AS AVENTURAS DE UM FELA DA MÃE
Peço licença a quem tiver paciência
Ouçam tudo pela razão da ciência
Quando se ama na meninice é dó
Faço um trajeto e ainda melhor
Narrar as aventuras de um fugitivo
Conhecido por Fela e tanto adjetivo
Saiu de casa pela situação complicada
Andarilho da paixão não conquistada
Seu olhar de poeta existencialista
Vivia no fracasso e era machista.
Quis amar e apenas escritos teve posse
Eu sei que você que está lendo torce
Pelo final feliz deste ser poetizado
Que possuindo poema entocado
Nas sombras malditas da idolatria
Recitou um por um quando fugia
Com lindos versos na mente
O Fela da mãe partiu decentemente
E contando sua história agradeceu
A quem quisesse e como aconteceu.
As presepadas de um homem sofredor
Vivendo de amarguras e dor
Perdeu quem mais admirava, soluça
E neste instante a situação é russa
O Fela da mãe sofre pela busca
E seu vício maior lhe ofusca
Canta uma canção que nunca termina
De longe avista uma famosa menina
Chorou de desgosto e toda gente viu
É a trajetória mais triste deste Brasil.
O Fela da mãe tem no seu pensamento
Vontade imensa de acabar o sofrimento
A moça se chega como nada quer
Dá um riso de quase mulher
Chama o peregrino de bem amado
Mas em poucos minutos é rejeitado
Ela tem dono e o sujeito é bravo
Oferta pra ela um perfumado cravo
E o Fela da mãe sem nada entender
Leva um chega e novamente a sofrer.
Seguindo viagem coitado do Fela
Se banha no rio, de lama se mela
Sua cara é amarela, vive sonhando
O rio precioso, nele vai se banhando
Encontra uma pedra e esta é de ouro
Apanha muito com lapada no couro
Amaldiçoa o lugar e faz disparada
Quer alcançar outra estrada
Sua fala é fanhosa e arrastada
Nela há sempre uma palavra errada.
Seu português é de quem nunca estudou
Desconhece sinais e diz que jamais colou
Na escola aplicado e só nota boa
Ajudava colegas e não perdia aula a toa
Hoje se sente fora do tempo e do espaço
Não entende os métodos do fracasso
Não viveu no passado, colhe dissabor
Caminha ligeiro, pretende ser doutor
Coitado desse Fela é pura enrascada
É molenga e tem tatuagem marcada.
De tanta encrenca já virou perseguido
Nunca brigou, mas encontra atrevido
Caminhando nas pegadas dos sonhos
É ilusão colhida nos olhos tristonhos
Seu amor antigo lhe deu um fora
Surrupiou e montou espora
Diz ser estéril e quer ser pai
Corre campo e a resposta não sai
Foi num terreiro ouvir pregação
Resolver os pecados do seu coração.
Já jogou futebol e sente saudade
O Fela reza e expulsa a maldade
Sua vida cheia de incertezas
Conhece rios de correntezas
Sonha com um sistema melhor
Mas se depara com tudo pior
Nos causando diversos dilemas
Eis a causa dos problemas
É assim o homem desse século
Duvidoso e às vezes incrédulo.
Sua genitora, melhor nem falar
Seu pai, vive a reclamar
De ter um crápula de tanta intriga
- “Melhor fosse uma rapariga
Que me trazia conforto
Não um pobre que está morto”
Um filho único como se relata
E vejam vocês do que se trata
É esse Fela que já não aguento
Só encontro nele sofrimento.
A mãe, uma sem compaixão
Se excluiu por pura convicção
Vive de aposentadoria da coluna
Eu tenho piedade , em suma
Não só da mãe como do genitor
Pelo único filho não sentir amor
E deixá-lo ser apelidado pelo que é
Não haveria de ser devoto da fé
Falar desse Fela não é fácil
Quanto mais vindo de Inácio.
Um velho de poucos amigos
Cara fechada sobre os perigos
Torcedor do pó de arroz
Distante da relação a dois
Perdia o time, ficava doente
Sofria o Fela incompetente
Quem já viu uma coisa dessa!
Não tem quem o impeça
Nem mesmo Conselho Tutelar
Que conserto ao caso vá dar.
Somente as mãos do poderoso
Colocarão naquele bondoso
Um transeunte que almeja
Algo de bom para o que planeja
Mas como voltar para casa?
Está distante, não possui asa
Quer ajuda e nada de ser ajudado
Quer emprego, de andar vive cansado
É um padecer árduo e eterno
Podia até dizer que “tá no inferno”.
