
Na absoluta secura não há relativa umidade
Tem gente que queima a mata pra plantar
Tem gente que queima a lavoura pra sabotar
Pra interditar a estrada por falta de visibilidade
Pra dar fim no lixo a cada oportunidade
Na boa, não tem como não achar isso tudo muito esquisito
Coerência entre dito e feito sempre deve ser requisito
Quem vive no presente em permanente mental confusão
Condena o próprio futuro pela ausência de visão
Mas o pôr do sol tá bonito...
Com combustível fóssil o carro a gente abastece
É dióxido de carbono direto na atmosfera
Fertilizante mais o dejeto que a bactéria libera
De óxido nitroso o ar "enriquece"
E a história do metano todo mundo conhece
Vem do fundo do lixão e do arroto do ruminante
Tem cheiro de podridão e efeito impactante
Os gases fluorados são pra refrigeração
Do calor do sol provocam a retenção
A Terra tá esquentando em ritmo alucinante
Os oceanos tão virando ofurôs colossais
A mil por hora as geleiras tão derretendo
Do mapa arquipélagos tão desaparecendo
E a morte branca tá dizimando os corais
Pra arrebentar com a harmonia precisa só de um grau a mais
E o que era simbiose se transforma em conflito
Intoxicado pela alga, o coral fica todo aflito
Perde alimento e cor com o fim da relação
Um cemitério marinho é o que resta da destruição
Mas o pôr do sol tá bonito...
Mas ter a vida confortável é a maior prioridade
Do rio a gente desvia o curso e faz represa
Pra gerar "energia limpa" pra casa e pra empresa
Com menos custo e mais lucratividade
Quem liga pro que sofre a ribeirinha comunidade?
Quem se importa com o dano à floresta causado?
Quem pensa no depois do ambiente modificado?
Na estiagem a turbina não gira em vão
Bora trocar de usina e queimar óleo e carvão
Pra manter o "ambiente da gente" climatizado
Não cabe negação pro que já é mais que certeza
Os que eram incrédulos agora se afligem
Ao ver o astro-rei tapado com a fuligem
E cidades inteiras levadas pela correnteza
Milênios de trabalho da Mãe-Natureza
Maravilhas pra durar pra além do infinito
Em nome de um progresso maldito
A gente destrói num único segundo
Tâmo acelerando é pro fim do mundo
Mas o pôr do sol tá bonito!
Já faz tempo que o ano não tem estação definida
O dia amanhece com dez graus, mas à tarde faz quarenta
Não tem sistema imunológico que aguenta
E é a gente que torna o planeta mais inóspito à vida
E já não cola mandar aquela resenha batida
De que tragédia climática é coisa normal
Tâmo fazendo aragem virar vendaval
Tâmo promovendo brisa pra tufão
Tâmo turbinando Zéfiro pra furacão
Tâmo contando corpos ao fim do temporal
Tâmo nós contra a gente mesmo na agressão mais intensa
Tâmo convertendo os rios voadores
No puro creme do "Show dos Horrores"
Um deletério fluxo de cinza suspensa
Bora parar pra rever o que a gente pensa
Bora pedir perdão com o coração contrito
Bora fazer o que é certo antes do último grito
Bora empunhar, pra valer, a bandeira da preservação
Pra poder dizer, do fundo do coração,
Sem "filtro de poluição", que o pôr-do-sol tá bonito...