O BICHO FEIO
Nessas andanças da vida
Conheci tantos mistérios
Histórias que são contadas
Bem detrás dos cemitérios
De gente que já morreu
Como também já correu
Pra falar dos adultérios.
Vou contar com precisão
Sem usar muito floreio
De uma que me encantou
Sobre um tal de Bicho Feio
Nascido de tanta raiva
Pela família dos Paiva
Que viveu de aperreio.
O pai desse camarada
Tinha riqueza profunda
Quando soube que nasceu
Um cara quase sem bunda
Quis matar o coitadinho
Pra não matar pobrezinho
O entregou pra um corcunda.
O corcunda durou pouco
Com poucos dias faleceu
A vizinhança covarde
Tampouco compadeceu
Botou o cabra na porta
De uma pessoa já morta
Que ninguém nem conheceu.
Uma freira da irmandade
Do Orfanato - Eu sou Feliz
Por nome de Irmã Jussara
Que cuidava de meretriz
Pegou o bicho pelo braço
Foi logo lhe dando abraço
E limpando o seu nariz.
No orfanato Bicho Feio
Quase que morre de dor
Chorava que só a gota
E haja tomar Anador
A barriga dava ronco
Igualzinho velho tronco
Além do grande fedor.
O danado só peidava
Mijava por todo canto
Irmã Santa sempre rindo
Entrava logo num pranto
Dizendo pra todo mundo:
- Este Ser que vive imundo
É na verdade um santo.
Aquele Ser rejeitado
Não tinha jeito na vida
As pernas do desgraçado
Por todo lado ferida
Um bicho daquele jeito
É visto com preconceito
Sem respeitar sua vida.
Do orfanato pra morar
Numa casa de um ricaço
Bicho Feio foi recebido
Num temível encalço
Foi choro por toda noite
Soltou peido, deu açoite
Quase que leva um balaço.
Mesmo assim Bicho Feio
Ficou ali sendo criado
Por gente de cara feia
Pra zelar era um chiado
Os donos não podiam
Ter filhos , nem queriam
Tampouco ser consultado.
Bicho Feio foi crescendo
Mudando logo de cara
Ficou distante daquilo
Que a riqueza nunca sara
Bicho Feio não falava
E se falasse, gritava
Pra tristeza que não para.
Os ricaços não pensavam
Na saúde do menino
Davam tudo de comida
Sem nem pensar no destino
Certa feita pós a janta
Bicho Feio não levanta
Problema no intestino.
Bicho Feio tinha veia
No braço todo marcado
Aquele seu pai adotivo
Que viveu preocupado
Bateu demais no sujeito
Que todos tinham rejeito
No cabra desmantelado.
O tempo foi se passando
A fama não se tardaria
Bicho Feio é famoso
E qualquer um me contaria
Todas as suas presepadas
E quantas foram as lapadas
Que Bicho Feio levaria.
Certa feita no verão
Bicho Feio não gostou
De brincar de amarelinha
Mesmo assim não desgostou
Brincou de fazer plano
Pra matar o desengano
Os Paivas que me contou.
Bicho Feio muito tímido
Nunca namorou na vida
Paquerou com Mercedita
Uma pessoa conhecida
Moradora de perto dele
Que viveu pensando nele
Mas era um tanto atrevida.
Seu atrevimento foi tanto
Que Bicho Feio se lascou
Uma pedrada na menina
Que sua perna enroscou
A população sem ter
E nem pensou obter
Foi na frente e lhe riscou.
Risco de faca no corpo
Fizeram nesta criança
Um risco que lhe marcou
Sendo este uma herança
Bicho Feio não esqueceu
O feito não conheceu
A mágoa como esperança.
Passando de mão em mão
Bicho Feio foi esquecendo
Do seu passado tão triste
Que no tempo vai morrendo
Tendo seu rosto tristonho
Jamais esqueceu do sonho
Que aos poucos ia crescendo.
Como toda criança tem
Um sonho de vencedor
Bicho Feio também tinha
Por ter sido perdedor
Precisava se formar
Para também se informar
Querendo ser nadador.
Na piscina do seu lar
Sempre consigo pensando
Bicho Feio imaginava
Numa luta atravessando
Sozinho naquela raia
Bem distante de uma vaia
Sozinho iria ganhando.
Todo sonho tem sucesso
Bicho Feio conseguiu
Como bom educador
Ele modesto seguiu
Para ganhar medalhões
Entre todos campeões
O ganhador prosseguiu.
O pai adotivo se foi
A mãe nem fez questão
Esqueceu seu Bicho Feio
Nem quis passar o bastão
Foi direto pro Egito
Com seu orgulho maldito
Pelas mãos de um charlatão.
Enquanto isso, o menino
Já sendo belo rapaz
Ganhava toda jogada
Com seu sorriso de paz
Não quis saber de vingança
Do seu tempo de criança
Quem pensa bem, mal não faz.
Nos noticiários da noite
Algo chama toda atenção
Uma entrevista bem dada
Causa uma grande comoção
A história do nadador
Que se tornara senador
Da nossa grande Nação.
Seus projetos aprovados
Falavam das aparências
A alma fica intranquila
Se vão todas inocências
Bicho Feio é destaque
Com seu belo cavanhaque
Risca fora as indecências.
Aquele seu pai verdadeiro
Sentiu no peito a saudade
Disse: - Esse é o meu filho
Que lhe fiz tal crueldade
Eu peço perdão a Deus
Por todos os erros meus
No leito da liberdade.
Quase morrendo na cama
O velho quis escrever
Um inventário às pressas
Pra quem quiser descrever
Deu toda sua riqueza
Esquecendo sua nobreza
Pro menino bem viver.
O senador sabendo disso
Foi com o velho se ter
Recebeu dele o perdão
Mas não quis comprometer
Doou tudo que não tinha
Pra uma tal de Martinha
Que nós vamos debater.
Lembram daquele corcunda
Que quando pensou em criar
O Bicho Feio na cesta
Não pôde mais recriar
Tivera falecimento
De puro merecimento
Martinha viera ficar.
O Bicho Feio depressa
Fez logo por merecer
Doou tudo pra Martinha
Que não fez lhe perecer
A filha deste corcunda
De uma pobreza profunda
Não pôde lhe oferecer.
Levou ele pro orfanato
Um modesto convento
Das freiras da irmandade
Da Paróquia de São Bento
O senador compreende
Tudo que dá também rende
Um lugar pro sentimento.
FIM
João Pessoa-PB, 01 de setembro de 2024.