Mas não, vive os dentes arreganhando
E cada passagem diz: “Estou acertando”
O Fela é mesmo um azarado
Jogou no milhar e tudo acertado
Perdeu o bilhete e nada valeu
E ainda por cima ao dono respondeu:
- “O dinheiro é seu, fique com ele
Não estou precisando dele”
Que homem de sentimento puro
Faz do claro a solidão do escuro!
Lá na frente ao parar numa praça
De uma pequena cidade sem graça
Viu carros pipas cheios de água
Lavou o rosto, escondeu sua mágoa
Pelo chefe foi chamado a atenção
O líquido era pra sede do sertão
Botou pra fora tudo tomado
E ainda pelo capanga fora surrado
Mesmo assim seguiu viagem
Observando a mutação da paisagem.
Agradecia a Deus pelo que via
Pediu rancho na casa de Zé Cotia
Mulato ignorante que havia no lugar
Brabo só no jeito de andar
Mas foi recebido muito bem
E ainda no bolso levou um vintém
O Fela buscava um trabalho
Arranjou num cassino, limpar baralho
Foi o que fez durante a estadia
Mas é que o dono com tanta freguesia.
Entregou bilhar e logo avisou:
- “ Tem que ser pra hoje, meu amor
Não passe um minuto se quer
Se não tu vai usar roupa de muié”
Limpou cartas e saiu decepcionado
O dono do lugar era um tarado
Deu em cima dele e como deu
O Fela entristecido quase morreu
Houve até ação da polícia no bar
Interditou os níqueis e pra encurtar.
O senhor gringo vai pra cadeia
Muita gente inocente levou peia
O Fela vivia a tudo antagônico
Entremeado com o amor platônico
Como um sujeito cabriola
Que vivia a pedir esmola
E seu alforje apático
Sem nada conter, estático
Tudo que fazia dava banzé
Pelos cantos tomava pontapé.
Esse Fela, às vezes tão apático
E se corria, era como ficar estático
Os dirigentes querem a certidão
Não existe, fizeram na mão
Mas a instituição só uma autêntica
E como não dizer, idêntica
Para assim garantir ao menino
Escola integral e um bom ensino
Como campônio foi-se apoquentado
Estando ele simplesmente arretado.
Correu e não serviu, pois a cambada
Solicitava dele toda a papelada
E Fela nada tendo, se viu perseguido
Na zona urbana veio a ser querido
E prevalecendo a ideia de emoção
Fraudou o documento e teve perdão
Só que diante dessa vida patética
Sobressaía com sua boa estética
O Fela era articulado e no acalanto
Cantava e de vez em quando o pranto.
De não ir pela linha do aceitável
E sim, pelas ondas do imaginável
Sua família dizia: “ Ele está morto”
Na verdade era um viver torto
Ao passar numa espécie de acrópole
Sentiu calafrio de sua metrópole
E marchando continuou tendo acesso
Ele em si, um tanto imerso
Nas incertezas da morada rústica
Lembrava ele de toda a acústica.
Que habitava lá na sua centelha
Andava a trocar cobertor por telha
Conseguiu se fixar num povoado
Tudo neste lugar era avechado
Corria feito os ancestrais
Seu corpo amolecia e não tinha paz
Quando achava que tudo caminhava
Com as agitações contracenava
Não se sabe dos planos o futuro
Nas escritas há verdades no muro.
Esse Fela, bocejando pelas esquinas
Encontra a resposta de todas as sinas
As fases de na vida não se ter sorte
E a partir daí, apenasmente a morte
Instigou o que ele não sentia
Morrer, isso jamais passaria
Pela cabeça de um determinado
Voltou ao filme que estava gravado
Lembrou de sua infância abstrata
Dos toques nos bombos e na lata.
Nos tempos dos carnavais
Se vestia de monge, também capataz
E lá pras tantas fugia do fevereiro
Vestido de papangú, um cancioneiro:
- “Esse urso é daqui e de todo lugar
Daí dinheiro a ele pra ele gastar”
Depois de um piscar de recordação
Se viu ele sem a menor compaixão
Na sua frente morriam humanos
E neste lugarejo sumiam os planos.
A política sucumbiria o planejamento
Assim mesmo sem fortalecimento
Vítima seria por não está por dentro
Das atenções ele deveria ser o centro
Foi deste terreno, expulso
Mas ainda tinha e como tinha pulso
De ser mercenário porque aprendera
E de garra disto, alguém lhe prometera
Casa e comida em troca de inteligência
Achava-se o patrão, sem ter competência.
