MANÉ DE TIA CHICA LEVANDO VANTAGEM EM TUDO
Estou escrevendo de novo
Este cordel que deletei
Ficou na memória
Mas ou menos assim comecei
E pra encurtar a história
Vamos ver o que farei.
Mané de Tia Chica
Era rico e bagunceiro
Sua vida de menino
Era um bicho encrenqueiro
Apontava o destino
De um cabra assim presepeiro.
Levava vantagem em tudo
Nas pequenas coisas da vida
Filho de Sinhá Zefinha
Mané de mente poluída
Tinha como pai Chico de Biuzinha
Se zangava ao perder uma corrida.
Dona Zefinha morreu
Juntamente com Seu Chico
Criado por Tia Chica
Fazendeira da Tico-Tico
Brincava quando criança
Era assim Mané de Passarico.
Passarico era redondeza
Do Major Francisco Matia
Homem rico e da sociedade
Brabo no medo da valentia
Sério e de falar verdade
Dava em Mané todo dia.
Mané era esperto
Rico que só vendo
Não tinha sorte no amor
O coração fica logo sofrendo
Falar disso é causar dor
E Mané tá quase morrendo.
Quando pequeno Mané
Brigava e dava em menino
As queixas eram diárias
E tome surra no cretino
Coitado daquele Mané
Vivia batendo sino.
Dona Chica, coitada
Gostava demais de Mané
Mas este era levado
Dava tia olé
Perverso e malcriado
Só queria ser Pelé.
Fazia aposta e ganhava
E quando perdia ninguém via
De olho numa bela senhora
Mané entrava numa agonia
Quando soube lhe deu um fora
Quase morre de pneumonia.
Deu um nó no rabo
De vaca que tava prenha
O pai puxou a orelha de Mané
E esse se meteu na brenha
Recebeu cascudo e pontapé
Rezo a Nossa Senhora da Penha.
Chico de Biuzinha
Não era nome verdadeiro
Assim era mais conhecido
Francisco Matias Brasileiro
Não sei por que tal apelido
Do pai do presepeiro.
Não sei o nome da sua mãe
Mas pouco importa no momento
O personagem principal é Mané
Ver como se deu seu nascimento
Tenho que ficar de pé
Pra contar o acontecimento.
Mané não era filho legítimo
De Chico e de Zefinha
Foi encontrado numa sacola
Trocado por uma galinha
Por um homem que pedia esmola
Na porta da comadre vizinha.
O casal não tinha filho
E Mané era o único herdeiro
Dona Zefinha cuidadosa
O batizou de Manoel Matias Brasileiro
Cuidou do rebento, tão jeitosa
Mas não tinha jeito o encrenqueiro.
O batizado de Mané foi coisa
Pra ninguém botar defeito
Quem a fez foi uma empresa
E Mané já era sem jeito
Dez cabeças de gado na mesa
E Mané pedia rejeito.
Cagou na roupa do padre
Mijou na madrinha Nonô
E berrou feito um jumento
Pra ele parar com o chororô
Teve a bênção do Papa Bento
E da entidade Xangô.
Mané crescia bonito
Sadio e filho de fazendeiro
E era natural que o safado
Fosse tão desordeiro
Talvez fruto do pecado
Das invasões do estrangeiro.
Falo em desordem
Porque é assim que vejo
Mané aprontava na fazenda
E soltou na casa percevejo
Tocou fogo dentro de uma venda
E disse que era seu desejo.
Quando o pai sabia
Era peia no lombo
E Mané como desentendido
Fez uma égua cair no tombo
Não era mais que atrevido
O telhado ficava um rombo.
Ninguém mais aguentava
Daquele menino as safadezas
Não tinha surra que resolvesse
Mandava de volta às profundezas
E se ele um dia merecesse
Talvez tivesse todas as riquezas.
O assunto é sério
E não saiam da leitura
Isso é o que captei
De Mané tanta frescura
Nem sei se me lembrei
De contar mais uma loucura.
Já falei da sua infância
E agora peço atenção
Levando vantagem em tudo
Vivia assim o molecão
Crescidinho e todo parrudo
Atrevido e brigão.
Não tinha pai e nem mãe
Tia Chica logo lhe adotou
E Mané nunca queria perder
Não tinha sorte no amor
Aprontava sem ver pra crer
Resultado disso a dor.
Pois é, tanta riqueza
Tanta loucura por nada
O cabra era um sem sorte
Mané logo deu uma olhada
Uma menina vinda do Norte
Quis ser sua namorada.
