LOROTAS DE BIU

Passo a contar a história

De um tal Biu Mentiroso

O seu nome verdadeiro

Severino da Silva Veloso

Nascido lá pras bandas

De São Miguel do Gostoso.

Severino filho único

De Manuel Veloso de Alencar

Pescador cheio de honra

E de muita lorota pra contar

Foi aí que o filho Biu

Tornou-se assim tão popular.

A mãe de Biu era Joana

Que vivia de aluguel

Naquele tempo não havia

Pousada em São Miguel

Ela possuía três

Herança do pai coronel.

Joana e Manuel era um casal

Que educou bem Severino

E com esta educação

Ele deu pra bom menino

Só depois é que chegou

A triste sina do destino.

Até os doze anos

Severino foi estudante

Depois desta idade

Preferiu coisa errante

Mentia que dava dó

Com sua voz elegante.

Numa pesca final de tarde

O pai de Biu morreu

A maré quebrou o barco

E ninguém ali viveu

E no velório do pai

Veja o que aconteceu.

Biu foi se comunicando

Logo depois da triste ceia

Que o pai disse pra ele

Que ia morar com a sereia

A mãe sabendo disso

Lhe aplicou uma grande peia.

Na missa de sétimo dia

Biu de novo aprontou

O padre daquela igreja

Quase que acreditou

Que o mar não tinha fim

E o pai no fim chegou.

Trinta dias se passaram

E chegou a missa de novo

Biu contava mentira

Pra o silêncio do povo

Trinta dias de morte

Biu dizia: é como ovo.

A mãe ali cabisbaixa

Deu em Biu um cascudo

E ele mentindo dizia:

- Eu sou muito sortudo

Meu pai tinha riqueza

E eu vou ficar com tudo.

Levou um puxão de orelha

Que quase se arrebenta

Aquela mãe mesmo triste

Quase lhe arranca a venta

E depois Biu corria

Pra perto de Maria Benta.

Só a mãe e o filho

Naquela casa de pensão

Olhando de noite o mar

Entristecia o coração

E Biu já tinha planos

De sair na contra mão.

- Oh, Severino, vem cá

Cuide daquele aluguel

Era a sua mãe pedindo

- E me traga aquele anel

Era uma lembrança que ela

Trazia do velho pai coronel.

O menino Severino

Começou a ser chamado de Biu

Com treze anos apenas

Já era o maior do Brasil

Em negócio de mentira

Biu nunca escapuliu.

O aluguel de cada casa

A mãe de Biu não via a cor

Quem pagava ao menino

Não sabia do valor

No final era uma agonia

E Biu pra longe se mudou.

A mãe de Biu sofria tanto

Em São Miguel do Gostoso

Porque o povo dizia:

- Olha a mãe do seboso!

Aquele não vale nada

O tal de Biu Mentiroso.

Qual é a mãe que gosta

De um filho desta maneira?

Não há nenhuma no mundo

E nem de brincadeira

Joana soube que Biu

Quebrou a perna numa ladeira.

Só que esta história

De perna de Biu quebrada

É tudo pura lorota

Porque o certo é uma pedrada

Que Biu recebeu nas costas

E deixou a unha lascada.

Biu começou a trabalhar

E foi logo terra vender

A propriedade alheia

Que ninguém foi conhecer

Foi também no pacote

E Biu não quis nem saber.

Biu não fazia nada

Da lorota era profissional

De tarde na beira do campo

Ele se sentia como tal

Contava cada uma

Isso já era mais que normal.

Enquanto isto em São Miguel

A mãe de Biu vivia sofrendo

Perguntava a todo mundo

Onde Biu estava vivendo

Ninguém sabia direito

O que estava acontecendo.

É que Biu deixou a Dona Joana

Sem nenhum tostão no bolso

E esta estava sem nada

Queria até se jogar no poço

E um belo dia a sua mãe

Cortou todinho o pescoço.