Estavam de olho nele pelas falações
E sobreviver dos olhos as emoções
Desta feita um resultado positivo
À base de mel regado a aperitivo
Brindava o Fela no botequim
E que um anjo de nome querubim
Pousou na sua sorte e o fez pensador
Escritor de livros e conquistador
De terras distantes e amores dóceis
No pulsar das tradições dos fósseis.
Uma espécie de escritor geográfico
Histórico e acima de tudo matemático
Computava ideias na terra de Toscana
De repente se viu na mesa soberana
Comeu massas, muito forte, quis voltar
Estava difícil e melhor seria esperar
Ir embora e sempre livros escrever
E nesse termo quase veio perecer
Designado pesquisador italiano
Fez deste o seu cartão anglicano.
Na Inglaterra, aplaudido às palmas
Lia fábulas, inglesas vívidas e calmas
A população italiana se revolta
Desejava ter o Fela logo de volta
Vagando por vias dos errantes
O Fela foi cúmplice dos amantes
Senhores da grana e vestindo cetim
Se contasse, é claro, teria motim
Tinha tudo para acertar e não acertava
Cada palavra sua o povo maltratava.
Mataram um bando de estrangeiro
E ele mais do que um ligeiro
Fez plano para vir da Europa
E aproveitou que lá haveria Copa
A seleção do seu país desembarcou
O Fela estava lá e tudo articulou
Pagou propina e voou pelos ares
Uma tempestade oriunda dos mares
Se debateu no seu transporte aéreo
Ele de risonho, tão logo sério.
Era muita má sorte na possibilidade
Voltar ao chão de sua originalidade
Durando mais de hora de aperreio
Viu-se perdido, sua bagagem não veio
Por que pensar naquela ocasião
Se morreria toda a tripulação?
Na sua mala tinha rabiscos e planos
Escrito durante todos estes anos
E perdê-los não importava o assunto
Melhor do que se tornar defunto.
O balanço da nave era visível
Sair dali era quase impossível
O Fela que era ateu teve que orar
O importante era a graça encontrar
Mesmo que os apelos orados
Pudessem ser sacrificados
Enfim, por fim, parou a aflição
Uns diziam: “ Foi a força da oração”
Escreveu desconsiderando os ateus
Tinha força para acreditar em Deus.
Passou por provas e foi contemplado
Foi a um culto e se sentiu abençoado
Trouxe na bagagem boas aventuras
Em todas pensava nas loucuras
Um Fela de pouco estudo e vencedor
Intitulado na sua terra de doutor
Deu palestras em universidades
O filho de Seu Inácio das maldades
Hoje era reconhecido homem culto
E não recebia de ninguém insulto.
Honras de chefes eram oferecidas
E ele ficava com as mais divertidas
“Mestre das Cavalgadas Nordestinas”
Enchendo de lágrimas suas retinas
O Fela ganhou dinheiro e fama
E sua mãe estirada numa cama
Esperava o dia da despedida final
Seu Inácio passava bastante mal
Seu primogênito já é famoso
Não lhe tinha como caridoso.
Faltava ações, a fala lhe congela
Como chegar até o Fela?
O filho sabe da mãe o padecimento
Abandona tudo num só movimento
Vai ao encontro da parideira
E ao chegar ouve a voz derradeira
A mãe soluçando pega a mão do filho
E diz que ela sempre foi empecilho
No crescimento e na compreensão
E dele quer simplesmente o perdão.
No peito o suplício sentindo
Ao ver a mãe quase sucumbindo
Dela o olhar ainda aberto
Chora ele, e quem está por perto
Também lamenta-se pelo fato
Um gemido lutuoso, único e nato
Perder uma mãe sem com ela viver
Seu destino traçado era perder
Perdendo na vida a intelectualidade
E na emoção colhendo brutalidade.
Assim se viu naquele instante trágico
E se fosse na vida um mágico
Transformava seus sonhos em reais
E todos os instantes seriam normais
O Fela já tinha realizado tudo na vida
Algo lhe causava profunda ferida
A chaga não sarava e era infeliz
Marcas profundas como cicatriz
Que penetram o corpo e é costume
Como as luzes de um vagalume.
Foi-se o filho de Seu Inácio de novo
Pela vida afora em defesa do povo
Sobreviver, não ao acontecimento
Perder a mãe num inusitado momento
O pai distante, magoado e viúvo triste
Perdeu o filho e a dor não mais existe
Somente a aventura de andar prevalecia
E sofrendo percorreu o que pretendia
Chegar ao topo no auge da fama
Mesmo que futuramente na lama.