Mas quando dela se aproximou
Ela se fez de mal entendida
Pediu segurança ao pessoal
Em Mané grande ferida
O bicho levou um pau
Era safada a atrevida.
Não tinha desse mundo
Que Mané não botasse o olho
Mas não tinha sorte o sujeito
Lhe chamaram até de Chico Piolho
Nele a dona botava defeito
Porque o bicho comia repolho.
Tanta riqueza pra nada
E a personalidade sendo formada
Mané queria vida boa
No amor só dá mancada
E tava na cara daquela pessoa
Dele ninguém gostava.
Na idade de adolescente
Herdeiro dos brasileiros
Mané tomou as terras dos colonos
E eles saíram como forasteiros
Deixou todos em abandonos
Contratou até fuzileiros.
Quanto mais tinha
Mas Mané queria porque queria
Tinha banco na capital
Condomínio de mil casas na Bahia
Edifício de repartição federal
Mas lhe faltava a alegria.
E até hoje ninguém sabe
A falta de sorte no amor
Desse famoso Mané Matias
Mas seu coração não tinha valor
Criado e amado por uma tia
Na vida um sofredor.
Ficou mais rico
Do que sua Tia que lhe criou
Rios de dinheiro o bicho tinha
Seu passado lhe causa pavor
E até hoje não come galinha
Ninguém a razão do pavor.
Sua tia já velha
Passa tudo pro nome de Mané
E este ainda acha pouco
Fecha e doidos dão no pé
Quer um hospital de louco
Dentro uma capela de fé.
Fez tudo isso e tranquilo ficou
É sangue de barata o cretino
Só pensa em riqueza e destruição
Mas é assim o seu destino
Sabe de toda reza e de oração
Mas lhe falta coração de menino.
Quanto mais ganhava
Mas Mané queria ganhar
E quanto mais tinha dinheiro
Só queria na vida ganhar
Mandava pro estrangeiro
No banco alheio depositar.
Levava vantagem em tudo
Menos na questão do amor
Eu sei quem faz aqui paga
Que veio ao mundo só pro horror
Acho que ele era uma praga
Tinha guerra e nunca amor.
Mané não tinha mais ninguém
Vivia sozinho sem ser amado
Não tinha uma mulher nesse mundo
Desse chance aquele desgraçado?
Que pelo menos um segundo
Pelo mundo era amaldiçoado.
Tinha não, não tinha mesmo
O cabra era mesmo azarado
Nas coisas vindas do coração
Ao ver uma mulher ficava grudado
Ele não transmitia nenhuma emoção
De fato era um azarado.
Não tinha amigos, eu sei
Usava todos com pagamento
E não valorizava seus empregados
Entrava ano e não dava aumento
Todos eram mal tratados
Mané da pessoa era o sofrimento.
Sua tia já morta
Não tinha com quem falar
Era uma solidão sem fim
Tudo queria ganhar
Mas mesmo assim
Algum dia tem que pagar.
O tempo de criança passou
O tempo de menino foi-se embora
Mané já grande não conhecia paixão
Mulheres lhe davam um grande fora
Era um bicho espumando de solidão
Como cavalo na chegada da espora.
Cada dia Mané mais rico
Mais solidão em seu viver
Possuidor de bens incontáveis
E mandava todo mundo sofrer
Mas não ajudava aos miseráveis
Seu lema era ganhar e nunca perder.
Era ruim aquele cabra
Não valia uma cocada
Não queria saber de parente
Família tão desgraçada
Dizia que essa gente
Vivia de luxo e marmelada.
E a família toda triste
Apesar de todo mundo rico
Mas Mané era muito ingrato
Dizia – tome no butico
Com dez mil pares de sapato
Só dou a vocês meu tico-tico.
Tico-tico era um papagaio
Que nada falava
E já perto de morrer
Mané a todo mundo enganava
A família sempre a perder
E tico-tico somente chiava.
Era um palavreado sem dó
Daquele pobre infeliz
Achava que tinha poder no mundo
Falar nisso, Mané nunca quis
E numa sacola, bem no fundo
Dizia ao mundo ser feliz.
Ai daquele que falasse
Do seu passado de troca
Por uma galinha foi trocado
E hoje não passa de cobra choca
Pelo casal foi bem cuidado
Dizem que veio de Itapororoca.
Mané não confia em ninguém
Tudo passa pela sua mão
Ai daquele que ele desconfiar
Do cabra todo cunhão
Manda por inteiro capar
É verdade meu irmão.
Eu me pergunto, meu Deus
Mané, que tanto aprontou
Vai terminar este cordel
E as maldades que deixou?