Ninguém da redondeza

Sabia dizer o paradeiro

Daquele cabra mentiroso

Que se tornou forasteiro

E a mãe sem nada saber

Ia vivendo sem dinheiro.

Entrava e saía noite

E Biu não tomava jeito

Perguntado o que ele era

Disse ser formado em direito

Que era um advogado

E queria muito respeito.

O povo daquela cidade

Em Biu acreditava

Toda confiança a ele

Aquela gente dava

Só queria saber da origem

E onde a família morava.

Biu disse que o pai era médico

E sua mãe uma empresária

Que era dona de uma cidade

E sua irmã universitária

E o seu tio foi inventor

Das torres lá de Bavária.

Com a fama de doutor

E o poder de mentiroso

Biu conquistou a todos

Como prato saboroso

E disse que tinha ódio

De povo que era orgulhoso.

Biu criou uma carta

E ele mesmo recebeu

Dizendo que tinha ganho

Uma causa de um ateu

Só porque cuspiu na cruz

Por causa do nome deus.

O povo caiu direitinho

Naquele ato de Biu

Todo mundo ali devoto

Como parte deste Brasil

Às vezes hipócrita

Com a fé que já sumiu.

Dizia Biu quando pequeno

Um dia foi anestesiado

Acordou feito um preá

Depois de ter sonhado

Que o mundo era preto

E um ponto deixou marcado.

São Miguel do Gostoso

Não queria prosperar

Precisava de solução

Para não se acabar

Porque a chuva era grande

E o mar ia se alastrar.

Sabendo desta história

A deixa Biu aproveitou

Com a presença do povo

Ele por si silenciou

A cabeça olhava de lado

E nada, nada ele contou.

Sem nada entender

O povo viu Biu tristonho

Queria saber mais história

Que ele falasse do sonho

E quem mais insistia

Era um velho por nome Totonho.

Manuel Veloso pai de Biu

Que foi grande pescador

Tinha fama de grande

E Biu nunca contou

De Pai pra Filho

Isto bem que colou.

Era a quinta série

Quando Biu parou o estudo

E numa roda de conversa

Disse ter curado até mudo

E que quando nasceu

Foi chamado de surdo.

Era mentira com mentira

E ninguém a ficha caía

Até o Velho Totonho

Que veio lá da Bahia

Chamava o mentiroso

De sagrado filho de Maria.

Estando para morrer

E sem ter o filho por perto

Gritava a mãe de Biu

Naquele lugar deserto

E ninguém dava notícia

Talvez com medo, por certo.

Biu sabendo disso

Voltou depressa à origem

Chegando na cidade

Teve uma grande vertigem

Viu sua mãe na cama

E a chamou de Santa Virgem.

O povo sem entender

Vendo aquele moribundo

Olhou depressa pra Biu

E perguntou de qual mundo

Tu tens esta ideia

De amor tão profundo?

Ele pegou sua mãe

E deu um beijo na testa

A velha se levantou

E acabou-se a aresta

Biu comprou aguardente

E fez uma grande festa.

Isto não é verdade

É o que o mentiroso contou

A mãe de Biu foi-se embora

E à cidade ele nunca voltou

Vive de cidade em cidade

Tendo mentira como favor.

Já foi advogado dos pobres

Médicos dos oprimidos

De tudo Biu foi um pouco

No viver dos desconhecidos

Por onde anda é saudado

Alegrando os entristecidos.

Existe um grande laço

Entre a mentira e o enrolão

E assim Biu foi vivendo

Contando a mais de milhão

A sua saga pelo mundo

Onde não tinha comunicação.

Biu se comunicava

Com seu jeito elegante

Nunca quis casar

E nem tampouco ser amante

O negócio dele era mesmo

Mentir e ser falante.

E aqui chego ao final

Desta modesta ficção

Que trouxe Biu pra gente

No caminho da ilusão

Mentir causa problema

E este não é a solução.

FIM

João Pessoa-PB, 09 de janeiro de 2019.

BENTO JUNIOR
Enviado por BENTO JUNIOR em 10/09/2024
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