Reclamaria de Deus profundamente
E o apelido de Fela amargamente
Ele se mudara diante das inconstâncias
E cada mudança novas substâncias
Conduzidas ao coração do caminhante
E este no puro silêncio tomava calmante
Às vezes se achando calmo por excelência
Não tinha vencido ainda a sua carência
De ver o pai e não tê-lo perdoado
Porque assim seu destino fora marcado.
O nome Emenervino fora esquecido
Fela era bem mais conhecido
A infância vivida na sua cidade
Pela perda de toda sua mocidade
Por nada entender o caos lá fora
E quando saiu quis vir embora
Um Fela da Mãe em cena
Visualmente tudo nos dá pena
Aquele que perde quem o desprezou
Foi ao velório e a raiva o contagiou.
Por mais que esse Fela seja gente
Tudo está marcado como semente
Na consciência dos que o conheceram
Melhor seria dizer que eles mereceram
Todos da família que lhe abandonaram
Nas contrariedades dos que desafiaram
Os passos do Fela são caminhos difíceis
E mesmo assim venceu os invisíveis
E quando se vendo perdido no pedágio
Se aproximou e foi muito mais ágil.
É que viajar era o destino vivenciado
E ele teria que correr e não ficar parado
Andar no tempo, libertar-se do afronto
Encontrar-se e deixar tudo no ponto
O velho esquecido sentiu desejo imenso
De ver o Fela com aquele brilho intenso
Não diante de sua amada morta
E sim, pedir perdão ao abrir da porta
Era assim que sofria o pobre de Seu Inácio
Na viuvez levando uma vida nada fácil.
Causando piedade e tendo aflições
Como a implorar naquelas condições
O Fela distante nada compreendia
Tão longe do pai nenhuma falta sentia
Os auditórios lotavam e delirando
Todos na fila e ele autografando
De cada lugar, lembranças guardadas
De cada luta, palavras esperadas
Vivia por fora, alheio as coisas de cá
Que quando deu por conta, era pra já.
Seu pai aos prantos implorava
Chamava-o de ingrato e gritava
De cada berro dito um era de alcançar
Pegá-lo nos braços para se alegrar
Escreveu cartas e se deixou entristecer
Enquanto o Fela comemorava o nascer
De uma linda criatura tão esperada
E assim continua a jornada
O Fela nomeado embaixador
Com honras na capital do Equador.
Fez pronunciamento liberal
Caía lágrimas do espaço sideral
O orador de charme em vestimenta
Tem virtude de poeta que o alimenta
E num segundo não recordo o acaso
Recebe anúncio que lhe deixa raso
Baixa a cabeça e o público silencia
Onde pousou a popular poesia?
Não respondeu, ainda de cabeça baixa
Depositou o bilhete numa caixa.
Saiu calmamente e não mais voltou
Morrera seu filho e o Fela chorou
Seu choro se ouviu a raios de distâncias
Filho primeiro das inconstâncias
A plateia ainda entediada pelo fato
Lá na frente entende e faz trato
Luto no continente pendurado
Um cartaz explicando o ser abençoado
O Fela nada porém não sabia
Apenas angústias pela covardia.
Perder um ente querido em Quito
Pela peste trazida pelo mosquito
Se dirige à casa equatoriana
Sua madame que se chama Mariana
Não contendo a dor fora imobilizada
Todos presentes ao canto da passarada
Davam pêsames e em silêncio andavam
Em nome do pequeno que eles amavam
O pesar invadia joviais semblantes
Melancólicos amigos inconstantes.
Quando esperava superar tudo
Porém, pálido, sua voz não saía, mudo
Uma notícia aos seus ouvidos chegou
Seu Inácio morrera e pra ele deixou
Uma herança de terra que era extensa
Uma riqueza que ninguém nem pensa
O quanto vale o valor de tudo deixado
Era pra mais de milhão feito pecado
O filho volta à terra que o expulsou
Vem tomar conta do que ficou.
Merece aplausos o tal Fela
Que hoje mora numa vila singela
Conta pelejas e tem uma amante
Nunca foi estéril, invenção de viajante
Tem biblioteca e brinca com o neto
Esse Fela nos causa piedades e afeto
Minhas senhoras e meus senhores
Chamo a todos de meus amores
Me permitam ter esta leitura
Que faz viajar na literatura.
E agora com muita alegria
Visitem o Fela com sua putaria
E aqui se finda a história
Com amargura e glória
E se a plateia tem ousadia
Eu já cantei Fela na Cantoria
Tomei a linguagem da peleja
E até hoje onde quer que esteja
Eu sou Fela pela mão do cordel
Seja na terra, seja no céu.
F I M
João Pessoa-PB, 30 de março de 1986.