Ganhando lugar no céu
Nada, porque o cabra pecou.
Pra frente é que se anda
Vamos ver no que vai dar
Se Mané pagará o prejuízo
Deixa esse povo falar
Mesmo no final do juízo
Vamos pra frente caminhar.
O bicho continuava aprontando
E desta feita numa aposta imensa
Ganhou vinte mil hectares de chão
Foi-se embora e nada de recompensa
Coitado do Chico do Riachão
Ficou só com uma imprensa.
Mané era ruim, não é verdade?
Não ajuda ninguém nessa vida
Vive só de lucro e luxo
Que lhe faça guarida
Mas não tem um relabucho
Que aponte agora uma saída.
Tem castigo maior
Do que viver desse jeito
Sozinho e dessa maneira
Mané tinha um defeito
E pra acabar a brincadeira
Mané ainda tem direito?
Pois é, quem faz aqui
Aqui mesmo faz o pagamento
Mané tinha um pequeno pinto
Morria de vergonha o nojento
Não vi, mas também não minto
Só sei que esse era o sofrimento.
Um dos empregados
Sabendo de toda essa verdade
Caboetou em toda a redondeza
Na descoberta daquela crueldade
Mané colocou toda a sua riqueza
A serviço daquela maldade.
Mané ficou pra lá de furioso
E viajou pra fora da Nação
Dispensou os empregados
Tomando conta do seu torrão
Deixou todos os delegados
Seguindo os passos do cidadão.
A notícia se espalhava
Rapidamente por toda cidade
Mané distante, quando iria voltar?
Com ele e sua vaidade
O povo queria mesmo era frescar
Dizer ao povo toda a verdade.
No estrangeiro, Mané
Arranjou uma norte-americana
Achando que Mané era abestalhado
A gringa ficou sem nenhuma grana
Desafiou aquele malvado
Depois a bicha foi em cana.
Não tinha jeito esse Mané
Em matéria de dinheiro
Não tinha quem dele ganhasse
Ai quem falasse em pistoleiro
Só não queria que ninguém matasse
Mané era mais que bandoleiro.
Mané mandava surrar
Apostava e ganhava aposta
Tomava terra e coisa e tal
E nunca caiu na bosta
Aspecto de um grande mal
Sua língua logo se encosta.
No estrangeiro ficando mais rico
Mané não sabia onde botar riqueza
Ficou sócio do Banco Mundial
E voltou ao país nos braços da nobreza
Deu um golpe num fulano de tal
Mané nos deu muita tristeza.
Manoel Matias foi eleito
Governador do Estado
Depois presidente da Nação
Um famoso coronel endieirado
Dono das terras de todo Sertão
O sujeito era endiabrado.
Mané ficou sendo
O indicador de toda politicagem
O chefe maior de toda eleição
Só pra prática da sacanagem
Fechou uma praia na região
E ali fez a sua paisagem.
Na política Mané era assim
Mandava botar e tirar
O cabra não tinha voz nem voto
Na parede ele mandava pregar
Quando falhava tome foto
E uma surra prometida dar.
A sacanagem era tanta
Que pra falar com Mané
O cabra só via de ano em ano
Mas ainda sem uma mulher
E tome tanto desengano
No povo dava somente olé.
Pois nenhum amor na vida
Mané no coração possuía
A idade avançava de repente
E de fora muita gente via
E Mané parecia que não era gente
Tinha ruindade e calado sofria.
Quem pensava em passar a perna
Em Mané em algum momento
Tirasse o cavalo da chuva
Era um vinho no enchimento
Comprou toda plantação de uva
De um tal Mané de Bento.
Dono de fazendas de bovino
De uva, acerola e mamão
Fornecedor número um do café
E comprou as fábricas de todo Japão
Pagou toda propaganda do Rei Pelé
Com dinheiro vindo da plantação.
Era riqueza que não se acabava
E o povo ainda calado queria
Ficar frente a frente com Mané
Com aquele senhor viveria?
Perguntar por que nenhuma mulher
Com ele viver gostaria.
Mané dizer ser heterossexual
Preconceituoso até dizer basta
Era machista de marca maior
E assim talvez fosse a sua casta
Mas tinha aquilo cotó
Na sua mente vasta.
Ele espantava qualquer cristã
Com suas palavras de conquista
Era um jumento quadrado
Nem por interesse tinha alguém na lista
Em questão de ser amado
Não era nada de artista.
E o segredo de Mané
Cada vez mais perto da descoberta
Até porque ele ainda era donzelo
Que se escondia por detrás de coberta
E tinha um pequenino pitelo
Não que isso não nos aperta.
Mané usava vinte pares
De cueca samba canção
Pra levantar a moral do bicho
Uma louca foi a opção
E numa festa lá em Carrapicho
A louca fugiu com seu calção.
Mané corria de um lado
A louca do outro corria
Mané gritava e pedia clemência
Confundiu Mané com vigia
A mulher em plena demência
Apontava Mané e a putaria.
Essa ficou na história
E pouca gente sabia dela
Mas Mané inteligente
E este voltou pra ela
Encheu o vigia de aguardente
E deu uma surra nela.
Mané era um azarado
Em toda questão de sentimento
No capital não existiu mais famoso
Deixou gente em sofrimento
E como Mané era guloso
Comprava até arrependimento.
Mané de tanto dinheiro que tinha
No próprio dinheiro fazia conta
E no banco que ele depositava
Somente pra Mané fazer afronta
O juro cada vez mais aumentava
E de tanto número cabeça ficava tonta.
Desesperado e sem jeito com mulher
Mané queria aumentar o pinto
Foi pra Polônia fazer operação
Colocar outro no recinto
E era feia aquela situação
Se preocupava bastante com o distinto.
Não havia condição
Não tinha dinheiro que pagasse
Aquele aumento de sexo
E Mané queria que aumentasse
Porque não havia nem reflexo
E dinheiro nenhum pagasse.
O pinto foi muito judiado
Amassado e deu uma doença
Mané dizia que pagava o que fosse
Era tarde, não tinha mais crença
E quando a biópsia o médico trouxe
Melhor tirá-lo aquela ofensa.
Não tinha como aumentar
O tamanho já era o bastante
O problema com mulher era na mente
Tamanho não é importante
Não no pinto da frente
Mas no que fica mais adiante.
Quando a ficha caiu de Mané
O tempo já era diferente
Seu passado não podia limpar
A ruindade causada a tanta gente
E foi na doença que veio a reclamar
Mané era um total demente.
Mané quis voltar a Passarico
Pagar todos os pecados
O lugar era um deserto profundo
Pensava nos que foram mal tratados
Lá nos cafundós do mundo
Pagar as dívidas dos antepassado.
Quimioterapia Mané fez
E nada de cura se aproximar
Mané fazia promessa
De logo tão logo se curar
E tinha logo pressa
Pois de novo queria aprontar.
Mas nada é como a gente
De certa maneira quer
Tudo tem olho do divino
Se curou e se deu bem com mulher
E não é que aquele cretino
Na religião começou botar fé.
Abriu um lar pra criança
Um abrigo pra idoso
Dez escolas para os pobres
E foi viver com Anita Barroso
Recebeu dinheiro dos nobres
E o chamaram de Mané Gostoso.
Uma mulata vinda da África
Bonita que não tem por aqui
Botou o pinto pra funcionar
E Passarico quis reconstruir
Chegou um menino pra criar
E Mané começou a sorrir.
A infância estava naquele lugar
Na doença Mané se redimiu
Mas o filho que ele deixou
Na história Mané sumiu
Na política ele plantou
Ser do bem nunca se permitiu.
Anita herdeira de tudo
Juntamente com o filho
Melhor senhora da redondeza
Dinheiro não era empecilho
Ajudava a quem tinha pobreza
Florava na terra o milho.
Deu continuidade às obras
Administradora de mão cheia
Pedro Matias se meteu na política
Muito diferente do cabra de peia
Gostava de ouvir qualquer crítica
Mesmo vinda da boca de uma sereia.
Foi-se embora o Mané
Que perdeu muito tempo na vida
Em busca de riqueza sem valor
Conheceu a cicatriz de toda ferida
Teve que passar pelo caminho da dor
De cada uma fez despedida.
Estou me despedindo de novo
Deste cordel que tinha deletado
Pois resgatei um pouco do que sabia
Hoje já paguei esse pecado
Vejo em Mané muita euforia
E no leitor um grande desagrado.
Mandaram e-mail pra mim
E pedem clemência
Eu não respondi
Perdi a paciência
Esse Mané e a tia
Só ouvem sofrência.
Não quero cometer equívoco
E nem tampouco me esquivar
Sei que Mané não merece respeito
Não é bom nem falar
Mané tem lá o seu direito
E é melhor nós se calar.
E aqui com a permissão
De Mané e de vocês
Encerro aqui esta versão
Que contei mais de uma vez
Alivia meu coração
Leitor meu freguês.
F I M
João Pessoa-PB, 09 de maio de 2001.